Jérôme Valcke é demitido pela Fifa
Acusado de corrupção, ele é denunciado por 'oferecer e receber presentes e outros benefícios'
Jérôme Valcke acaba de ser demitido pela Fifa. A entidade anunciou nesta manhã de quarta-feira que não iria aguardar uma decisão final dos órgãos judiciais e decidiu acabar com o contrato com o francês, responsável por organizar a Copa do Mundo de 2014, no Brasil.
O Comitê de Ética da Fifa já havia recomendado a suspensão por nove anos do ex-secretário-geral da entidade. Violando sete artigos do código de ética da entidade, Valcke poderia ser impedido até mesmo de entrar em um estádio até o ano de 2025. Ele é denunciado por "oferecer e receber presentes e outros benefícios". Além da suspensão, ele pagaria uma multa de US$ 100 mil.
Em 2015, a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelou ao lado de jornais como The Guardian e Wall Street Journal como Valcke atuou nos bastidores para lucrar milhões de dólares com a venda de ingressos para a Copa de 2014.
Agora, a decisão está nas mãos dos juiz Hans-Joachim Eckert que avaliará as denúncias de violação de regras de conduta, lealdade, confidencialidade, conflito de interesses, obrigação de colaborar e oferecer aceitar presentes e outros benefícios.
Valcke, que chegou a pensar em uma candidatura para a presidência da Fifa, foi afastado depois de O Estado de S. Paulo e outros nove jornais internacionais revelarem que o francês fechou acordos para ficar com parte dos lucros da revenda de ingressos para a Copa de 2014 em um esquema com ágio de mais de 200% nos valores das entradas e que teria envolvido mais de 2 milhões de euros (R$ 8,6 milhões) apenas para o bolso do dirigente.
Falastrão e milionário, Valcke ficou conhecido por ter sugerido que o Brasil levasse um "chute no traseiro" pelos atrasos na obras da Copa do Mundo. Na Fifa, ele levou a entidade a ser condenada por uma multinacional e que custou a ela US$ 90 milhões em 2006. Naquele momento, a Fifa também anunciou seu afastamento. Mas ele voltaria em 2007 como número 2 da entidade.
Agora, as alegações apontam para a organização de um verdadeiro mercado negro de ingressos operando dentro da própria Fifa. A denúncia foi apresentada por Benny Alon, empresário israelense e americano que desde 1990 trabalha com a venda de entradas para os Mundiais. Sua empresa, a JB Marketing, ainda apontou para o "desaparecimento" de 8,3 mil entradas para a competição e que teriam de ser vendidas por eles no torneio.
O jornal O Estado de S. Paulo foi um dos dez meios de comunicação do mundo e o único no Brasil a receber com exclusividade e-mails confidenciais de Valcke, que se declara inocente, revelando um esquema milionário para a revenda de entradas para o Mundial de 2014.
O ESCÂNDALO - O centro do escândalo é a empresa JB Marketing, que fechou um contrato em 2010 com a Fifa para vender pacotes de ingressos VIPs. Pelo entendimento, 11 mil ingressos seriam entregues a eles em locais "nobres" dos estádios do Mundial no Brasil em 2014. A empresa teria o direito de escolher 12 jogos para os quais pediria ingressos para colocar no mercado, com preços acima do valor de tabela. Outros 12 jogos seriam escolhidos pela Fifa e a entidade lhes entregaria partidas sem o mesmo apelo comercial. Esse último pacote envolveria 2,4 mil ingressos.
Em dezembro de 2012, no Rio de Janeiro, Alon procurou Valcke durante a Soccerex e pediu um novo encontro para tratar do assunto. A reunião, porém, ocorreria apenas em março de 2013. O empresário viajou até Zurique e, no escritório da Fifa, explicou que gostaria de renegociar a questão dos 12 jogos mais fracos e obter melhores partidas para o Mundial de 2014. Segundo ele, pelo esquema montado, sua empresa perderia US$ 300 mil (R$ 1,2 milhão aproximadamente) se o acordo fosse mantido.
"Valcke foi até seu cofre, colocou suas digitais e tirou dali nosso contrato", contou Alon. "Valcke então me perguntou: O que tem aqui para mim?", disse o empresário. "Eu respondi que poderíamos dividir 50% para cada um. Naquele momento, não pensava que a divisão seria com Valcke, mas com a Fifa e que a entidade ficaria com 50% do lucro que eu fizesse".
