Na Itália, muçulmanos pedem um lugar para seus mortos

A doença afetou, principalmente, a região industrializada da Lombardia (norte) e causou a morte de 34.000 pessoas em toda península

ter, 09/06/2020 - 12:39
Miguel MEDINA Um homem marroquino em frente ao túmulo de sua esposa que morreu de coronavírus em Milão, 5 de junho de 2020 Miguel MEDINA

Afetados pela pandemia de coronavírus, como o restante da população, os muçulmanos italianos reclamam da falta de espaço para seus mortos nos cemitérios da península.

"Tudo isso foi a vontade de Deus", diz Mustafa, em frente a uma tumba acinzentada no setor muçulmano do cemitério de Bruzzano, nos arredores de Milão (norte). O marroquino, na casa dos cinquenta anos, lamenta a perda de sua esposa, que morreu em 7 de abril, aos 55 anos, de Covid-19.

"Ela pegou o vírus no hospital" em Milão, onde "havia sido internada um mês antes" para uma operação na perna, diz. Um buquê solitário de flores no meio de um retângulo desenhado por pedras alinhadas no chão indica o local onde ela foi enterrada.

- Cadáveres em casa -

Por enquanto, não há estatísticas oficiais sobre o número de muçulmanos, nem estrangeiros nem italianos, que morreram durante a pandemia. A doença afetou, principalmente, a região industrializada da Lombardia (norte) e causou a morte de 34.000 pessoas em toda península.

A minoria muçulmana (quase 2,6 milhões de fiéis em 2018, ou seja, 4,3% da população total, de acordo com um estudo recente) foi duramente atingida. A maioria reside no norte e é composta por 56% de estrangeiros, procedentes de Marrocos, Albânia, Paquistão, Bangladesh e Egito.

Os 44% restantes são italianos, e esse percentual está aumentando. Durante a pandemia, com a interrupção de todas as ligações aéreas, os corpos dos muçulmanos falecidos não puderam ser repatriados para seus países de origem, como é tradição.

"Isso gerou situações dramáticas, com corpos nos necrotérios por vários dias, devido à falta de lugar nos cemitérios islâmicos", informou o jornal "La Repubblica".

Foi o caso de Hira Ibrahim, uma macedônia que perdeu a mãe para a Covid-19 em Pisogne (norte) e foi forçada a velar o corpo em sua casa por mais de dez dias.

"Dezenas de famílias muçulmanas passaram pelo mesmo pesadelo", reconhece. "O sofrimento se multiplica sem um lugar para enterrar seus mortos", diz Abdullah Tchina, um imã na mesquita de Milão-Sesto.

"Na semana passada, um muçulmano morreu aqui em Milão-Sesto. Seu corpo teve que ser transportado por 50 quilômetros para ser enterrado", disse Tchina.

"Algumas famílias em Brescia, ou Bérgamo, tiveram que esperar muito tempo para enterrarem seus mortos", conta Guedduda Boubakeur, presidente do Centro Islâmico de Milão, que recebeu ajuda do Ministério do Interior para encontrar sepulturas em lotes habilitados para muçulmanos em cemitérios públicos.

- A terra e os mortos -

Segundo a União das Comunidades Islâmicas da Itália (Ucoii), existem 76 cemitérios islâmicos em todo país, para cerca de 8.000 municípios.

O mais antigo foi construído em 1856, em Trieste, no extremo norte. O de Roma, centro do cristianismo, foi construído em 1974.

Dada a falta de sepulturas, Ucoii solicitou ajuda dos municípios.

Boubakeur assegura que "150 responderam que são a favor da organização de um setor muçulmano em seus cemitérios".

A emergência de saúde desencadeada pela Covid-19 também revelou como a comunidade muçulmana evoluiu na Itália, a segunda religião do país.

"Alguns idosos querem ser enterrados no país de origem. Mas agora seus filhos e netos preferem ser enterrados aqui, porque se sentem e são italianos", enfatizou.

Para o líder muçulmano, é um sinal eloquente de "maior integração".

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