Espetáculo 'Belle' se baseia no longa 'A Bela da Tarde'

qua, 27/08/2014 - 10:00

Há um momento de A Bela da Tarde em que Jean Sorel, o cirurgião marido de Sévérine (Catherine Deneuve), olha com interesse injustificado para uma cadeira de rodas - será uma premonição do que lhe acontecerá mais tarde? A cena é uma das invenções que Luis Buñuel e o roteirista Jean-Claude Carrière acrescentaram na adaptação do livro de Joseph Kessel. O cinéfilo que assiste hoje ao filme sabe que se trata de um clássico. Na época (1967), o desconcerto - o escândalo - foi grande.

Aventureiro, jornalista e romancista, Kessel nasceu na Argentina, na região de Entre Rios, mas foi na França, e escrevendo em francês, que adquiriu projeção. Tornou-se um dos expoentes da chamada ‘escola de psicologia das letras francesas’ nos anos 1920 e 30. Seu livro psicologiza a experiência de Sévérine, a burguesa insatisfeita que frequenta o bordel de Madame Anaïs, virando a Belle de Jour. Tudo o que Buñuel quis evitar foram as explicações psicológicas para o ‘caso’ de Severine.

Nada se explica - a caixinha de música do cliente chinês, o tinteiro que o médico necessita - e as cenas do passado também não estão ali para explicar o trauma de Sévérine menina. O que importa é o relato em bloco, e que mistura passado, presente e futuro, realidade e imaginação para compor aquilo que um crítico (Sérgio Augusto) definiu como um apólogo sobre a tendência à perversão da vida burguesa.

No limite, é um filme sobre o cinema - como outro, contemporâneo de Buñuel, Persona, de Ingmar Bergman, lançado no Brasil como Quando Duas Mulheres Pecam. Em definitivo, Belle de Jour esculpiu o mito de Deneuve como loira fria. Na complexa trama, ela se revolta contra o cliente (Pierre Clementi) que exacerba suas fantasias masoquistas, o que aponta para uma superação do trauma - mesmo que Buñuel não estivesse interessado na psicologia. O detalhe curioso é que Philippe Hériat adaptou o texto para teatro em 1936, mas dezesseis diretores se recusaram a montar a peça, tomando ao pé da letra o happy end irônico e acusando o autor de maniqueísmo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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