'Kit Covid' aumenta risco de morte, dizem chefes de UTIs

Segundo médicos intensivistas, pacientes graves que fizeram o chamado 'tratamento precoce' podem ter recuperação prejudicada no hospital

ter, 23/03/2021 - 10:52
Carolina Antunes/PR Presidente recomenda o uso de medicamentos como hidroxicloroquina mesmo sem comprovação científica de eficácia Carolina Antunes/PR

O 'Kit Covid', também chamado de tratamento precoce, defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contribui para aumentar o número de mortes de pacientes graves, afirmam diretores de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de hospitais de referência ouvidos pela BBC News Brasil. Mesmo sem estudos científicos comprovando eficácia, medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina continuam sendo indicados pelo presidente no combate à Covid-19.

Segundo o médico intensivista Ederlon Rezende, coordenador da UTI do Hospital do Servidor Público do Estado, em São Paulo, os pacientes que precisarem de internação, cerca de 15% a 20% do total, podem ter o tratamento prejudicado no hospital caso recebam esses medicamentos.

"É nesses pacientes que os efeitos adversos dessas drogas ocorrem com mais frequência e esses efeitos podem, sim, ter impacto na sobrevida', disse Rezende, que também é ex-presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, à BBC. 

Médicos intensivistas também afirmam que o "Kit Covid" mata de forma indireta quando retarda a procura de atendimento, absorve dinheiro público que poderia ser usado na compra de medicamentos para intubação e domina a mensagem de combate à pandemia. 

"Alguns prefeitos distribuíram saquinho com o 'kit covid'. As pessoas mais crédulas achavam que tomando aquilo não iam pegar covid nunca e demoravam para procurar assistência quando ficavam doentes", comentou o diretor da Divisão de Pneumologia do instituto do Coração do Hospital das Clínicas, em São Paulo, Carlos Carvalho.

"A falta de organização central e as informações desconexas sobre medicação sem eficácia contribuíram para a letalidade maior na nossa população. Não vou dizer que representa 1% ou 99% [das mortes], mas contribuiu", completou o diretor.

A preocupação dos médicos intensivistas é com o efeito colateral em pacientes que ficam em estado grave e que estão com o funcionamento dos órgãos comprometidos. 

"Esses remédios não ajudam, não impedem o quadro de intubação, e trazem efeitos colaterais, como hepatite, problema renal, mais infecções bacterianas, diarreia, gastrite. E a interação entre esses medicamentos pode ser perigosa", contou à BBC a pneumologista Carmen Valente Barbas, do Hospital das Clínicas e do Hospital Albert Einstein.

Segundo Ederlon Rezende, a hidroxicloroquina pode causar arritmia cardíaca, o que pode ser um efeito crítico, porque a Covid-19 promove inflamação do músculo cardíaco e trombose nos vasos e tecidos. Ele relatou também casos de pacientes que precisam ser sedados e acordam com confusão mental acentuada devido ao uso abusivo de ivermectina antes de chegar ao hospital. "A ivermectina é uma droga que também penetra no cérebro quando ele está inflamado, e ela deprime mais ainda o cérebro e piora a qualidade do despertar de um paciente intubado. Essa tem sido uma intercorrência frequente nos pacientes que usaram esse remédio antes chegar à UTI", contou. A ivermectina também pode causar lesão renal, dificultando a cura da Covid-19, pois a doença em alguns casos provoca complicações nos rins com necessidade de hemodiálise.

Com a adição de corticoides no Kit Covid, que ajudam a reduzir a mortalidade entre pacientes graves, surgiu outro problema. É que no restante da população o uso pode provocar sérios problemas, como baixar a imunidade e propiciar outras doenças. “Se você dá corticoide a paciente de covid sem necessidade, ele vai ter um desempenho pior. Ele morrerá mais do que se tivesse sido adequadamente tratado”, destacou o supervisor da UTI do Hospital Emilio Ribas, Jaques Sztajnbok.

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