Tópicos | Mário Andrade

Faltando pouco para o primeiro Dia das Crianças sem Miguel, a sala da casa de Mirtes, no Barro, Zona Oeste do Recife, está lotada de brinquedos. São 100 ao todo, que ela vai distribuir neste domingo (11) no Centro Comunitário Mário Andrade de Lima, no Ibura, bairro periférico na Zona Sul. A tarefa coube a ela de forma inesperada. 

Mirtes Renata Santana de Souza faz parte há dois anos do Coiotes Corredores, um grupo de atletas amadores que corre todas as quartas-feiras no 2º Jardim de Boa Viagem, também na Zona Sul da capital. Mensalmente eles fazem uma ação solidária para alguma instituição. A pessoa que realizaria a distribuição do Dia das Crianças teve que viajar e coube a Mirtes fazer a entrega.

##RECOMENDA##

"A ficha está caindo aos poucos", diz Mirtes, que na sexta-feira (9), enquanto separava os brinquedos nas grandes sacolas, ficava imaginando quais o filho gostaria de receber. No Dia das Crianças, Mirtes costumava comprar um presentinho e levar o garoto para passear em algum lugar da escolha dele.  

Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, morreu no dia 2 de junho ao cair do nono andar, uma altura de cerca de 35 metros, do edifício de luxo Píer Maurício de Nassau, que integra o conjunto conhecido popularmente como "Torres Gêmeas", no bairro de São José, centro do Recife. A tragédia ocorreu durante os poucos minutos em que a mãe, que continuava trabalhando de empregada doméstica durante a pandemia do novo coronavírus, se ausentou para levar Mel, a buldogue da patroa Sarí Gaspar Corte Real, para passear. Miguel queria ficar com a mãe enquanto Sarí queria fazer a unha. Não suportando a desobediência do menino, a patroa, primeira-dama de Tamandaré, apertou o botão da cobertura e o deixou só no elevador. Miguel saiu no 9º andar, de onde caiu.

Desde então, Miguel não mais passeou pela casa de bicicleta, para reclamação da mãe, pois não pode ficar correndo de bicicleta pela casa. Não mais brincou de Uber, empurrando os carros pelo chão de cerâmica. Não mais usou o vão do rack como garagem de seus carros. Ou gritou "ei, amigo" para os garis que passavam perto de sua casa, se pendurando no caminhão, algo que ele queria muito poder fazer. Ou puxou o banco com a estampa do Chaves para o meio da sala, entre a avó e a televisão. "Miguel, saia da frente", dizia Marta Maria Santana Alves. "A senhora está vendo a tv ou o celular?", rebatia o garoto, com a resposta na ponta da língua.

Miguel veio ao mundo com o rosto igual ao que a mãe havia sonhado. 4 quilos e 530 gramas, 52 cm, às 7h42 da manhã de 17 de novembro de 2014. A mãe fala todos esses números com a fluidez de quem conta até 10. Miguel nasceu "grande e roliço" no Hospital João Murilo de Oliveira, em Vitória de Santo Antão, a 76,5 km de Orobó, cidade em que a mãe morava.  "Ele era lindo, lindo, lindo", ela recorda. 

Mirtes sempre achou o nome Otávio forte, nome de médico. "Doutor Otávio, Doutor Miguel Otávio", as pessoas falariam. O sonho dela era ver o filho médico, com um futuro melhor do que o seu e por isso gastava muito com ele. Era escola, hotelzinho, plano de saúde, tratamento psicológico quando o menino ficou agressivo no período da separação dos pais, e fonoaudiólogo, devido à língua presa. No Moda Center de Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste, ela pagou R$ 400 em roupas para o filho e comprou nada para si. 

O 'Miguel' foi sugestão da madrinha, por causa do Arcanjo Miguel. Mirtes também costumava frequentar a capela de São Miguel Arcanjo na cidade de Bonança. "Dei nem chance do pai dele optar pelo nome", Mirtes lembra. O então companheiro dizia que escolheria o nome se fosse menina, ela concordou, mas acredita que decidiria o nome da garota do mesmo jeito.

 

Os Coiotes Corredores conseguiram arrecadar 300 brinquedos. Um terço desses será entregue no Sertão também neste domingo. Outros 100 serão levados por Mirtes e Marta para o Centro Comunitário Mário Andrade. Os últimos 100 devem ser distribuídos para crianças do UR-05, também no Ibura, no domingo seguinte, dia 18.

