No Dia Nacional do Ciclista, Recife tem pouco a comemorar

Em vias de maior perigo para quem se locomove de bicicleta, como a Caxangá, Plano Diretor Cicloviário ainda não saiu do papel

por Marília Parente dom, 19/08/2018 - 08:30
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens Para sobreviver, Gutemberg se arrisca na Caxangá Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Há 18 anos, o ambulante Gutemberg Souza trocou o carrinho de mão, onde vendia salada de frutas, pela bicicleta. Sob duas rodas, tornou-se possível transportar também cocos, água e refrigerantes. Agora, aos 54 anos de idade, ele cruza a Avenida Caxangá, na Zona Oeste do Recife, com cerca de 80 kg de mercadoria por dia, para gerar um faturamento mensal que varia de R$ 300 a R$ 400. É desse orçamento baixíssimo que Gutemberg precisa retirar R$ 100 para custear os remédios demandados por seu punho esquerdo, fraturado após um acidente de trânsito.

Prometido desde 2014, o Plano Diretor Cicloviário do Recife ainda não chegou a vias de grande risco para os ciclistas, como a emblemática Caxangá. Por esse e outros problemas, neste domingo (19), Dia Nacional do Ciclista, não há muito o que comemorar para os cidadãos que precisam das bicicletas.

 De acordo com a ativista da Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife (Ameciclo), Lígia Lima, embora o Prefeitura do Recife tenha idealizado 12 rotas com base nas vias mais perigosas, a prioridade até então vem sendo executar o projeto em trechos mais tranquilos. “Quanto maior a velocidade permitida para os carros, maior o perigo para os ciclistas. Os projetos são bons, mas muito pouco saiu do papel, a exemplo da ciclofaixa do Hipódromo, que fica numa área mais calma”, comenta. Lígia ressalta que uma pesquisa da entidade calculou que 70% dos ciclistas recifenses têm renda abaixo de dois salários mínimos. “A grande maioria usa a bicicleta por necessidade. Quando não se executa o PDC, se está deixando de proteger essas pessoas”, acrescenta. 

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Sem ciclovia prometida há quatro anos, Gutemberg se arrisca, espremido entre os carros e o meio-fio da Caxangá. “Depois que um carro bateu em mim, perdi a força no pulso esquerdo. Não consigo usar o freio traseiro. Mas a bicicleta é quem dá meu sustento”, lamenta. 

O gestor de ciclomobilidade da Secretaria de Turismo de Pernambuco, Jason Torres, afirma que o PDC prevê a construção de 591km de estrutura cicloviária, composta por ciclovias, ciclofaixas e ciclorotas. “Entre 2014 e 2024. A ciclovia da Caxangá está prevista para antes do Plano Diretor Cicloviário, quando ocorreu o PAC da mobilidade e se pensou o corredor leste-oeste”, coloca. O projeto do BRT já incluía uma ciclovia, que seguiria paralela à faixa do ônibus e contornaria o trecho das estações. “O projeto não conseguiu inserir a ciclovia em função da ausência de calha da Caxangá, eram necessárias algumas desapropriações do lado esquerdo ou direito, o que gerou uma demanda de recursos gigantesca. Seria preciso reformar a Caxangá, que não tem calha suficiente”, argumenta.

Fabíola afirma não ter condições financeiras de adquirir equipamento de segurança. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)

Além disso, o gestor confessa ainda que há dificuldade de articulação entre o Estado e a Prefeitura. “É uma questão de visão técnica, de convencer os técnicos da Prefeitura de como viabilizar o projeto. Não conseguimos chegar a um consenso: não se pode colocar a ciclovia pelas laterais e pelo centro há a dificuldade das 14 estações de BRT”, completa. 

 Na ausência de consenso entre as gestões, a revendedora de produtos de beleza Fabíola Ferreira encara o medo da Caxangá para fazer suas entregas. “Passa carro voando em cima da bicicleta, tem que parar para não cair. Fizeram uma porcaria, porque disseram que ia haver mudança e o projeto do BRT só serviu para comer dinheiro, porque ficou horrível para os pedestres e ciclistas”, reclama. Para ela, o trânsito é ainda mais cruel com as mulheres. “Sinto discriminação total, deveriam ter mais respeito com a gente. Acontece sempre de ouvir umas piadinhas”, lembra.

Apesar do perigo do trajeto diário, Fabíola não faz uso de equipamento de segurança. “O desemprego está grande e sempre andei sem proteção. As necessidades impedem a gente de comprar, porque é muito equipamento, custa caro. O dinheiro que ganho só dá para eu me manter”, explica.

Para a revendedora, contudo, é preferível correr o risco de pedalar sem equipamento de segurança a recorrer aos ônibus. “Como eu ia pagar? É caro que só e com as mudanças da Caxangá, tenho que pegar o ônibus do bairro, que demora muito, para poder entrar no BRT, horrível. Em vinte minutos, chego em qualquer lugar de bicicleta”, conta. 

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