Recife: ocupação às margens da BR-101 reúne 230 famílias

A Ocupação Chico Lessa começou a ser erguida em novembro de 2021. Movimento de luta por moradia diz que terreno estava sem uso há três décadas

por Elaine Guimarães sex, 14/01/2022 - 17:30
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens A Ocupação Chico Lessa está localizada entre a Zona Oeste e a Zona Norte do Recife Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Desde o dia 27 de novembro de 2021, 230 famílias ocupam um terreno de 22 hectares às margens da BR-101, na divisa entre os bairros de Apipucos, Zona Norte do Recife, e Iputinga, na Zona Oeste. A expectativa é que o número de moradores cresça, pois há cerca de 600 famílias cadastradas. O local ainda mantém algumas estruturas do que um dia foi uma olaria. Devido à formação recente, os moradores da Ocupação Chico Lessa, uma homenagem ao advogado trabalhista e sindical falecido em 2015, ainda organizam os espaços, recolhem materiais e erguem estruturas que, em breve, irão se tornar lares.

Além de moradia, os habitantes do assentamento, vindos de diversos municípios pernambucanos e de fora do Estado, querem condições dignas e encontram apoio no Movimento Urbano dos Trabalhadores Sem Teto (MUST). Ao todo, foram três meses de preparação, que envolveu reuniões e pesquisas, até que os primeiros ocupantes chegassem ao espaço. Tudo é feito em cooperação mútua.





Até o momento, o assentamente conta com 230 famílias e cerca de 600 crianças. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

De acordo com Marilene dos Santos e Maurício Santana, lideranças do MUST, os planos para a área, além de abrigar as famílias, é ser transformada em uma cooperativa, como também, criação de uma horta. “O espaço é muito grande, como vocês podem ver. Primeiramente, teremos um espaço para as crianças, porque fazer essa divisão é importante”. Nos cálculos de Maurício, há na Chico Lessa cerca de 600 crianças. “Nos galpões [dois no total], será uma cooperativa e, no outro, uma horta”, conta.

Marilene reforça à reportagem a importância desses projetos. No entanto, aponta a necessidade de ter insumos para levar os planos adiante. “Os galpões serão preparados aos poucos. Mas a gente precisa de doações de sementes e materiais para iniciar as coisas por aqui”. Além dos itens citados, ela destaca a carência de brinquedos, roupas e objetos para suprir as demandas dos moradores. 

Estrutura da antiga olaria anda existem no local. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

“Quero ter um lar”

O desejo dos ocupantes da Chico Lessa é uníssono: moradia. Vários são os motivos que levaram as famílias até o local, mas a maioria foi impactada pela crise e má condução da pandemia de Covid-19 no Brasil. Neste período, muitos perderam o emprego e não tiveram mais condições de arcar com o aluguel de um imóvel.

Cabeleireira de profissão, Érica Shennia Lira Tavares descobriu na arte, na poesia, um meio para enfrentar o caos. Recém-chegada ao assentamento, ele deixou o local onde morava com o ex-companheiro, em Itamaracá, apenas com algumas coisas e o filho de oito anos. Érica relata ao LeiaJá que chegou a manter um bar cultural no litoral norte em 2021, mas precisou fechar a pedido da dona do imóvel, que era alugado.

Neste mesmo período, ela iniciou um relacionamento. Mas, segundo a poetisa, tornou-se uma relação abusiva. “Eu vivia com um companheiro, mas ele começou a ficar violento. No dia que deixei Itamaracá, chegou a rolar agressão mesmo”, lembra. Érica tomou conhecimento da Chico Lessa por intermédio de uma prima e resolveu ir até o local. Ela ressalta que foi bem recebida e conseguiu uma moradia cedida por uma outro ocupante. "Minha primeira casa, minha primeira casa própria", diz. 

Maria Joselma e Érica Shennia estão em busca de condições dignas para a família. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

O sentimento de finalmente ter um lar é compartilhado por Maria Joselma da Silva, que é costureira. Mãe de cinco filhos, sendo o mais novo de três anos, ela comenta que a família ainda não está completa. "Comigo está o meu mais novo e uma filha, uma outra filha 'tá' construindo aqui do lado para morar com o meu netinho", destaca.

O local ainda está em fase de acabamento, segundo a costureira, ela ainda vai dividir a casa em pequenos cômodos. Em dias de chuva, segundo ela, é impossível não entrar água no espaço. “Como é tudo lona, quando chove entra água. Na última vez, precisei colocar algumas coisas para levantar o colchão da minha menina para não molhar", expõe.

Antes de chegar ao assentamento, Maria Joselma morava com a irmã. “Eu vim para cá para que meus filhos tivessem um ‘cantinho’ para morar, né? Aqui, a gente tem as nossas próprias casas. Quero ter um lar para mim e meus filhos”, reforça enquanto observa o filho mais novo dormindo.

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Disputa judicial

O terreno onde, agora, está localizada a Ocupação Chico Lessa não tinha atividadas há três décadas, conforme informações ditas à reportagem pelo MUST. No entanto, dias após o início do assentamento, o movimento foi notificado judicialmente com uma liminar de reintegração de posse. "Foi tudo muito rápido. Nunca vimos uma decisão tão rápida", observa Maurício Santana, liderança do MUST. A decisão foi revertida e o processo de reintegração está suspenso.

Ele aponta que o terreno pertence à União, mas a empresa Florestal Santa Fé LDTA entrou com um pedido de reintegração de posse. As Informações obtidas pelo LeiaJá mostram que a instituição pertence à família Brennand de Souza Leão. Durante a permanêcia da equipe no local, pode-se perceber a presença de seguranças. "Fomos recebidos com violência, foi uma coisa horrível", conta Maurício. 

O advogado que representa a Chico Lessa, além da Defensoria Pública, Bernardo Weinstein, alega à reportagem que a liminar de despejo despreza 'uma proibição de despejos, que está contida em uma ação chamada ADPF, com proposta direta no STF, proposta pelo PSOL nacional, diz que famílias que tivessem em áreas de ocupação não sofressem despejos durante o período da pandemia".

O LeiaJá entrou em contato com a assessoria jurídica da Florestal Santa Fé LDTA. Como resposta foi dito que, por ser uma ssunto tratado no âmbito jurídico, "não há nada a ser declarado a respeito da invasão ocorrida". 

 

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