Mirtes comprou brinquedos para a ação, mas não mexeu nos de Miguel. Brinquedos, roupas e sapatos estão todos guardados. A mãe diz que quer chegar em casa e encontrar tudo do jeito que o filho deixou. "Eu não consigo me desfazer de nada dele ainda. Meu coração não deixa tirar nada do meu filho daqui". Os carros seguem na garagem do rack, logo abaixo da TV. Mirtes diz que está faltando o carro de polícia, que ficava mais à esquerda e que provavelmente Miguel deixou no hotelzinho e ela vai buscar para colocar de volta. O menino gostava muito daquele carro. Queria ser policial. A mãe tinha que levá-lo todo ano para o desfile de Sete de Setembro. Miguel ficava encantado vendo os soldados marchando. Pedia o colo da mãe para conseguir ver o mais de perto possível.

Além dos brinquedos, Mirtes e Marta vão levar bolo, refrigerante e ingredientes para fazer cachorro-quente. O Centro Comunitário também vai distribuir sacolinhas de doces e máscaras de proteção. "Para mim vai ser uma satisfação ver uma criança feliz por ganhar um brinquedo desse. No sorriso das crianças eu vou ver o sorriso dele. Não é fácil, mas vai ajudar, acho que vai aliviar um pouco a dor que eu sinto, ver outras crianças sorrindo, satisfeitas, felizes, como Miguel era", comenta Mirtes.

No mês passado, ela foi convidada para receber cestas básicas em uma escolinha de futebol perto de onde mora. Ao chegar lá, foi abraçada pelas crianças. "Foi tão gostoso aquele abraço. Parece que Miguel tinha falado com eles: 'abraça a minha mãe, minha mãe está precisando'". Um menino fez um gol e correu para abraçá-la. "Esse gol é pra senhora", disse o garoto, que se chamava Miguel, ela soube posteriormente. "E aquilo mexeu tanto comigo", lembra.

Marta ficou preocupada ao saber que a filha teria que lidar com uma casa cheia de brinquedos. Seria uma provação. "Depois de uma morte dessa, cada um tem um sentimento, pode ter rancor. Ela poderia se recusar a receber. Mas se você cria o ódio, a raiva, você só anda para trás", diz a avó de Miguel.

O Centro Comunitário Mário Andrade de Lima, onde ocorrerá a distribuição dos presentes, foi criado por Joelma Lima com a ajuda de movimentos sociais. O local recebe o nome do filho de Joelma, que foi assassinado aos 14 anos por um ex-sargento da Polícia Militar em julho de 2016 sem qualquer chance de defesa após ter batido a bicicleta na moto do policial. O ex-sargento foi condenado a 28 anos e seis meses de reclusão, não sem antes Joelma promover vários atos, como interdição de via e vigília, cobrando justiça, que o caso não caísse em esquecimento e contra as tentativas de criminalizarem seu filho.

Mirtes e Joelma se aproximaram após a tragédia com Miguel. "O centro está dando forças a Mirtes para ela ver que, por mais difícil que seja a gente estar sem nossos filhos, tem outras crianças que precisam receber amor, receber carinho. Uma certeza eu tenho, que ela vai sentir Miguel ali na presença dessas crianças assim como eu sinto Mário", diz Joelma.

Sarí Gaspar Corte Real é ré por abandono de incapaz com resultado morte com as agravantes de cometimento de crime contra criança e em ocasião de calamidade pública. A audiência de instrução e julgamento está marcada para 3 de dezembro. No dia da tragédia, Sarí chegou a ser autuada em flagrante por homicídio culposo, mas foi liberada após pagar fiança de R$ 20 mil.

[@#video#@]

O Centro Comunitário Mário Andrade, no Ibura, zona sul do recife, lançou a campanha "De quarentena, mas solidários" com o objetivo de arrecadar recursos para a entrega de cestas a famílias carentes do bairro. A previsão é que as primeiras cestas sejam entregues na próxima quarta-feira (8) nas casas das famílias, para que não haja aglomeração no centro comunitário.

