Joelma sorriu no dia do aniversário do filho assassinado

O julgamento do ex-PM acusado de matar Mário Andrade foi adiado para o dia 10 de outubro. A data coincide com o aniversário de Ágata, outra filha de Joelma

por Jorge Cosme seg, 24/09/2018 - 17:49

Joelma chorou. Acordou umas 4h da madrugada. Foi para o terraço de casa e acendeu um cigarro Hilton. Começou a orar para ter forças quando se deparasse com o assassino do seu filho durante o julgamento marcado para esta segunda-feira (24). Não viu o réu. O 3º sargento reformado da Polícia Militar (PM) Luiz Fernandes Borges pediu mudança em sua defesa e o júri popular foi adiado para o próximo dia 10 de outubro.

O ex-policial - ele foi oficialmente excluído da corporação em abril deste ano - responde pelo homicídio de Mário Andrade, que tinha 14 anos, e tentativa de homicídio de um adolescente de 13 anos. Mário foi assassinado no dia 25 de julho de 2016. Ele e o amigo estavam em uma bicicleta que colidiu com a moto do policial na Avenida Dois Rios, no Ibura, Zona Sul do Recife. Luiz Fernandes apresentava sinais de embriaguez. O policial desferiu uma coronhada na cabeça de Mário, causando sangramento. Depois, exigiu que o adolescente deitasse no chão e atirou três vezes contra ele, inclusive na cabeça. O outro jovem foi atingido por três tiros e um acertou de raspão - ele sobreviveu.

Ver o sargento condenado nesta segunda-feira teria um sabor especial. 24 de setembro é também a data do aniversário de Mário. Mesmo com a mudança, a nova data também cairá em um dia especial. O novo júri foi marcado para o dia 10 de outubro, data em que Ágata, irmã mais nova de Mário, completará sete anos e um dia depois do aniversário da outra irmã, Pâmela, de oito anos. Se Joelma dizia que o julgamento seria o presente de aniversário do seu filho, agora ela pode estender e presentear a família toda.

De manhã, Márcia Marques, a cunhada de Joelma, trouxe o bolo que decorou para Mário. Com decoração do Sport, o time que o garoto torcia. Joelma chorou. “Meu Deus do céu, que bolo lindo”, ela repetia toda vez que encarava o bolo. “Foi a decoração mais fácil que eu fiz. Tudo deu certo”, disse Márcia. O bolo foi feito por Joelma, que, cansada, passou a responsabilidade de decorar para a amiga.

Durante toda a manhã, Joelma não conseguia parar. Telefonemas não cessavam, troca de mensagens no WhatsApp. Eram parentes, jornalistas, motorista do ônibus que levaria todos ao fórum. Ela acendia um cigarro. Não conseguia comer. Sua irritação aumentava toda vez que alguém pedia que ela se alimentasse.

A casa no Ibura é apertada. Acima da televisão, um porta-retrato com quatro fotos das duas filhas de Joelma. Sem foto de Mário. Na televisão, um programa policialesco divulga, em sequência, a morte de um jovem, a prisão de um policial militar e a bala perdida que matou um aniversariante. Ninguém presta atenção na tv. Angela Maria, tia de consideração de Mário, mexe os pés incessantemente. Os olhos ficam carregados de lágrimas, que vêm e vão, conforme as lembranças parecem vir à mente.

O ônibus fretado era velho. Janelas que não abriam, porta que não se mantinha fechada. Dentro, familiares, alguns vizinhos e ativistas. Kamilla Andrade, irmã de consideração de Mário, ia cantando para si a música que compôs para o irmão. A garota conta que Mário queria ser empresário. “Ele também queria ser rapper, mas ele dizia ‘vou ser empresário’”, lembra Kamilla, imitando os gestos de alguém pomposo, com o peito inflado e queixo para cima. O garoto era muito importante para a renda da mãe. Além de estudar, trabalhava de manhã com venda de gás e de noite em uma lanchonete. Era promissor no taekwondo, do qual acabou se afastando. Foi enterrado com a faixa preta do seu mestre, Adriano Silva. “Ele foi o único que disse ‘eu quero usar sua faixa um dia’. Infelizmente não passei a faixa para ele como gostaria”, lamenta Adriano.

Já do lado de fora do fórum, Joelma acendeu outro cigarro. O olho fitava o fórum. Antes de Maria Eloi, avó de Mário, dar o primeiro passo no terreno do local, deu um longo suspiro. Era o aniversário dela também.

Fizeram uma oração e entraram. Poucos minutos depois, o tom era de pesar. O julgamento havia sido adiado. Joelma corre ao banheiro e desaba em lágrimas. Todos ficam preocupados. “Deixem ela, ela está processando que não vai mais haver julgamento hoje”, diz alguém. “Ela vai falar com a imprensa”, anuncia outra pessoa ao deixar o banheiro. Pouco depois vem Joelma. Limpa os olhos. A imprensa a rodeia. Ela diz: “Ele matou o meu filho, exterminou o meu filho. Hoje era para o meu filho estar na minha casa, se organizando para comemorar o aniversário dele. Não vou desistir por causa disso. Ele [o réu] acha que me derrotou, não derrotou não. Obrigada a todos”.

O sargento Luiz Fernando Borges declarou antes do julgamento que a sua defesa deveria ser constituída pelo seu advogado. Desde a fase de alegações finais do processo, a defesa estava sendo realizada pela Defensoria Pública. O advogado contratado pelo policial aparenta ter se afastado do caso, apesar de não haver formalizações disso. “A Defensoria Pública foi intimada para fazer a sustentação oral do júri. O réu tem um advogado particular e, em razão dele estar constituído e não ter sido intimado para comparecer, a audiência é adiada para dar tempo dele ser intimado e ter ciência do julgamento do seu cliente”, explica a advogada de Joelma, Jacqueline Martins. O promotor Guilherme Vieira Castro comentou que, caso o advogado não volte a comparecer na sessão do dia 10 de outubro, o julgamento pode ser adiado novamente para a Defensoria Pública assumir outra vez e se inteirar do processo. Jacqueline acredita que, caso o advogado não compareça, o julgamento ocorrerá no dia 10 de outubro mesmo já com a defensoria.

Joelma chorou, mas recebeu o apoio de muitas pessoas. A cada poucos passos que dava, alguém ia dar uma mensagem de apoio. “São poucos dias”, “você vai sair vitoriosa” e “ele vai pagar” eram algumas das mensagens que ela ouvia em abraços apertados. E Joelma foi ganhando confiança. E sorriu. Saiu de lá decepcionada, mas tranquila.

Na volta para casa, mesmo sem negar frustração, já sorria, brincava. Na casa, tirou a calça jeans, a blusa estampada e suas sandálias mais bonitas. Botou roupas leves e foi cozinhar feijão para todo mundo. “Essas meninas são minhas assessoras”, disse sorrindo, enquanto algumas jovens que acompanham o caso de Mário atendiam o telefone dela. Comemoraram o aniversário da avó de Mário. Colocaram bancos do lado de fora, ergueram um toldo, abriram a cerveja. Não era a celebração que Joelma esperava, mas ela estava forte o suficiente para sorrir.

 

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