Veja as regras sobre presentes recebidos por autoridades
Bolsonaro e o seu entorno são foco das investigações da PF que apuram um suposto esquema de negociação ilegal de itens valiosos dados por delegações estrangeiras à Presidência da República
Com as atualizações do caso das joias sauditas recebidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados, muitos brasileiros ainda têm dúvidas sobre o que diz a legislação em relação ao recebimento e vendas de objetos por autoridades políticas. Sendo assim, o LeiaJá conversou com o doutor em ciência política Rodolfo Marques para esclarecer como as leis tratam o assunto e como está o andamento das investigações envolvendo o ex-chefe do Executivo.
"Essa confusão que Bolsonaro gerou entre público e privado ajuda, entre aspas, a gerar mais desconforto ou mais dissonância em relação ao tema", afirma o cientista político ao abordar a suposta venda ilegal de presentes recebidos em viagens oficiais feitas pelo ex-mandatário e a sua equipe durante a gestão federal.
Presentes milionários
O caso veio à tona em outubro de 2021, quando a Polícia Federal (PF) apreendeu no Aeroporto Internacional de Guarulhos, no estado de São Paulo, um conjunto de joias avaliado em R$ 16,5 milhões que seria um presente do governo da Arábia Saudita à então primeira-dama, Michelle Bolsonaro (PL). O kit era composto por itens da marca suíça Chopard que incluía: um anel, um relógio, um par de abotoaduras, um rosário islâmico e uma caneta.
Na época, o conjunto milionário foi encontrado na mala de um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e não foi declarado à Receita como item pessoal, o que obrigaria o pagamento de imposto. No entanto, os objetos só poderiam ter entrado no país sem a necessidade do pagamento de impostos, caso fossem declarados como presente para o Estado brasileiro, mas, neste caso, ficariam com a União, não com a ex-primeira-dama.
Rodolfo Marques acredita que devido as joias terem vindo do governo da Arábia Saudita, isso já atrai algumas complicações para a imagem de Bolsonaro.
"O governo saudita é muito controverso em relação aos processos democráticos dentro do próprio país. Há constantes ataques a jornalistas e a grupos minoritários, e isso é extremamente complicado. Então, a praxe nesse caso seria não aceitar o presente, ou, caso aceite, que esse presente fosse incorporado ou que esses presentes fossem incorporados ao Estado brasileiro", pontua.
Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Desde o momento em que foi iniciada essa operação da PF, outras situações envolvendo joias milionárias foram divulgadas. Sendo assim, Bolsonaro e o seu entorno são foco das investigações que apuram um suposto esquema de negociação ilegal de objetos dados por delegações estrangeiras à Presidência da República.
O que de fato diz a lei?
A partir do início dos anos 90, uma série de resoluções, leis e decisões da Justiça criaram várias regras sobre o tratamento que deve ser dado a documentos de acervo e a presentes trocados por figuras políticas. As regras que também são válidas para servidores públicos, existem para evitar que objetos caros, como os do kit da Chopard, sejam usados para corromper e favorecer interesses.
As leis obrigam que quaisquer itens recebidos em cerimônias de trocas de presentes entre autoridades, audiências com autoridades estrangeiras ou viagens oficiais sejam declarados de interesse público e passem a integrar o patrimônio cultural brasileiro. Sendo assim, todos os presentes recebidos são catalogados pela Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República, que fica encarregada de preservar o acervo durante o mandato do presidente que recebeu os itens. Depois de deixar a Presidência, o ex-chefe do Executivo, com o auxílio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), passa a ser responsável pela conservação dos objetos.
Itens não podem ser vendidos
Em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que independentemente de os objetos serem entregues em evento oficial, eles devem ficar em acervo da União, sendo assim, não podem ser considerados patrimônio particular do presidente após o fim da sua gestão.
A ordem também determinou que fosse realizada uma auditoria para localizar presentes dados por lideranças estrangeiras a parlamentares a partir de 2002, quando o decreto foi editado. Com esse novo entendimento, por exemplo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a ex-presidenta Dilma Roussef (PT) tiveram que devolver presentes recebidos durante seus mandatos. Os objetos que não foram devolvidos, tiveram que ser pagos.
Em março deste ano, o TCU reiterou que os itens de uso pessoal de alto valor devem ser registrados como patrimônio da Presidência. A tentativa de vendê-los é ilegal.
Os ex-chefes do Executivo, como é o caso de Jair Bolsonaro, só podem usufruir em caráter pessoal daqueles itens considerados de "natureza personalíssima", como medalhas personalizadas, ou de "consumo direto", tais como gravatas, bonés, camisetas, perfumes, chinelos e alimentos.
A regra também vale para prefeitos e governadores
O cientista político Rodolfo Marques afirma que a regra também fiscaliza os prefeitos, dos mais de 5.500 municípios, e os 27 governadores brasileiros.
"Prefeitos e governadores em menor escala também têm que se submeter à legislação. Eu digo menor escala pela monta, são mais de 5 .500 municípios no Brasil, são 27 unidades federativas, portanto temos 27 governadores e eles, por vezes, são expostos a essas situações de presentes, de honrarias e de condecorações", explica Rodolfo.
"Honrarias condecorações, embora estejam ligados ao exercício do cargo, eles acabam sendo personalizados ou personificados. Mas em casos de presentes, deve ter muito cuidado, exatamente para essa questão da discricionariedade e da separação daquilo que é público e privado", detalha.