O espaço tem o nome em homenagem a Mário Andrade, adolescente assassinado aos 14 anos no Ibura por um sargento reformado da Polícia Militar (PM). O policial foi condenado, em novembro de 2018, a 28 anos e seis meses de reclusão pelo crime. A mãe de Mário, Joelma Lima, virou um símbolo na luta contra os assassinatos de jovens negros nas periferias. Ela criou o centro com a ajuda de voluntários.

##RECOMENDA##

Os interessados em contribuir com a campanha podem depositar qualquer valor no Banco do Brasil, agência 3056-2, conta 21314-4, no CPF 07438177459. As cestas vão conter itens de higiene e alimentos. 

O Centro Comunitário Mário Andrade oferece atividades recreativas e pedagógicas para a comunidade. O Ibura é um dos maiores bairros do Recife e é considerado uma região pobre da capital, com um valor de rendimento nominal médio mensal dos domicílios de R$ 1.180,16 e o menor IDH da cidade, segundo o último levantamento do IBGE.

"Luto para que não haja outras mães e outros Mários". A declaração de fome de justiça dita por Joelma Andrade começou em 2016 quando o filho mais velho de 14 anos, Mario Andrade de Lima, foi assassinado.  O adolescente foi morto com três tiros quando seguia de bicicleta junto com um amigo na Avenida Dom Hélder Câmara, no bairro do Ibura, Zona Sul do Recife. 

O autor do homicídio é o sargento reformado da Polícia Militar Luiz Fernando Borges, condenado, em novembro de 2018, a pena de 28 anos e seis meses pelo assassinato do garoto.

##RECOMENDA##

Desde então, o luto deu lugar à luta pela defesa do legado do filho. Contra o genocídio do povo negro, Joelma e alguns voluntários resolveram construir o Centro Comunitário Mário Andrade - um espaço que vai oferecer atividades recreativas e pedagógicas para a comunidade. Confira os detalhes na reportagem abaixo: 

[@#video#@]

>> Contato

Os interessados em ajudar o projeto de alguma forma podem entrar em contato (81) 9 8666-4650 ou presencialmente, pelo endereço Rua Professor José Brasileiro Vila Nova, número 112, Ibura de baixo, Recife-PE.

A Justiça de Pernambuco condenou o ex-sargento reformado da Polícia Militar (PM) Luiz Fernando Borges a 28 anos e seis meses de reclusão pelo homicídio de Mario Andrade de Lima, de 14 anos, e pela tentativa de homicídio de um adolescente de 13 anos. O julgamento, que já havia sido adiado em outras duas oportunidades, foi realizado nesta terça-feira (6) no Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano, em Joana Bezerra, área central do Recife. O crime ocorreu no dia 25 de julho de 2016 no Ibura, bairro periférico da Zona Sul do Recife. Desde a data, Joelma Lima, mãe do garoto que faleceu, participou de protestos e atos cobrando justiça para o caso, virando um símbolo no combate ao genocídio negro nas áreas pobres.

“Hoje tenho certeza que meu filho pode descansar em paz, assim como eu e as irmãs dele. É um sinônimo de ‘a gente pode’. O bom é saber que a gente pode, a gente consegue. Não foi fácil, foi muito sofrimento. Mas é um alívio saber que eu consegui fazer a justiça para meu filho”, disse Joelma, ao término do julgamento. Familiares e coletivos populares estiveram presentes para dar apoio à mãe de Mario.

##RECOMENDA##

O júri começou por volta das 9h. A tese do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), responsável pela acusação, era de homicídio duplamente qualificado por motivo fútil, que impossibilitou ou dificultou a defesa da vítima, e tentativa de homicídio qualificado pelos mesmos motivos. “A acusação que foi apresentada em plenário foi totalmente recepcionada pelo conselho de sentença, o acusado foi condenado tanto no homicídio consumado com duas qualificadoras quanto na tentativa de homicídio e duas qualificadoras, ou seja, a sociedade recifense deu uma resposta e a sociedade venceu”, comentou o promotor Guilherme Castro.

