'Estamos perto do fim da pandemia', afirma infectologista

Vírus deve persistir, mas em menor circulação e dentro de cenários mais possíveis de lidar, pontuou a médica entrevistada pelo LeiaJá. Confira a reportagem

por Vitória Silva sab, 26/02/2022 - 17:45
Andréa Rêgo Barros/Arquivo PCR Desinfecção intensa do transporte coletivo no Recife Andréa Rêgo Barros/Arquivo PCR

Uma pergunta que ressurge entre os brasileiros a cada nova notícia e novo dado divulgado é: quando a pandemia vai acabar? O que antes era uma questão muito distante, hoje já é uma possibilidade mais próxima, de acordo com especialistas no assunto. Apesar da pandemia ser um problema global, cada país conta com suas particularidades e, no caso do Brasil, problemas de comunicação e atraso na vacinação fizeram com que o cenário se agravasse e persistisse por mais tempo. 

No entanto, a tendência mundial também deve ser seguida por aqui: a força do coronavírus está prestes a trocar de nomenclatura, é o que explica a doutora Sandra Gomes de Barros, infectologista e professora do curso de medicina da Universidade Santo Amaro (Unisa), entrevistada pelo LeiaJá para tratar do assunto. De acordo com a especialista, o Brasil deixará a pandemia e entrará em um quadro endêmico, mas isso não significa que o vírus sairá de circulação. 

“Acreditamos que estamos caminhando para o fim da pandemia. Vamos entrar numa fase endêmica e com certeza vamos ter aí períodos sazonais epidêmicos. Igualmente como já acontece com a gripe e com a dengue. Nós vamos passar de pandemia para uma endemia. Isso não vai significar que a gente está numa situação de fim totalmente da doença. Vamos ter situações em que o vírus vai acontecer, causar doença, fazer novas internações e poderemos ter óbitos. Não é um impacto em termos de hospitalização e óbito; ainda vai acontecer, mas será muito menor e acreditamos que não deverá ter, a curto prazo, necessidade de medidas tão radicais como a gente passou nesses últimos dois anos”, afirma Barros, que enxerga também uma flexibilização gradual das medidas protetivas individuais. 

Neste sábado, 26 de fevereiro, a pandemia completa exatos dois anos no Brasil. O primeiro caso foi identificado em São Paulo, em um homem de 61 anos, em 26 de fevereiro de 2020. De lá para cá, 648.160 brasileiros perderam suas vidas para Covid-19, enquanto 28.670.024 casos foram confirmados, entre recuperados e em observação. Por outro lado, os recuperados foram maioria: 25.994.566, de acordo com o Ministério da Saúde. A vacinação foi crucial para que esse número de casos revertidos crescesse com os meses e refletisse na queda do número de mortos. 

“Já está se estudando essa cobertura vacinal [periódica] mas também irá depender muito de cada região, da letalidade do vírus em cada região e da dinâmica da transmissão que está ocorrendo em vários estados”, complementa a infectologista.  

Hoje, o Brasil tem 86,09% (172.315.519) da população vacinável (cinco anos de idade ou mais) parcialmente vacinada. Ou seja, pessoas que receberam, ao menos, uma dose de imunobiológico. Até o momento, três doses estão disponíveis à toda a população, ou duas, no caso de quem toma a dose única da Janssen somada à dose de reforço 

“A gente sabe que as vacinas perdem efetividade e proteção ao longo do tempo, principalmente quando vão surgindo aí novas variantes. As vacinas continuam protegendo contra a hospitalização e óbitos, mas acreditamos que a gente vá ter aí uma periodicidade definida. O auto-teste pode ser uma ferramenta eficaz e de muito auxílio, porque vivemos uma época em que faltaram testes para realização do diagnóstico. É uma ferramenta que pode ajudar no diagnóstico, sim”, continua a médica. 

