Brasil elege apenas uma mulher prefeita nas capitais
Resultado repete tendência de 2012 e 2016. Desigualdade de gênero e juridicismo influenciam a participação feminina na política, diz especialista
Das 26 capitais brasileiras, apenas uma será chefiada por uma mulher durante a gestão de 2021-2024. Cinthia Ribeiro (PSDB) foi reeleita prefeita de Palmas, no Tocantins, e é exceção entre os demais 25 cargos que não foram alcançados por mulheres nessas eleições municipais. O número repete a tendência de 2012 e 2016, e evidencia a lacuna entre a participação feminina na política, através das candidaturas, e das vitórias efetivas.
Considerando os 96 maiores colégios eleitorais do Brasil, apenas oito mulheres foram eleitas prefeitas, de acordo com os resultados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse grupo de colégios engloba as 26 capitais e os 70 municípios com mais de 200 mil eleitores aptos, e nos quais é possível a realização do segundo turno.
O resultado representa 8% de participação feminina no bloco e, nacionalmente, o percentual é de 12%. Em 2012, Teresa Surita (MDB) foi eleita prefeita de Boa Vista (RR), a única mulher escolhida para comandar uma capital no País. Ela foi reeleita em 2016.
Além da tucana no Tocantins, as mulheres eleitas nesse grupo foram Suéllen Rosim (Patriota) em Bauru, o município mais populoso do Centro-Oeste paulista; Rachel Chini (PSDB), em Praia Grande, na Baixada Santista; Professora Elizabeth (PSD), em Ponta Grossa, no Paraná; e Raquel Lyra (PSDB), reeleita no primeiro turno em Caruaru, Agreste pernambucano.
Em Minas Gerais, foram eleitas as postulantes Marília Campos (PT) em Contagem, na região metropolitana; Margarida Salomão (PT) em Juiz de Fora, Zona da Mata mineira; e Elisa Araújo (SD) no interior, em Uberaba.
Quase chegaram lá
Também chamam a atenção as candidatas que quase chegaram lá. É possível começar a observação pelo Macapá, capital amapaense, onde as eleições foram adiadas por conta do apagão em 3 de novembro. A candidata Patrícia Ferraz (Podemos) aparece em segundo lugar na pesquisa do Ibope, divulgada no último dia 11. Com 18%, a postulante está atrás de Josiel (DEM), que lidera com 26%. Ela se difere no terceiro lugar, Dr. Furlan (Cidadania) por apenas 1%.
Na capital pernambucana, o conflito familiar entre os Campos e Arraes, que se arrastou até o segundo turno, com a vitória de João Campos (PSB), esteve sob atenção de todo o Brasil. A petista Marília Arraes liderava as pesquisas de intenção desde o fim do primeiro turno, mas foi derrotada pelo primo com uma diferença de 12,54 pontos percentuais.
Outras candidaturas tinham chance de aumentar o número de mulheres no comando das principais prefeituras do país, mas todas foram derrotadas no segundo turno. Manuela D’Ávila (PCdoB) perdeu em Porto Alegre (RS) para Sebastião Melo (MDB) por 54,63% a 45,37%. Cristiane Lopes (PP) também foi derrotada em Porto Velho-RO por Hildon Chaves (PSDB), ele teve 54,45% contra 45,55% dela.
O mesmo aconteceu com as candidatas Delegada Danielle (Cidadania) em Aracaju-SE e Socorro Neri (PSB) em Rio Branco-AC.
O contexto nacional
O cientista político e professor universitário Elton Gomes fala que o “fetichismo jurídico” atrapalha a expressão das candidaturas femininas e pode reduzir o potencial dos seus trabalhos. Para ele, há no Brasil uma tendência de instrumentalizar o voto feminino e a causa identitária.
