Homem assedia mais de 70 psicólogas em consultas on-line
O caso aconteceu com pelo menos 70 profissionais de 12 estados brasileiros
A psicóloga Liliany Souza, de 37 anos, denunciou um homem que se passava por um paciente em potencial para assediar as psicólogas durante consultas on-line. O homem, que se identifica como Lucas Silva Dornelles, de 34 anos, morador do Rio Grande do Sul, chegou a se masturbar em algumas consultas com outras psicólogas. Mais de 70 profissionais relataram terem sido vítimas do sujeito.
Liliany detalhou, através de relatos recebidos, que o suspeito age há pelo menos dois anos e já fez vítimas em 12 estados brasileiros. Cinco profissionais já foram ouvidas pelo Ministério Público de São Paulo, numa denúncia coletiva, e também já existe uma investigação aberta pela 3ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), também em São Paulo.
“Ele dava o nome completo. Consegui dados com as primeiras vítimas. No início, preenchia a ficha [de paciente]. A minha não preencheu e de muitas outras também”, contou a profissional.
Dornelles procurou Liliany em fevereiro deste ano, num domingo, por volta das 22h30, pedindo uma consulta de urgência. Ele relatou ter uma deficiência física e ter dificuldade em ser olhado pelas mulheres e ligou insistentemente para ela.
“A gente acredita que pode ser um paciente em crise. Mas fui juntando os pedaços e o que me salvou é que eu cobro a primeira consulta. Pedi que me preenchesse a ficha e mandasse o comprovante de pagamento, que aí marcaria a consulta. Ele começou a falar ofensas, disse que mostrava o meu peito na foto para seduzir, me chamou de vagabunda e de tudo mais que você possa imaginar”, contou. Ela bloqueou e denunciou o contato de Lucas e acabou perdendo as mensagens enviadas.
O primeiro relato feito pela psicóloga foi no Instagram. Em abril, ela foi chamada para participar de uma roda de conversa on-line, organizada pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, e conheceu a psicóloga Letícia Martins de Oliveira, de 27 anos, também assediada pelo mesmo sujeito. “Fiz outro post sobre o assunto no início de maio e viralizou. Nos comentários, um pior que o outro”, ressaltou.
Foi nessa segunda publicação que uma pessoa enviou um print da conversa com Dornelles. Liliany reconheceu na hora. E seguiu recebendo relatos de abusos cometidos por ele. “O que fica muito claro é que não se trata de uma patologia. É um homem numa sociedade patriarcal machista que está atacando mulheres em seu local de trabalho”, observou.
O medo de ser antiética
A psicóloga Letícia Martins foi procurada pelo sujeito em julho de 2021. As mensagens enviadas à ela foram: “Você atende on-line?”, “tenho deficiência e me sinto excluído”, e “só recebo dia 20, dá para iniciar antes as sessões?”. Ela disse ter achado o primeiro contato atípico, mas respondeu como responde todos os clientes em potencial, explicando a maneira que trabalha. “Ofereci um horário para uma primeira sessão no dia seguinte. Ele insistiu que fosse no mesmo dia, mas mantive o mesmo horário. Ele concordou”, afirmou. Letícia fez duas chamadas de vídeo com o suspeito.
“Acho importante frisar que não foram consultas ou sessões. O agressor simulou ser um paciente para conseguir seu objetivo, que é se masturbar enquanto fala com uma mulher. Exatamente por nós, psicólogas, acharmos que se trata de uma consulta, carregamos ainda mais culpa e demoramos a denunciar, com medo da quebra de sigilo. Mas nesse caso não há essa configuração, uma vez que ele faz isso em série com o único objetivo de assediar, e não de fato iniciar um processo terapêutico”, relatou.
Na primeira chamada com Letícia, ele alegou que precisava ficar deitado por conta da sua deficiência física. “Essa é uma das principais características do modus operandi: o assediador usa de alguma estratégia para caracterizar urgência, captar a atenção da profissional ou manipular a cena para que possa fazer o assédio. Eu segui com algumas perguntas iniciais, após questioná-la sobre isso”, afirmou.
“Percebi que ele estava se masturbando quando começou a relatar questões de cunho sexual, pelas expressões faciais, o pouco que conseguia ver do movimento dos braços e a fala ofegante. Após isso, encerrei a sessão, me sentindo confusa, culpada e enjoada”, lembrou.