Belém, 405 anos: as vozes que gritam na periferia

Com dedicação e muito trabalho, projetos voltados para literatura e música fortalecem ações culturais nas comunidades periféricas da capital paraense

seg, 11/01/2021 - 11:03

Nesta terça-feira, dia 12 de janeiro, a cidade de Belém completa 405 anos, repletos de história e muita cultura. A capital paraense tem muita vozes. Algumas, por diferentes motivos, quase sempre ignoradas.

Um dos projetos que merecem ter visibilidade ocorre no bairro Tapanã. O Coletivo Articulado do Tapanã (CARTA) promove ações voltadas exclusivamente para a periferia, englobando questões raciais e científicas de maneira que seja acessível para todos da comunidade compreenderem os problemas da sociedade, além de realizar atividades sociais nas áreas de necessidade dentro do bairro.

A tesoureira do Coletivo, Jaqueline Oliveira, falou sobre a importância das ações para a comunidade. "Esse tipo de ação é importante no bairro, pois é uma forma de garantir acesso às informações e também politizar os moradores de periferia para que eles possam se empoderar no seu lugar de fala e luta por seus direitos", afirmou.

Os coordenadores do CARTA defendem o fortalecimento de políticas que visam priorizar questões culturais que nascem dentro das periferias, em especial nas escolas do bairro, do ensino fundamental ao médio.

"Hoje, nas escolas de ensino fundamental e médio é possível observar um grande crescimento de expressões artísticas, como por exemplo o rap, hip hop e o grafite. Essas formas de arte não são valorizadas dentro da escola, chegando a ser reprimidas em muitos dos casos. Acredito que uma política que vá valorizar essas formas de expressões nascidas da periferia dentro das escolas seja o caminho que tem muito a acrescentar", disse o estudante de Psicologia e atual secretário do Coletivo, Mailson Alves.

O projeto, que foi idealizado em maio de 2020, tem dificuldades financeiras. Segundo os coordenadores do CARTA, a falta de verbas e o espaço de funcionamento são os maiores problemas. Apesar de que no bairro existem várias associações de moradores, esses lugares acabam não sendo acessíveis tanto por falta de recursos quanto pela depredação.

"Quanto à questão financeira, para que haja um fortalecimento, você precisa de um investimento de capital. Existem algumas instituições privadas que oferecem esse tipo de ajuda, mas com valores muito limitados para grupos já pré-selecionados, o que torna ainda mais difícil para grupos que estão crescendo agora ", declarou Mailson Alves.

Em relação ao apoio governamental, o Coletivo espera uma melhoria com o novo governo municipal. "Acredito que vai ter mais o fortalecimento de políticas culturais tanto pelo caráter político ideológico quanto pelas propostas que foram postas dentro do processo eleitoral", destacou o secretário do projeto.

Incentivo à leitura

Outra ação que atende à comunidade periférica de Belém é o projeto lítero-musical  “Bom é ler de porta em porta”, fundado em julho de 2020 pelo coletivo de mediadores de leitura da Biblioteca Comunitária Itinerante BombomLER, que atua no bairro da Marambaia e tem como principal objetivo levar a literatura para crianças, jovens, adultos e idosos sem a necessidade de sair de casa. Rita Melém, cofundadora e mediadora de leitura na Biblioteca Comunitária Itinerante BombomLER, explicou que que o compromisso das bibliotecas itinerantes é viabilizar e democratizar o acesso à literatura como um direito humano fundamental. “Uma equipe de mediadores de leitura da Biblioteca realiza, periodicamente, um colorido cortejo lítero-musical pelas ruas do seu entorno, parando de porta em porta, contando histórias, cantando, poetando, distribuindo livros e máscaras. Tudo isso respeitando os protocolos sanitários em função da pandemia do coronavírus, mantendo distanciamento social, usando máscaras e álcool em gel para garantir a segurança tanto dos mediadores quanto dos moradores do bairro da Marambaia”, disse.

Rita também ressaltou as principais dificuldades para manter o projeto em funcionamento. ”A maioria não possui espaço próprio ou adequado às suas necessidades de atendimento ao público, não possui mobiliário suficiente e recursos para ampliar, qualificar ou restaurar seu acervo literário, a fim de garantir a circulação dos livros nas comunidades", afirmou. Segundo ela, também faltam recursos e parcerias para investir na formação de mediadores de leitura.

Cris Rodrigues, também cofundadora e mediadora de leitura da BombomLER, destacou que tipo de apoio espera da nova prefeitura de Belém. “Nossa maior expectativa e luta junto ao poder público é a criação e aprovação do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas junto à Câmara Municipal e do Plano Estadual do LLLB (livros, leitura, literatura e bibliotecas) na Assembleia Legislativa, com dotação orçamentária para a implementação de políticas públicas de Estado que contemplem escritores, livreiros, editores, sebos, ilustradores, mediadores de leitura e bibliotecas comunitárias, escolares e públicas, que concorram para a democratização do acesso ao livro e à literatura como um direito humano essencial à formação de sujeitos críticos e participativos, transformando Belém numa cidade de leitores”, assinalou.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelo projeto “Bom é ler de porta em porta”, Cris conta como a ação é recebida pelo público, de forma lúdica e cativante. “Aos poucos vamos sendo recebidos com afeto, sorrisos e olhares de alegria. A rua fica animada, ganha um colorido especial com as palavras que saltam das histórias, músicas e poesias.Uma atmosfera de encantamento vai se formando e contagiando quem está por perto. Ouvimos até gente grande dizendo que a emoção foi tanta que queria voltar a ser criança, que sentiu saudade da infância. Nós costumamos dizer que é uma ação para almas crianças de todas as idades”, relatou.

Música para todos

Idealizado no bairro do Guamá em 2019, pela professora Glaucia Freire, o projeto social “Toca Guamá” tem como proposta levar a música para a periferia, com a musicalização através da flauta doce e percussão. A professora ofereceu 20 vagas, sendo 10 para cada tipo de instrumento. Ela também recebeu ajuda de uma amiga que se voluntariou para dar aula de violão. Ambas ministram aulas para as duas turmas.

Glaucia ressalta como a música tem um poder muito grande de desenvolvimento para crianças que não possuem tantos privilégios. “A gente sabe que a educação musical é um poderoso instrumento de desenvolvimento social e desenvolvimento cognitivo", disse. Segundo ela, relatos de famílias que participam do projeto comprovam a mudança de comportamento dessas crianças, que ficavam durante muito tempo na rua e hoje otimizaram esse tempo com o estudo de um instrumento e de um determinado repertório.

“Hoje eu peço que os governos possam olhar com mais carinho para os nossos centros comunitários. Existem muitos centros desativados aqui no bairro do Guamá, que poderiam estar recebendo projetos sociais, projetos educacionais que vão fazer toda diferença no desenvolvimento social das famílias. A gente precisa começar a desenvolver e movimentar essa comunidade da periferia”, falou a professora sobre a falta de atenção que o bairros de periferia sofrem pela parte do governo.

“A nossa principal dificuldade é com relação ao espaço físico. Se o nosso centro comunitário estivesse ativado, provavelmente nós estaríamos lá, recebendo muito mais que vinte alunos”, relatou Glaucia, que ministra aulas em sua residência.

Ela também ressaltou a importância das doações de instrumentos. “Quero abrir uma nova turma de violão para adolescente. Conto com esse apoio para trazer profissionais para dentro da comunidade que possam estar trabalhando dentro desses centros comunitários que estão dentro e próximo da nossa comunidade”, completou.

Por Maria Rita Paiva, Sabrina Avelar e Yasmin Seraphico.

 

 

 

 

 

 

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