“Temos aí políticos que do dia para a noite viram feministas. A lei exige que os partidos tenham 30% de bancada feminina para conseguir participar das eleições, e isso pode esvaziar o significado dessas candidaturas, mas acontece que o voto feminino é identitário. Toda teoria política discute os incentivos seletivos. Quando se conquista o povo, isso pode significar que você não precisa mais da lei. O caminho aqui é pelo código penal, o partido arruma qualquer política, candidaturas que funcionam como 'laranja', só para o registro. É uma forma de perpetuar e potencializar a desigualdade. As mulheres não são devidamente estimuladas, nem verdadeiramente representadas. O corpo continua sendo uma maioria de homens”, diz o especialista, e completa: “é fetichismo jurídico, e às vezes é difícil pensar juridicamente no mundo real”.
Gomes se refere à Emenda Constitucional (EC) nª 97/2017, a “cota dos 30%” do TSE, que indica o mínimo de 30% de mulheres filiadas aos partidos que queiram concorrer em um pleito eleitoral. A medida, na opinião do cientista, necessária, pode ser ao mesmo tempo aplaudida e questionada. A obrigatoriedade pode fazer com que as candidaturas sejam para “preencher” registro, e não para verdadeiramente agregar.
Ele também chama atenção para as respostas do eleitorado a essas candidaturas, e ressalta o fervor da causa identitária, que nem sempre avalia as questões reais de desigualdade e o significado das candidaturas.
“O identitarismo cria uma expectativa errada, e pensando em termos analíticos, nas estruturas de poder, essa expectativa não se reverbera enquanto verdade. É uma perspectiva normativa e não prática do que ‘deveria ser’, e não do mundo como é. Além disso, por razões identitárias, o Brasil instrumentaliza a causa e faz parecer que elas só podem chegar na representação se for pela esquerda. Isso não deveria acontecer. O feminismo, por exemplo, pode ser muito plural”, desenvolveu.
“A única prefeita eleita é uma tucana”, continuou, referindo-se à reeleição de Cinthia Ribeiro. Ele relembra que o espectro político das candidatas é amplo e que é possível representar diversas mulheres através dessas figuras. O problema segue sendo o quantitativo. Sobre isso, ele comenta: “As pessoas com chances de ganhar são bem vistas pelos partidos. Mulheres como Marília Arraes (PT), Raquel Lyra (PSDB), Dani Portela (PSOL) e outras vereadoras, como Liana Cirne (PT), Andreza Romero (PP) mostram que não só tem mulheres na política como o espectro delas é enorme. O que dá para questionar é o número. De 39 vereadores, temos somente seis mulheres, plurais, que passeiam da direita conservadora à esquerda liberal. No Brasil a coisa não decola por causa da questão social, que muda pouco a pouco com as lideranças que transitam pelos espectros políticos”.
Segundo o levantamento da plataforma Fiquem Sabendo (O Brasil em dados), em parceria com o Yahoo Brasil, apenas 7 mulheres foram eleitas prefeitas das capitais brasileiras nos últimos 20 anos. A proporção de mulheres à frente das capitais diminuiu ao longo dos anos. Em 2000, a presença feminina marcava 19,2%. Em 2012, estacionou em apenas 3,8%, taxa que se manteve em 2016, com apenas uma mulher eleita prefeita.
Em adição, Elton Gomes fala sobre descentralizar o poder de fala das candidaturas femininas, que soam patenteadas pelos grupos de esquerda, mas reconhece o papel protagonista do espectro no acolhimento das pautas voltadas às mulheres.
“Não sejamos injustos. A esquerda, no mundo todo, detém a imensa maior parte das representações desses movimentos de minoria, sobretudo com a frente do feminismo. Mas vale mais falar de feminismos, no plural, do que de um feminismo único. Todas têm como ponto comum a diferenciação entre sexo e gênero, mas elas divergem com relação ao caráter do movimento. Quando a esquerda diz que só ela pode ter a legitimidade de falar dessa luta, primeiramente não condiz com a realidade pela quantidade de correntes de pensamento, e em segundo lugar isso acaba impõe uma autoridade moral sobre as demais pessoas”, explica, e finaliza dizendo que, nesse aspecto, não deve haver “monopólio em nenhum espectro, e nem pessoas colocadas como "ultra ativistas".