O advogado de defesa foi Maurício Gomes da Silva. Especialista em casos envolvendo policiais, o advogado assumiu a defesa de Luiz Fernando a dez dias do julgamento, após o advogado anterior sair do caso. Sua tese consistia em defender o ocorrido como legítima defesa putativa, alegando que a conjuntura fez com que o policial cometesse o crime acreditando estar diante de assaltantes. “O processo é cheio de falhas e defeitos e depoimentos contraditórios. Isso tudo foi relatado, mas o conselho de sentença entendeu de outra forma”, opinou. Durante sua exposição, o advogado chegou a comparar o ex-PM com Jesus Cristo, ao destacar que ambos foram vítimas da opinião pública. O réu utilizou do direito ao silêncio e, assim como em todas as fases do processo, não se pronunciou. O MPPE vai entrar com recurso para pedir aumento de pena, enquanto a defesa vai apelar para que haja ainda absolvição do cliente.

Mesmo com a dor de rever o dia da morte do filho várias vezes através do discurso do promotor, Joelma se mantinha confiante durante todo o dia. “Uma mãe não desiste”, ela comentou ainda antes de entrar na sala do júri. “O vazio vai ficar, a falta dele vai sempre ter, a ferida vai ficar aqui em mim sempre, não vai sair. Mas hoje eu tive motivo para comemorar. Eu não pude comemorar no aniversário do meu filho [primeira data para ocorrer o julgamento, que foi adiado], eu não pude comemorar no aniversário da minha filha [segunda data, quando houve novo adiamento]. Mas hoje, seis de novembro, mês da Consciência Negra, eu tenho o que comemorar”, complementou já após a sentença.

Conforme os autos, Mario e o amigo andavam de bicicleta quando colidiram com o policial que trafegava em uma moto em uma avenida do Ibura. Uma segunda pessoa, que o promotor acredita ser também policial, passava no local na hora e realizou três disparos para o chão para fazer com que os jovens parassem. Esse homem fez uma revista nos menores e comprovou que eles não estavam armados e não ofereciam perigo. Ainda assim, Luiz Fernando teria solicitado que o rapaz deixasse o local pois ele permaneceria resolvendo a situação sozinho. Um morador da área também teria conversado com o ex-PM para convencê-lo a liberar os garotos - esse morador teve o depoimento exibido pela acusação durante o julgamento. Apesar disso, Luiz Fernando, após ligar para a polícia informando ter detido dois ‘suspeitos’, resolveu agir por conta própria. A primeira ação dele foi desferir uma coronhada na cabeça de Mario, que começou a sangrar. O menino foi baleado quando estava deitado. O segundo adolescente correu e foi atingido duas vezes na nádega e uma de raspão no antebraço, tendo se salvado após se esconder em uma área de mangue. O acusado, então, teria voltado e atirado mais uma vez em Mário. Pessoas que estiveram com o réu naquela data disseram que ele estava alcoolizado.

Mario contribuia com a renda da mãe, que vende lanches. Ele estudava, trabalhava de manhã com venda de gás e de noite em uma lanchonete. Gostava também de compor rap. Era considerado promissor no taekwondo, porém acabou se afastando. Foi enterrado com a faixa preta do seu mestre. Durante o processo, três professores do garoto foram ouvidos e, de forma unânime, destacaram o bom comportamento dele. 

Após a morte do filho, Joelma liderou atos como interdição de via e vigílias. Ela precisou enfrentar situações de estresse como conflitos durante os protestos entre participantes e não-participantes e ouvir pessoas querendo criminalizar seu filho pela própria morte. Consciente, ela diz que o resultado do júri popular é uma vitória para todas as pessoas das periferias. “Estou mostrando à sociedade que eu, morando em uma periferia, pobre, negra, estou conseguindo, que a justiça vai ser feita”, sentenciou.

Confira a nota do movimento Justiça para Mário Andrade, que deu apoio suporte à Joelma e promoveu atividades na temática do combate ao genocídio da juventude negra ao longo desses mais de dois anos:

Hoje damos mais um passo numa luta que já durava mais de dois anos. O ex sargento reformado que executou Mário foi condenado há 28 anos e 6 meses de prisão em regime fechado. Essa luta por justiça significa um grito contra o extermínio dos jovens negros e contra o terror que o Estado, atraves de seu braço armado que é a PM impõe a nossas comunidades.