- - > LeiaJá também: Recapitulando os dois anos de pandemia no Brasil 

Novas variantes 

Para lidar com os impactos da variante Ômicron, a mais recente e predominante entre os casos de Covid-19 no Brasil, o país deve-se guiar por sua situação epidemiológica individual, recursos disponíveis, status de vacinação e contexto socioeconômico. Nas últimas semanas, países em todo o mundo, especialmente na Europa, sentiram a força da onda Ômicron. No Brasil, a variante se tornou a mais presente em território nacional ainda em janeiro, menos de dois meses após a sua primeira infecção registrada. 

Embora a Organização Mundial da Saúde tenha sugerido que um grande número de infecções pela Ômicron poderia sinalizar o fim da pandemia, por causa do aumento de imunidade de curto prazo que se seguirá, os pesquisadores alertam que a situação permanece volátil e difícil de modelar. Uma pandemia geralmente é considerada “superada” quando um vírus se torna endêmico, mas o perigo de encerrar a pandemia antes que ela realmente acabe permanece. 

“A gente precisa observar a dinâmica e os indicadores do nosso país para, posteriormente, podermos planejar as medidas que vamos adotar. Acredito que ainda temos que fazer bastante discussão a esse respeito, mas março promete bastante, e a partir de 15 a 20 de março, a gente vai ter uma situação real dos nossos indicadores e, tendo uma situação favorável, a gente já pode implementar medidas com uma flexibilização maior. Isso deve acontecer à medida que nossos indicadores vão caindo e a nossa curva de novos casos começa a declinar”, pontua Sandra Barros. 

Embora a Covid-19 possa nunca desaparecer completamente, não se espera que as variantes futuras sejam tão severas quanto as anteriores. “Estamos vivendo um momento agora de mais tranquilidade. Teremos o Carnaval, e a depender da cidade do estado, a gente pode ver uma queda ou um aumento no número de casos, mas eu não acredito em um novo período de pandemia”, complementa. 

E continua, no mesmo tópico: “Houve uma subida do número de casos depois do Natal, mas acredito que agora a gente tem uma cobertura vacinal importante. É quase 80% [de vacinados] e isso daí muda bastante a magnitude desse impacto e a dinâmica da pandemia. Mesmo tendo aglomeração em um evento de massa, a gente não acredita que haverá pessoas suscetíveis o suficiente para a gente ter um novo pico e uma nova onda ou novas variantes trazendo doença e trazendo hospitalização. A não ser que surja aí uma variante mega transmissível”. 

Erros e acertos 

No caso do Brasil, alguns erros de gestão da pandemia ficaram escancarados e se tornaram tópico mundial, entre aliados e opositores. O país, que presenciou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de investigação da gestão da pandemia pelo Governo Federal, teve que lidar com um atraso vacinal enquanto o pico de óbitos subia, ao mesmo tempo em que muitas informações circulavam, sem que nem todas fossem relevantes ou verdadeiras.

Com a vacinação e o Plano Nacional de Imunização priorizando o reforço dos imunizantes, o cenário ganhou uma chance de mudança. “O grande acerto nesses dois anos de pandemia foi o avanço que tivemos na vacinação”, pontua a especialista.

Por outro lado, os erros aconteceram em momentos iniciais e essenciais para a condução do restante da pandemia, que já persiste por dois anos. “Em termos de gerenciamento, foi uma pandemia conturbada, porque cada município, cada cidade, cada estado determinava suas próprias normativas. Não teve uma padronização de conduta”, afirma Sandra Gomes de Barros. 

Algumas alternativas, de acordo com a infectologista, se dariam através de uma plataforma fixa e contínua de informação, com alcance nacional, com momento pré-determinado, como ocorre com o horário de propaganda política durante o período eleitoral.

“O governo errou em não distribuir máscaras, assim como distribui preservativos em metrô. Não houve uma distribuição de álcool gel, não houve uma informação adequada, diária para população a nível nacional, como existe o horário político. Deveria ter sido usado um horário através da mídia, através do jornalismo exclusivo, para a população para todas as orientações necessárias, porque houve muito conflito de informação e isso confundiu a população”, completa Sandra, ao mencionar os erros da gestão da Saúde federal.

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