Mais de 40 mil mulheres assassinadas nos últimos 10 anos
A Lei Maria da Penha e a qualificação do feminicídio como crime hediondo são ações válidas, mas é preciso mais
"Senti-me suja! Como se ele tivesse roubado o meu direito de escolha, meu valor, algo que eu guardava pra entregar com amor verdadeiro pra alguém especial. Depois que o meu namorado me estuprou, tentei fazer dele essa pessoa, mas com o tempo vi que não havia lógica, que era uma atitude desesperada", desabafou Sandra*, educadora física, que aos 18 sofreu violência sexual.
Hoje, com pouco mais de 30 anos, ela relembra de forma dolorosa o que sofreu com o primeiro namorado. "Foi terrível, senti o órgão sexual dele na minha pele, fiquei assustada e pedi para parar. Ele, simplesmente disse que já não podia mais e quando terminou, falou que tinha que ir embora. Mesmo tendo acontecido há muito tempo, ainda machuca", relembrou.
Ainda em entrevista ao LeiaJá, Sandra* relatou que no final se sentiu responsável. "Na época, eu acreditei que era culpada, que tinha merecido aquilo e que não prestaria mais pra ninguém. Mantive o namoro por um tempo, mas acabei para não provocar problemas", contou a educadora, que atualmente é casada e tem uma filha de um ano.
Essa realidade é vivenciada por milhares de mulheres, que sofrem violência doméstica, sexual ou sexista. Neste domingo, 8 de março, comemora-se o Dia Internacional da Mulher, porém, infelizmente, os dados mostram que não há muito o que se festejar. Segundo o mais recente levantamento do Mapa da Violência, 92 mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos últimos 30 anos, sendo 43,7 mil só na última década. Hoje, estima-se que ocorram mais de dez feminicídios por dia no País.
No ranking mundial de casos de violência seguidos de morte, o país ocupa a sétima posição. Já Pernambuco, mesmo com a redução de violência, de 54 para 38,8, em dez anos, o Estado alcança o quarto lugar. A cientista social e coordenadora da organização social Coletivo Mulher Vida - existente há 35 anos, em Olinda -, Adriana Duarte aponta quais os principais casos. “O maior número de violência é a doméstica, provocada por pessoas da própria família. Porém, entendemos a violência como o ciclo, que discorre entre a sexual e psicológica”, explica.
Duarte alerta ainda quanto à ausência de pessoas qualificadas e solidárias aos problemas dessas mulheres. "Nas delegacias não há pessoas humanizadas e preparadas para atender de forma solidária esse público. O Governo cria várias secretarias, mas não apresentam políticas públicas que desconstruam a cultura de violência", critica.
Quem viveu um caso de violência psicológica e sexista foi Madalena*. Dedicada ao marido, família e a igreja, ela contou para o LeiaJá como aconteceram as violências e que casaria novamente com o mesmo homem. Confira a entrevista no vídeo a seguir:
A educadora do SOS Corpo, Simone Ferreira, afirma que é notória a ausência de políticas públicas que realmente contemplem todas as necessidades das mulheres. "Na realidade falta implementar essas iniciativas, principalmente nas regiões do interior do Estado. Nesses locais há muitos casos. Na cidade de Água Preta, por exemplo, de dezembro para janeiro foram 20 mulheres foram assassinadas. Daí eu questiono, onde estão essas políticas", reclama.
A também educadora Analba Brazão, diz que há problemas muito mais complexos do que se imagina. "A mulheres necessitam de um atendimento amplo, que dialoguem em vários âmbitos desde a saúde até tratamentos vinculados à psicologia, inclusive de mão de obra qualificada nas secretarias e delegacias", apontou.
De acordo com a Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco, várias medidas já foram tomadas para o enfrentamento da violência contra a mulher. Foram investidos cerca de R$ 55 milhões que foram investidos pelos órgãos competentes para aplicar a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) em Pernambuco nos últimos oito anos. Tais órgãos compõem a Câmara Técnica para o Enfrentamento da Violência de Gênero contra as Mulheres do Pacto pela Vida. São eles: secretarias estaduais da Mulher (que a preside), Defesa Social (DPMUL e PM), Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Saúde e Educação; além do Tribunal de Justiça, do Ministério Público e da Defensoria Pública de Pernambuco.
Efetividade - O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou na última quarta-feira (4), um estudo sobre a efetividade da Lei Maria da Penha (LMP). Os resultados indicam que a LMP fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídio contra as mulheres dentro das residências entre 2000 e 2011, o que “implica dizer que a LMP foi responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica no país”.
Feminicídio - A Câmara dos Deputados aprovou na terça (3), o projeto que define feminicídio como circunstância qualificadora de homicídio. Com isso, o assassinato de mulher por condição de sexo passa a entrar na lista de crimes hediondos. O projeto vai para sanção presidencial.
De acordo com o texto, considera-se razão de gênero quando o crime envolver violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição da mulher. A punição para homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos. Enquanto isso, a pena para homicídio simples é de 6 a 20 anos.
O projeto ainda prevê aumento de pena para casos de feminicídio em um terço até a metade se o crime for praticado durante a gravidez ou nos três meses anteriores ao parto; contra menores de 14 anos, maiores de 60 ou vítimas com deficiência; e na presença de pais ou filhos.