 A justiça é um braço do genocídio e infelizmente trabalha diretamente encarcerando e criminalizando nossos jovens. Por isso hoje é um dia tão importante. É o dia em que uma mãe negra conseguiu honrar a memória de seu filho. Não podemos nos enganar. Se não fosse a luta de Joelma o próprio judiciário incriminaria Mário. O judiciário não está do nosso lado, mas hoje toda uma estrutura racista teve que se curvar a uma mãe preta e a toda uma comunidade de maioria negra.

 Contra o genocídio do povo negro, nenhum passo atrás! 

LeiaJá também

--> Júri de ex-PM é adiado, mas mãe de vítima segue forte

--> Três histórias de quem clama por justiça

--> Sargento que matou adolescente é excluído da corporação

Joelma chorou. Acordou umas 4h da madrugada. Foi para o terraço de casa e acendeu um cigarro Hilton. Começou a orar para ter forças quando se deparasse com o assassino do seu filho durante o julgamento marcado para esta segunda-feira (24). Não viu o réu. O 3º sargento reformado da Polícia Militar (PM) Luiz Fernandes Borges pediu mudança em sua defesa e o júri popular foi adiado para o próximo dia 10 de outubro.

##RECOMENDA##

O ex-policial - ele foi oficialmente excluído da corporação em abril deste ano - responde pelo homicídio de Mário Andrade, que tinha 14 anos, e tentativa de homicídio de um adolescente de 13 anos. Mário foi assassinado no dia 25 de julho de 2016. Ele e o amigo estavam em uma bicicleta que colidiu com a moto do policial na Avenida Dois Rios, no Ibura, Zona Sul do Recife. Luiz Fernandes apresentava sinais de embriaguez. O policial desferiu uma coronhada na cabeça de Mário, causando sangramento. Depois, exigiu que o adolescente deitasse no chão e atirou três vezes contra ele, inclusive na cabeça. O outro jovem foi atingido por três tiros e um acertou de raspão - ele sobreviveu.

Ver o sargento condenado nesta segunda-feira teria um sabor especial. 24 de setembro é também a data do aniversário de Mário. Mesmo com a mudança, a nova data também cairá em um dia especial. O novo júri foi marcado para o dia 10 de outubro, data em que Ágata, irmã mais nova de Mário, completará sete anos e um dia depois do aniversário da outra irmã, Pâmela, de oito anos. Se Joelma dizia que o julgamento seria o presente de aniversário do seu filho, agora ela pode estender e presentear a família toda.

De manhã, Márcia Marques, a cunhada de Joelma, trouxe o bolo que decorou para Mário. Com decoração do Sport, o time que o garoto torcia. Joelma chorou. “Meu Deus do céu, que bolo lindo”, ela repetia toda vez que encarava o bolo. “Foi a decoração mais fácil que eu fiz. Tudo deu certo”, disse Márcia. O bolo foi feito por Joelma, que, cansada, passou a responsabilidade de decorar para a amiga.

Durante toda a manhã, Joelma não conseguia parar. Telefonemas não cessavam, troca de mensagens no WhatsApp. Eram parentes, jornalistas, motorista do ônibus que levaria todos ao fórum. Ela acendia um cigarro. Não conseguia comer. Sua irritação aumentava toda vez que alguém pedia que ela se alimentasse.

A casa no Ibura é apertada. Acima da televisão, um porta-retrato com quatro fotos das duas filhas de Joelma. Sem foto de Mário. Na televisão, um programa policialesco divulga, em sequência, a morte de um jovem, a prisão de um policial militar e a bala perdida que matou um aniversariante. Ninguém presta atenção na tv. Angela Maria, tia de consideração de Mário, mexe os pés incessantemente. Os olhos ficam carregados de lágrimas, que vêm e vão, conforme as lembranças parecem vir à mente.

O ônibus fretado era velho. Janelas que não abriam, porta que não se mantinha fechada. Dentro, familiares, alguns vizinhos e ativistas. Kamilla Andrade, irmã de consideração de Mário, ia cantando para si a música que compôs para o irmão. A garota conta que Mário queria ser empresário. “Ele também queria ser rapper, mas ele dizia ‘vou ser empresário’”, lembra Kamilla, imitando os gestos de alguém pomposo, com o peito inflado e queixo para cima. O garoto era muito importante para a renda da mãe. Além de estudar, trabalhava de manhã com venda de gás e de noite em uma lanchonete. Era promissor no taekwondo, do qual acabou se afastando. Foi enterrado com a faixa preta do seu mestre, Adriano Silva. “Ele foi o único que disse ‘eu quero usar sua faixa um dia’. Infelizmente não passei a faixa para ele como gostaria”, lamenta Adriano.

