Um sertanejo desconfiado

Para o ex-governador Joaquim Francisco, Miguel Arraes era um homem humano. "Se relacionava bem com as pessoas, agora, como um sertanejo era desconfiado", contou

por Taciana Carvalho qui, 15/12/2016 - 08:05
Brenda Alcântara/LeiaJáImagens Brenda Alcântara/LeiaJáImagens

Desde a infância, o ex-governador de Pernambuco Joaquim Francisco conviveu com o líder sertanejo Miguel Arraes. Seu pai, José Francisco de Melo Cavalcanti, segundo contou Joaquim era amigo de Arraes quando, o primeiro, era deputado estadual, na década de 40 e, este último, secretário da Fazenda no governo de Barbosa Lima. A convivência foi desde a infância. “Arraes também considerava o meu pai um amigo embora, na política, isso tenha limites”, disse.

Apesar de garoto, Joaquim disse que não se esquece das primeiras memórias. “Eu guardei aquela imagem mais jovem de um homem inteligente, sabido, que sabia fazer uma composição política. Sempre o achei com um jeitão, autenticamente, nordestino. Falava 50% do que queria e os outros 50% guardava. Gostava do chamado varejo da política, da rua, da feira, da praça, do poeta, do repentista, do cantor. Era um homem humano. Se relacionava bem com as pessoas, agora, como um sertanejo era desconfiado”.

Para Joaquim Francisco, o ponto forte de Arraes era a firmeza das suas convicções. Contou que o governador não recuava do norte que queria seguir. “Ele tinha convicções de matriz muito forte na área socialista. Muitas delas não se concretizaram, não se materializaram, mas ele se manteve firme numa coerência em busca dos objetivos dele. Não trilhou caminhos convencionais porque ele sempre era um híbrido fértil. Navegava nos dois rios. Da direita e da esquerda. Essa dificuldade que, até hoje em dia algumas pessoas encontram numa convivência mais aberta, ele não tinha. Isso sem abrir mão das convicções dele. Aí era onde estava astúcia dele”.

                                                                                                

Joaquim declarou que, apesar da conjuntura não houve “guerras políticas” entre ambos. “Até porque ele era de um temperamento, quando queria, suave. Era muito experiente, muito jeitoso, fazia política e metade do que podia ele dizia, a outra metade você ficava esperando um novo encontro. Também era teimoso, ou seja, um político hábil, astucioso, coerente com as ideias dele e sabia o que queria”.

Ele também recordou da época em que era prefeito e Arraes, governador. “Era um aprendizado permanente. Ele conversava comigo, aquela coisa toda, eu era um adversário na prefeitura e ele um governador adversário. Eu ia lá despachar e ele conversava bem comigo, aquela conversa, mas, que as coisas que eu ia pedir, ele não atendia. Eu brincava com ele: “Dr. Arraes essas são soluções de gaveta”.

"Eu ia lá despachar com ele e ele conversava bem comigo, aquela conversa, mas, que as coisas que eu ia pedir, ele não atendia. Eu brincava com ele: “Dr. Arraes essas são soluções de gaveta”. “Eu sempre fui apressado, ansioso, queria soluções rápidas. Ele dizia: as coisas têm um ritmo. Você vai, espera um tempo, dá uma sequência e, assim, as coisas vão andando. Pedia para eu deixar de agonia. Ele não pegava no arranco, sempre mastigava o processo. Ouvia uma opinião. Era um político hábil, astucioso, obstinado, cabeça dura, coerente com as ideias dele e sabia o que queria. Um condutor, um líder, sem dúvida alguma, e conseguia em alguns momentos passar uma impressão completamente oposta”.

Joaquim acredita que os laços familiares facilitou o convívio. “Por exemplo, na transição de governo. Eu, que sou um animal rural e urbano, valorizo muito essa maneira de ser rural, de relembrar as ligações que você teve no passado, então, trouxe um clima de convivência cordial mesmo em polos opostos, sem radicalismo, eu o sucedi e depois ele disputou a eleição com Krause e ganhou a eleição. Eu sucedi ele e ele me sucedeu. Foi uma transição pacífica. Eu gostava de conversar com ele. Muitas pessoas reclamam que não conseguia conversar com ele. Eu conseguia”, contou.  

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UM HOMEM ALÉM DO SEU TEMPO

Entre as muitas histórias relembradas, Joaquim Francisco destacou um episódio, na época em que era governador [1991/1995], que confirmaria que Arraes era um homem além do seu tempo. Arraes teria se encontrado com ele, dois anos após assumir a gestão, para questioná-lo quem seria o seu candidato para a Prefeitura do Recife. “...Daí, ele se encontrou comigo e me perguntou. “Eu queria saber de uma coisa, Joaquim. Quem será o seu candidato a prefeito? Porque eu estou recebendo esse povo de marketing e eles estão dizendo que o povo não quer mais saber de político, que o povo não quer político. Falaram que o povo quer técnico, gerente. E, aí, Joaquim, você vai fazer o que?...”.

Sobre o fato, Joaquim disse para Arraes que não saberia o que iria fazer e questionou o mesmo. “Eu também quero saber do senhor se o senhor vai botar um político ou um técnico”, teria retrucado.

Arraes teria continuado. “...Eu fico aqui pensando, tantos anos que a gente faz política, eu, Pelópidas, você, Dr.Roberto, cada um no seu canto e, de repente, o povo não quer mais saber da gente. O que a gente faz? Tem que pegar um técnico. Estou pensando em ligar para uma das multinacionais e dizer me arranje um prefeito técnico...”.

Joaquim não se esquece dessa história. “Isso há 28 anos e não me esqueço porque hoje está se debatendo isso. Ele já dizia que o povo na rua não queria político, que queria técnico por alguma razão, por algum desgaste político. Isso, lá atrás, já tinha esse tipo de discurso”.

No final das contas, uma semana após, a decisão de Arraes foi feita. Não botou um “técnico”. “Não vou botar um técnico (...). Eu pensei, se a gente é político, colocar um técnico daqui a pouco o povo não gosta da gente. O candidato dele foi Eduardo Campos; o de Joaquim, André de Paula, e Jarbas foi candidato. Ganhou Jarbas, ou seja, a tese do gerente faliu. Arraes estava certo". 





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