A disputa judicial pela titularidade do Arquipélago de Fernando de Noronha se aproxima de um fim, após uma decisão tripartite, acompanhada por diversas autoridades políticas, ser tomada durante uma solenidade no Recife, capital pernambucana, nessa quarta-feira (22). A governadora Raquel Lyra (PSDB), a vice Priscila Krause (Cidadania) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinaram um acordo que permite a continuidade da administração pelo Governo do Estado, mas sob gestão integrada com a União.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski acompanhou a homologação e deverá levar o termo para o plenário da Corte, onde a matéria passará por uma última votação antes de se tornar válida.
##RECOMENDA##A conciliação foi firmada através da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-PE), após uma fase dedicada apenas ao diálogo junto aos demais signatários do acerto. A partir de agora será criado um Comitê de Acompanhamento e Gestão do Acordo, composto por quatro gestores titulares, sendo dois da União e outros dois do Estado de Pernambuco. Raquel Lyra afirmou que o termo “garante” que Noronha seguirá um patrimônio pernambucano, enquanto recebe uma melhor administração para preservar os interesses dos moradores e turistas.
Quando começou a disputa?
Não é a primeira vez que a ilha é tema de disputa administrativa e territorial. No entanto, o pedido de reavaliação de titularidade emitido nos anos mais recentes aconteceu durante o Governo Bolsonaro, em 2022, quando a gestão federal protocolou no Supremo um pedido de liminar em ação civil contra o Estado de Pernambuco e solicitou o domínio sobre o Arquipélago de Fernando de Noronha.
À época, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) alegou um suposto descumprimento do acordo de compartilhamento firmado em 2002. As alegações sempre foram contestadas pelo governo de Pernambuco. Desde 1988, a ilha pertence ao governo estadual. O contrato de 2002 ao qual Bolsonaro se referiu foi firmado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), representando a União, que administrava a ilha até então, com o ex-governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (MDB).
Para cessar a disputa, o Governo Lula propôs a administração compartilhada com a participação conjunta do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A AGU afirma que a proposta firmada visa à proteção ambiental e cooperação administrativa pela defesa da biodiversidade e do uso sustentável de recursos naturais.
Qual será o papel de cada um, Governo Estadual e União, na gestão da ilha?
O acordo prevê a cooperação entre a União e o Estado de Pernambuco para a gestão das unidades de conservação do Arquipélago, definindo criteriosamente questões como licenciamento ambiental e outras responsabilidades em áreas estratégicas do Arquipélago, incluindo a Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual e a APA Federal.
As regras preveem que não poderá ocorrer a ampliação do perímetro urbano e construções irregulares deverão ser coibidas e demolidas se estiverem em desconformidade com as normas ambientais do arquipélago.
Ao Executivo, cabe a execução de políticas públicas de natureza social e econômica e a definição de planos, programas e projetos relativos ao desenvolvimento sustentável do Arquipélago, inclusive quanto à gestão urbanística do uso do solo, compatibilizadas com as normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção do meio ambiente.
O Governo de Pernambuco também retomou a elaboração do Plano de Gestão Sustentável Integrada da Ilha (PGSI). Essa será uma estratégia elaborada com participação popular dos moradores da ilha com prazo para finalização em dezembro de 2023.
Por que Fernando de Noronha pertence a Pernambuco?
Desde que foi descoberta, em 1503, há 520 anos, a ilha só não pertenceu a Pernambuco no período entre 1942 e 1988 (por 46 anos). Nessa época, o arquipélago foi federalizado e passou por diversas gestões, do Exército à Aeronáutica. Em 1988, o território foi anexado de volta ao Estado. A linearidade com o território pernambucano sempre gerou dúvidas, já que Noronha está mais próxima da capital do Rio Grande do Norte, Natal, do que do Recife, por exemplo.
Em 1700, houve uma espécie de formalização da posse pernambucana sobre a ilha, concedida ao estado (à época, capitania) por Portugal. Nesse período, o território do Rio Grande do Norte era parte de Pernambuco. Após os 46 anos em que Noronha foi federalizada - o que incluiu o fim da Segunda Guerra Mundial e a Ditadura Militar no Brasil -, o território foi reanexado, mesmo com a independência do Rio Grande do Norte.
Atualmente Noronha é um distrito estadual (único do país) administrado pelo Governo do Estado. O ICMBio, que é um órgão federal, é responsável pelo Parque Nacional Marinho, área que corresponde a 70% da ilha principal e as ilhas secundárias do arquipélago.