[@#galeria#@]

Já do lado de fora do fórum, Joelma acendeu outro cigarro. O olho fitava o fórum. Antes de Maria Eloi, avó de Mário, dar o primeiro passo no terreno do local, deu um longo suspiro. Era o aniversário dela também.

Fizeram uma oração e entraram. Poucos minutos depois, o tom era de pesar. O julgamento havia sido adiado. Joelma corre ao banheiro e desaba em lágrimas. Todos ficam preocupados. “Deixem ela, ela está processando que não vai mais haver julgamento hoje”, diz alguém. “Ela vai falar com a imprensa”, anuncia outra pessoa ao deixar o banheiro. Pouco depois vem Joelma. Limpa os olhos. A imprensa a rodeia. Ela diz: “Ele matou o meu filho, exterminou o meu filho. Hoje era para o meu filho estar na minha casa, se organizando para comemorar o aniversário dele. Não vou desistir por causa disso. Ele [o réu] acha que me derrotou, não derrotou não. Obrigada a todos”.

O sargento Luiz Fernando Borges declarou antes do julgamento que a sua defesa deveria ser constituída pelo seu advogado. Desde a fase de alegações finais do processo, a defesa estava sendo realizada pela Defensoria Pública. O advogado contratado pelo policial aparenta ter se afastado do caso, apesar de não haver formalizações disso. “A Defensoria Pública foi intimada para fazer a sustentação oral do júri. O réu tem um advogado particular e, em razão dele estar constituído e não ter sido intimado para comparecer, a audiência é adiada para dar tempo dele ser intimado e ter ciência do julgamento do seu cliente”, explica a advogada de Joelma, Jacqueline Martins. O promotor Guilherme Vieira Castro comentou que, caso o advogado não volte a comparecer na sessão do dia 10 de outubro, o julgamento pode ser adiado novamente para a Defensoria Pública assumir outra vez e se inteirar do processo. Jacqueline acredita que, caso o advogado não compareça, o julgamento ocorrerá no dia 10 de outubro mesmo já com a defensoria.

Joelma chorou, mas recebeu o apoio de muitas pessoas. A cada poucos passos que dava, alguém ia dar uma mensagem de apoio. “São poucos dias”, “você vai sair vitoriosa” e “ele vai pagar” eram algumas das mensagens que ela ouvia em abraços apertados. E Joelma foi ganhando confiança. E sorriu. Saiu de lá decepcionada, mas tranquila.

Na volta para casa, mesmo sem negar frustração, já sorria, brincava. Na casa, tirou a calça jeans, a blusa estampada e suas sandálias mais bonitas. Botou roupas leves e foi cozinhar feijão para todo mundo. “Essas meninas são minhas assessoras”, disse sorrindo, enquanto algumas jovens que acompanham o caso de Mário atendiam o telefone dela. Comemoraram o aniversário da avó de Mário. Colocaram bancos do lado de fora, ergueram um toldo, abriram a cerveja. Não era a celebração que Joelma esperava, mas ela estava forte o suficiente para sorrir.

 

A Justiça confirmou a data do júri popular do sargento reformado da Polícia Militar (PM) Luiz Fernando Borges, acusado de matar o adolescente Mário Andrade, de 14 anos, no dia 25 de julho de 2016, no Ibura, Zona Sul do Recife. O julgamento será no Fórum de Joana Bezerra, área central do Recife, às 9h do dia 24 de setembro, que é, coincidentemente, a data de aniversário de Mário.

“Estou eufórica. Vou fazer justiça bem no dia que meu filho nasceu”, disse Joelma Andrade, mãe de Mário e principal símbolo da luta por justiça. Ela foi uma das grandes responsáveis por fazer o crime não ser esquecido, promovendo e participando de mobilizações.

##RECOMENDA##

Mário estava em uma bicicleta na companhia de um amigo, de 13 anos. Na Avenida Dois Rios, a bicicleta esbarrou na moto do sargento reformado, que machucou o pé. Após isso, o policial matou Mário com três tiros e atingiu o segundo adolescente, que sobreviveu. Antes dos disparos, o sargento desferiu uma coronhada na cabeça de Mário, causando sangramento.

