Gilmar Mendes sobre caso André do Rap: 'Festival de erros'
Ministro ainda defendeu ser dever dos juízes garantir a supervisão da contemporaneidade das prisões cautelares determinadas por eles
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez críticas contundentes ao Ministério Público Federal, ao juízo de primeira instância responsável pela revisão da prisão preventiva do narcotraficante André do Rap e ao próprio STF ao votar, nesta quinta-feira (15), para mandar de volta à prisão o líder do PCC, considerado foragido.
"É um festival de erros, equívocos e omissões", observou Gilmar Mendes sobre o caso. "A evasão de um paciente com um porte de periculosidade assustadora só foi possível graças a uma convergência de falhas na inércia do Ministério Público Federal conjugada com erros judiciários e uma patente escassez de espírito público na atuação de alguns participes deste processo", completou.
Em seu voto, o ministro defendeu ser dever dos juízes garantir a supervisão da contemporaneidade das prisões cautelares determinadas por eles. No caso de André do Rap, o magistrado de primeira instância perdeu o prazo de 90 dias previsto no artigo 316 do Código de Processo Penal para reavaliar a pertinência da detenção. O 'vencimento' da ordem de prisão foi usado pelo ministro Marco Aurélio Mello para autorizar a soltura do traficante por excesso de prazo.
Na sequência, Gilmar Mendes criticou abertamente a Procuradoria Geral da República (PGR) pela 'inércia' diante da decisão do colega. "Com o devido respeito pela atuação da Procuradoria Geral da República, é bastante constrangedor o fato de a PGR ter se quedado inerte em apresentar qualquer imputação nos autos do HC de terça-feira até o fim do dia da sexta-feira. Somente no sábado, dia 10 de outubro de 2020, quando já havia sido cumprida a ordem de soltura, é que o parquet ajuizou a suspensão de liminar em exame", observou.
O ministro também não poupou críticas ao próprio Supremo Tribunal Federal e chamou atenção para um suposto erro na distribuição do habeas corpus impetrado pela defesa do traficante. O recurso foi enviado a Marco Aurélio, embora a ministra Rosa Weber tenha sido designada relatora dos processos relacionados à Operação Oversea, que prendeu André do Rap.
"Além da inércia do Ministério Público e do juiz de primeiro grau, o andar trôpego do processo se iniciou ainda na sua entrada neste Supremo Tribunal Federal. O caso em tela deve servir de escola para o aprimoramento da sistemática de distribuição de processos por prevenção nesta Corte", disparou.
Ainda na esteira das críticas, Gilmar Mendes repreendeu aqueles que tentam culpar o artigo 316 do CPP pela soltura do traficante e se manifestou contra a necessidade de reformulação da lei penal.
"Diante de tantos equívocos e omissões, parece-me absolutamente inadequado tentar culpar o fundamento legal do direito invocado. Se não bastassem os tantos responsáveis pelos equívocos narrados, há quem ainda precisa buscar culpados do outro lado da Praça dos Três Poderes", disse, emendando: "Suprimir garantias fundamentais do ordenamento jurídico não parece ser solução eficaz para a mora do Judiciário", reforçou.
Na mesma linha dos colegas Ricardo Lewandowski e Cármen Lucia, que lhe antecederam na votação, Gilmar Mendes também demonstrou preocupação com a hipótese de o presidente do Supremo poder derrubar de decisões monocrática dos demais ministros da Corte.
"É absolutamente estranha ao sistema de contracautela a ideia de se dotar a presidência de um tribunal com a atribuição para conhecer de pedido de suspensão em face de decisão proferida por qualquer órgão do seu próprio tribunal, seja ele sessão, turma ou relator", alertou.
Apesar da ressalva, Gilmar Mendes disse compreender a 'situação de extrema urgência' que levou Fux a derrubar a decisão do colega Marco Aurélio. A oposição ao decano, por sua vez, foi firme: "Não há a maior dúvida de que se trata de um dos maiores criminosos do nosso País, que chefia uma das maiores organizações criminosas da América Latina. A história pregressa demonstrava claramente o elevadíssimo risco de sua evasão. Nenhuma hermenêutica constitucional, a meu ver, autorizaria a concessão de liminar nos termos proferidos no HC", pontuou o ministro ao concluir seu voto.