Pelo novo acordo, os ingressos que a JB poderia vender não seriam mais as entradas para jogos "fracos", sem muito apelo do público brasileiro, mas sim para os principais jogos do Mundial. Isso envolvia todas as partidas da seleção brasileira e a grande final no Maracanã. O acordo fechado era de que o valor do ágio na venda dos ingressos seria repartido em 50% entre a JB e Valcke.
No dia 2 de abril de 2013, Valcke confirmou o acordo por e-mail. O entendimento era ainda de que os dois iriam se ver no dia 3 de abril de 2013 em Zurique. Na ocasião, Alon traria o dinheiro em uma maleta. "Era um adiantamento", explicou o empresário. O parceiro comercial de Alon, Heinz Schild, conta que foi até um banco em Zurique e retirou de um cofre US$ 250 mil. A mala usada também era um agrado. Valcke, francês, tem uma Ferrari branca e a mala, portanto, tinha o desenho de uma Ferrari branca com uma bandeira da França.
Mas, na manhã daquele dia, às 9h08, o cartola escreveria a partir de seu e-mail oficial, jerome.valcke@fifa.org: "Estou desembarcando às 11h30, então perto das 11h45 na Fifa", disse. "Tenho um almoço às 12h com Jaime, seguido por encontros às 2h e depois às 3h com funcionários. Não tenho ideia de como podemos nos ver. Para os documentos, feche-os em algum lugar e lidaremos com isso da próxima vez".
'DOCUMENTOS' - Segundo Alon, a palavra "documentos" era usada por eles para falar de "dinheiro vivo". "Não conheço nenhum outro documento que se usa para um fundo de pensão". No e-mail, Valcke ainda se mostra preocupado com um impacto disso em uma eventual campanha para ser presidente da Fifa. "Numa potencial corrida para a presidência, não posso olhar para eles (documentos) até que eu tome uma decisão sobre o futuro", escreveu em um dos e-mails a que a reportagem teve acesso com exclusividade no Brasil.
Mas ele é claro em apontar o valor da mala. "Documento é meu fundo de pensão se eu procurar algo, se eu não estiver mais na Fifa ao final de 2014 ou meados de 2015, no máximo", completou Valcke. Alon revela que o dinheiro voltou aos cofres do banco. Mas continuou a atualizar Valcke sobre os lucros da negociata. No dia 23 de abril, um e-mail entre o empresário a Valcke comemorava: "Estamos nos dando melhor que a Bolsa de Nova York".
RONALDO - O ex-secretário-geral da Fifa ainda é acusado de ter obrigado a entidade a pagar cerca de US$ 150 mil para alugar um apartamento de luxo do ex-craque Ronaldo no Rio de Janeiro para que, em 2013, pudesse se hospedar no Rio de Janeiro para preparar a Copa do Mundo de 2014.
Os dados foram publicados por um dos principais jornais suíços, o Tages Anzeiger.
Segundo a publicação, porém, a Fifa alertou que alugar uma suíte de hotel sairia mais barato que alugar o apartamento de Ronaldo, que na época fazia parte do Comitê Organizador Local, presidido do José Maria Marin. "Mas Valcke insistiu no apartamento. A Fifa pagou", escreveu o diário suíço.
A reportagem do jornal suíço também contou como Valcke usou o jato privado da Fifa para viagens pessoais, levando inclusive seu filhos. Em 2012, o francês embarcou até Nova Délhi para uma reunião com a federação local. Mas aproveitou para dar um pulo também no Taj Mahal. Naquele momento, a Fifa não tinha regras sobre como os dois jatos da entidade deveriam ser usados. Agora, uma das prioridades da reforma de Domenico Scala foi a de estabelecer diversas regras, inclusive para o uso dos jatos.
FILHO - Segundo o jornal, Valcke também ajudou seu filho, Sébastien a fechar acordos com a Fifa. Um deles se referia à empresa EON Reality, dos EUA. A companhia é especializada em hologramas e a ideia da Fifa era de trazer a tecnologia para o futebol. O contrato ficaria em US$ 700 mil.
Mas a EON, segundo o jornal, contratou justamente o filho de Valcke. Para completar, ele ficaria com 7% (cerca de US$ 50 mil) como comissão por ter aproximado a empresa da Fifa, dirigida por seu pai.
Durante a Copa do Mundo de 2014, a Fan Fest no Rio de Janeiro trouxe um stand justamente com um holograma da taça.