O réu alegou ter agido em legítima defesa. Em sua versão, ele contava ter sido abordado por dois bandidos que queriam roubar sua moto. Ele foi ao hospital dizendo ter levado um tiro no pé, o que perícia mostrou não ser verdade.

Atualmente, Luiz Fernando Borges está preso no Presídio de Igarassu. Em abril deste ano, a Secretaria de Defesa Social (SDS) oficializou a exclusão do réu da Polícia Militar.  “Estou feliz [sobre a data do julgamento], mas apreensiva por saber que vou estar cara a cara com o assassino do meu filho”, completa Joelma.

A Secretaria de Defesa Social (SDS) decidiu excluir o 3º sargento Luiz Fernandes Borges da Polícia Militar (PM). O policial foi punido pelo assassinato de Mário Andrade, de 14 anos, no bairro do Ibura, Zona Sul do Recife, ocorrido em julho de 2016.

O sargento apresentava sinais de embriaguez no dia do crime. Ele mandou que o adolescente deitasse no chão e efetuou três disparos de arma de fogo sem dar qualquer chance de defesa para o menor. Antes dos disparos, lembra a SDS, Luiz desferiu uma coronhada na cabeça de Mário, provocando um sangramento.

##RECOMENDA##

A violência teria ocorrido após a bicicleta em que dois adolescentes estavam colidir na moto do policial. O segundo adolescente, um garoto de 13 anos, também foi baleado três vezes, nas pernas e nádega, mas conseguiu fugir e sobreviveu. 

O militar foi denunciado pelo Ministério Público de Pernambuco. O processo está em trâmite na 2ª Vara do Tribunal do Júri da Capital. O acusado está preso desde o dia 5 de agosto de 2017.

O sargento alegou que o menor estava armado e envolvido com o tráfico de drogas. Segundo a mãe da vítima, Joelma Lima, o policial mentiu. “Ele mentiu para a justiça, dizendo que meu filho atirou no pé dele, estava armado e envolvido com o tráfico de drogas, além de ter falado que Mário não era do Ibura. A balística já confirmou que meu filho não portava arma nenhuma e o médico que fez examinou o policial já confirmou que o ferimento dele foi causado por um arranhão, devido ao choque com a bicicleta", disse a mulher em entrevista recente ao LeiaJá.

A morte de Mário Andrade gerou mobilização e protestos nas ruas. Joelma Lima acredita que o sargento irá a júri popular até o final deste ano.

Após quase seis meses da morte do adolescente Mário Andrade de Lima, de 14 anos, assassinado por um sargento reformado da Polícia Militar, familiares e amigos organizam um protesto na próxima sexta-feira (27), às 13h, no Fórum Joana Bezerra, área central do Recife. De acordo com Joelma Lima, mãe da vítima, esta é a segunda audiência do caso.

O crime aconteceu na noite do dia 25 de julho, na Avenida Dois Rios, entrada do bairro do Ibura, Zona Sul do Recife. A mãe conta que Mário e um amigo de 13 anos estavam de férias da escola e decidiram passear de bicicleta a noite. Os jovens se envolveram em um acidente com uma moto pilotada pelo PM Luiz Fernando Borges, de 50 anos, que disparou alegando uma tentativa de assalto. 

##RECOMENDA##

Após o crime o policial ligou para a emergência e alegou ter sido vítima de um assalto. Procurou o Hospital da PM onde foi atendido e liberado. Mário foi atingido na cabeça, no tórax e nas pernas. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu. O amigo de 13 anos, que não teve identidade revelada, sobreviveu e desmentiu a versão dita pelo sargento. 

No dia 3 de agosto, o PM se apresentou à Justiça e foi detido por policiais da Radiopatrulha. O sargento foi encaminhado ao Centro de Reeducação da Polícia Militar de Pernambuco (Creed), em Abreu e Lima, Região Metropolitana do Recife (RMR).

LeiaJá também

--> Moradores do Ibura realizam protesto por morte de jovem

--> Justiça expede mandado contra sargento que matou jovem

--> Sargento reformado suspeito de matar adolescente é preso

--> PM suspeito de matar jovem no Ibura ainda não foi ouvido

 

Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

Facebook

Carregando