EUA ameaçam deportar intercambista que não voltar às aulas
A Universidade de Harvard e o MIT entraram na Justiça na quarta-feira (8) para bloquear a decisão "arbitrária e caprichosa" do governo
A preocupação aumenta entre os milhares de estudantes estrangeiros nos Estados Unidos ameaçados de deportação pelo governo americano, se não retomarem as aulas presenciais, apesar do aumento do número de casos e de óbitos por coronavírus no país.
Apenas nas universidades públicas da Califórnia, que anunciaram cursos virtuais a partir de setembro, quando começa o primeiro semestre do ano letivo, existem mais de 40.000 estudantes estrangeiros. Em Harvard, que suspendeu cursos presenciais por todo ano, eles são cerca de 5.000.
Na segunda-feira, a Polícia de Imigração dos EUA (ICE, na sigla em inglês) anunciou a revogação dos vistos de estudantes universitários que não estiverem inscritos em cursos presenciais.
Os estudantes estrangeiros se tornaram, com isso, vítimas colaterais da pressão por parte do presidente dos EUA, Donald Trump, para forçar a reabertura de todas as escolas e universidades do país, embora a pandemia esteja longe de estar sob controle. Desde março, já são quase três milhões de casos e mais de 131.000 mortes no país.
A Universidade de Harvard e o MIT entraram na Justiça na quarta-feira (8) para bloquear a decisão "arbitrária e caprichosa" do governo.
"Chegou sem aviso prévio, e sua crueldade perde apenas para sua irresponsabilidade", disse o presidente da Universidade de Harvard, Lawrence Bacow.
"Eu posso ser afetado, se eles não oferecerem cursos presenciais", disse Taimoor, de 25 anos, estudante paquistanês na Cal State Public University, em Los Angeles.
"Estou preocupado. Isso pode mudar meu futuro e meus projetos", desabafou.
Um estudante indiano matriculado em um mestrado em uma grande universidade do Texas conta que planejava fazer cursos on-line neste outono (primavera no Brasil) para evitar o contágio da COVID-19.
Ele já teve cursos virtuais no último semestre, mas agora será forçado a retornar fisicamente para a universidade para não perder o visto.
"O custo do tratamento no hospital é muito maior do que no meu país", diz esse jovem de 25 anos, que pediu para não ser identificado. "Então eu tenho medo", afirmou.
"Eu falo com muitas pessoas que estão realmente assustadas", acrescentou.
"Estamos sozinhos em um país estrangeiro. Não tenho ninguém para cuidar de mim", em caso de doença, acrescentou.
Uma estudante indiana que faz mestrado em Engenharia Eletrônica em uma grande universidade do Arizona, um dos focos do novo coronavírus, também tem medo.
Ela sabe que terá de voltar ao campus para concluir seu trabalho de pesquisa e garantir sua posição de tutora para alunos mais jovens, apesar de "parecer muito difícil controlar a propagação do vírus em um campus tão lotado".
A maioria das universidades americanas (84%, de acordo com o site Chronicle of Higher Education) é voltada para uma fórmula presencial, ou híbrida, que combina cursos virtuais e ensino presencial. Isso permitiria aos estudantes evitar a deportação, com a qual são ameaçados pelo governo Trump.
Algumas, como a Universidade do Sul da Califórnia (USC), que anunciou inicialmente que quase todos os cursos estariam on-line, estão considerando oferecer mais cursos presenciais.
- "Injusto" -
Muitos temem o ressurgimento da pandemia no outono (primavera no Brasil). Isso forçaria os estabelecimentos a retornarem à educação virtual, e os estudantes estrangeiros teriam de deixar o país.
O governo "não pode controlar o vírus. Isso pode acabar mal", disse a futura engenheira indiana, que viverá "em um estado de inquietação permanente" até o final do próximo semestre.
"Investi três anos da minha vida e trabalhei duro para obter esse diploma. Se meu visto for revogado, seria terrível", lamentou.
O número de estudantes estrangeiros nos Estados Unidos dobrou em 15 anos e, desde 2015, encontra-se estável no patamar de quase um milhão, segundo o Instituto de Educação Internacional.
O custo proibitivo da maioria das universidades americanas, o aumento de universidades concorrentes, especialmente na Europa, e a política de imigração de Trump tornaram os Estados Unidos um país menos atraente para ir estudar.
As decisões recentes "correm o risco de enfraquecer uma das maiores vantagens dos Estados Unidos, seu sistema educacional, o melhor do mundo" para o ensino superior, alerta Aaron Reichlin-Melnick, do Conselho Americano de Imigração (AIC, na sigla em inglês).
Até então, a futura engenheira indiana que estuda no Arizona queria ficar nos Estados Unidos para fazer um doutorado, e talvez até mais. Hoje, porém, ela tem dúvidas, diante "do tratamento dos imigrantes e das pessoas com vistos temporários por parte do governo".