Pandemia: "As pessoas achavam que era exagero das mídias"

Os paraenses Gabriella Oddenino e Luan Remígio, que moram na Itália, contam como se deu o colapso do sistema de saúde no país e falam da mudança de rotina imposta pelo novo coronavírus

ter, 07/04/2020 - 16:19

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Nesta terça-feira (7), segundo o monitoramento em tempo real da universidade norte-americana John Hopkins, 1.390.511 casos de infecção pelo novo coronavírus foram confirmados em todo o mundo. Os países mais afetados pela pandemia são os Estados Unidos, a Espanha e a Itália. A covid-19, doença provocada pelo vírus, já deixou 80.759 mortos no mundo, principalmente na Europa. Considerada o terceiro epicentro da epidemia, a Itália é o país com o maior número de mortes, são 17.127 mil vítimas. Veja aqui os números atualizados.

O país europeu teve os dois primeiros casos do covid-19 diagnosticados no dia 30 de janeiro, em um casal de turistas chineses, em Roma. Dezoito dias depois, foi detectada a primeira transmissão local no país e menos de um mês após a notificação dos primeiros casos, em 24 de fevereiro, já eram 224 casos. 

De acordo com a estudante paraense Gabriella Oddenino, que mora na Itália há dois anos, na região de Turim, logo que foram noticiados os primeiros casos de infectados, as pessoas não estavam dando a devida importância, porque as mídias sociais retratavam o vírus como uma simples gripe, ou tendo uma taxa de baixa mortalidade. “As pessoas continuavam saindo normalmente, achavam que era exagero das mídias. Era comum reportagem de adolescentes e adultos que continuavam saindo para jantar, ir ao cinema, correr no parque”, disse. “Eu pegava transporte público e não via ninguém usando máscara, mesmo as pessoas com sintomas de gripe e tossindo. E quem usava máscara eram sujeito a olhares e virava motivo de piada. Não tinham a devida preocupação de se proteger”, complementou.

Segundo Gabriela, as medidas começaram a sere tomadas tardiamente, quando os números de casos foram ficando alto. "Tiveram que fechar absolutamente tudo e qualquer atividade que não fosse de primeira necessidade, ou seja, tudo parou. Salão, universidades, shopping, restaurantes, estão todos parados. Só funcionam farmácias e supermercados", afirmou.

A única condição de saída de  casa, informou gabriela, é para comprar alimentos, um membro por família e com a autodeclaração assinada de que está saindo por motivo essencial ou para trabalhar, caso a empresa trabalhe com o fornecimento de alimento. "Se for pego sem (a declaração), paga uma multa acima de 200 euros (quase R$ 1.200,00), podendo chegar até a 1.000 euros (cerca de R$ 6 mil). Se você tiver sintomas, pode até ser preso”, afirmou a paraense sobre as medidas rigorosas que estão sendo tomadas na Itália.

Gabriella conta que segue todas as recomendações necessárias, que há mais de um mês não sai de casa. A única vez que saiu foi para ir ao supermercado, e que tem se revezado com o namorado para fazer as compras.

Com o bloqueio da universidade onde cursa mestrado, em Florença, a rotina mudou bastante. “Fico preocupada por não poder ver os meus familiares, não posso ver a minha avó que tem 80 anos, e que também mora na Itália. É uma situação delicada e desejo que não chegue nessa gravidade em outros lugares”, relatou.

“Teve que ter uma mobilização muito grande dos médicos e enfermeiros para implorar que as pessoas ficassem em casa, porque esses profissionais estavam dando a vida pelo os pacientes. Chegamos ao ponto, na Itália, que em algumas regiões estavam escolhendo com base na idade, com base de internados, quem viveria e quem deixariam morrer”, disse. “É normal escutar ambulâncias durante a manhã, à noite antes de dormir e de madrugada, escutar carros de polícia passando e pedindo que as pessoas não saiam de casa. Isso me deixa muito apreensiva, porque todos os dias acompanho o número de casos e o número de mortes. É uma coisa triste e que deixa minha família em Belém preocupada", afirmou Gabriella.

Segundo Luan Remígio, paraense, doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que há quatro meses realiza estágio de pesquisa na Universidade do Salento, em Lecce, na Itália, no primeiro momento era difícil compreender a gravidade da situação, e imaginar o que estaria vivendo hoje. “Na TV, acompanhava os noticiários e via um controle frágil nos aeroportos. Isso afetava a forma como víamos os acontecimentos, e eu ficava dividido se encarava o vírus como algo perigoso ou não”, relatou. “Achava improvável um país como a China sofrer tanto o vírus e a Itália, não. Hoje, é consenso a negligência inicial da Itália, a demora em agir custou muitas vidas”, complementou.

“Estou no sul da Itália, região com menos casos de contágios e mortes registrados, mas as medidas são as mesmas para todo o país. As aulas na universidade foram suspensas e passaram a ser on-line, a sala de estudos dos doutorandos foi fechada, as bibliotecas também. Não posso viajar para ver minha esposa em Parma, no norte. Hoje, passo o dia em casa e saio somente em casos de extrema necessidade e comprar comida”, afirmou o paraense sobre as mudanças na rotina.

De acordo com Luan, os supermercados continuam sendo abastecidos, embora alguns itens sejam mais difíceis de encontrar, como materiais de limpeza; a água sanitária acaba muito rápido. “É uma aventura e grande perigoso ir às compras. Em uma das idas, percebi a gravidade da situação quando nas ruas encontram-se poucas pessoas”, observou.

“Minha família é de Castanhal. Conversamos diariamente por mensagens de texto e por chamadas de vídeo. Tento adverti-los dos perigos a partir daquilo que vi acontecer aqui. Tenho um avô e duas avós no grupo de risco por conta da idade e isso me preocupa”,diz.  “É difícil dizer para o brasileiro ficar em casa. Mas, para aquele que puder, faça!”, complementa Luan.

A pandemia na Itália cresceu em velocidade assustadora e saiu de três para 40 mil contágios em menos de um mês. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (Istat), 22,8% dos habitantes do país em 1º de janeiro de 2019 tinham 65 anos de idade ou mais, proporção inferior somente à do Japão, que é de 27,6%, de acordo com dados do Banco Mundial relativos a 2018. A disseminação descontrolada nas primeiras semanas atingiu a população idosa, e deixou hospitais à beira do colapso, especialmente na região de Lombardia (46.071 mil casos). De acordo com o Instituto Nacional de Saúde da Itália, que realizou o último levantamento dia 23 de março, as outras regiões mais infectadas foram: Emilia-Romagna (14.741 mil), Veneto (10.192 mil), Piemonte (8.133), Marche (3.815) e as outras (38.188 mil).

Por Amanda Martins.

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