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Algumas cadeiras escolares, organizadas em fileiras, uma lousa, mesas e uma estante totalmente preenchida por materiais escolares ocupam boa parte do Centro Comunitário Mário Andrade (CCMA), localizado há seis anos no Ibura de Baixo, na zona sul do Recife. O espaço não é grande, mas, por ora, é suficiente para atender 33 crianças da comunidade que estudam no contraturno, pela manhã ou tarde, na escola CCMA.

Com menos de um mês de existência, a escola comunitária funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 11h e das 14h até às 16h, e recebe estudantes dos 4 anos até 14 anos de idade. À frente do projeto está Joelma Andrade, que mostra à reportagem, uma por uma, as fichas de inscrições dos alunos e das crianças que aguardam uma vaga na escola.

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Com o aumento da procura, a necessidade de expansão é inevitável. Mas, ainda faltam recursos para uma reforma. Mesmo assim, a escola vai iniciar uma turma à noite, com adultos. “Essa turma à noite, até agora, tem sete inscrito. São as mães das crianças. Muitas não sabem ler, nem escrever. Diferente das turmas das crianças, as aulas da noite vão ser três vezes por semana”, explica à reportagem.

Além da parte conteudista, a iniciativa oferece gratuitamente refeições saudáveis, conversas sobre temas como pedofilia, os perigos de soltar pipa, entre outros; e acolhimento. Aos sábados, há a oferta, também de forma gratuita, de curso de fotografia para adolescentes da comunidade.

Entrada do Centro Comunitário Mário Andrade. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Parte dos alunos da Escola CCMA. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Além de Joelma, a escola conta com as aulas da professora-voluntária Marinalva Miranda, a Tia Mari, como costuma ser chamada pelas crianças, e a enfermeira e voluntária Patrícia Nogueira. A instituição comunitária, mantida por meio de doações, era um desejo antigo de Joelma e do filho Mário Andrade, ou Marinho, como, por diversas vezes durante a entrevista, ela falou.

Mário não viu o sonho do centro se realizar, tampouco a escola comunitária. “Meu filho sempre gostou de ajudar as pessoas. O sonho dele era ter um lugar para que as crianças e os adolescentes ficassem longe das coisas erradas”, conta Joelma ao LeiaJá. Por isso, falar sobre a escola CCMA, assim como do Centro, sem mencionar Mário soa contraditório. “Aqui é o coração de Mário”, frisa Joelma.

Joelma Andrade, idealizadora do centro; escola CCMA e mãe de Mário Andrade. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

No dia 25 de julho de 2016, Mário Andrade de Lima, com 14 anos na época, foi morto de forma arbitrária por um sargento reformado da Polícia Militar de Pernambuco. O adolescente e um amigo, de 13 anos, andavam de bicicleta quando, acidentalmente, bateram na moto do policial, que atirou nos adolescentes. O amigo de Mário foi atingido, mas sobreviveu após se fingir de morto. O ex-PM, Luiz Fernando Borges, foi considerado culpado pelo assassinato de Mário e condenado a uma pena de 30 anos.

As lembranças são latentes na memória de Joelma, que viu o filho ser vítima do extermínio da juventude preta e periférica. “Eu lutei muito para que o assassino de Mário fosse condenado. Foram anos para que, finalmente, ele fosse condenado. Eu lembro, como se fosse hoje, que no dia 10 de outubro de 2018 saiu a sentença após um longo período de luta. Lembro também que eu cheguei aqui no centro, que era a casa onde eu morava com Marinho e minhas duas filhas, disse que queria quebrar tudo para construir o espaço. Perguntaram se eu tinha certeza e minha resposta veio junto com algumas marretadas na parede”, relembra.

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Todos na comunidade conhecem a história de Joelma e Mário. “Do luto à luta” é uma frase uníssona e resume um pouco dos últimos seis anos do Centro Comunitário e, consequentemente, da idealizadora do espaço. Para manter a iniciativa, além das doações, a escola CCMA precisa de material humano. Sem ele, os poucos voluntários ficam sobrecarregados e as atividades se tornam limitadas. Através das redes sociais, Joelma sempre realiza chamamentos para novos voluntários e campanhas para arrecadar recursos para a manutenção do projeto.

O início da escola comunitária só foi possível porque Marinalva Miranda, após promover uma oficina de artesanato, afirmou que seria responsável pelas aulas. “É muito gratificante estar aqui. Quando eu dei a proposta de dar as aulas, disse a Joelma que assumiria e que isso não iria interferir em outras questões minhas. Não há nada que pague quando as crianças chegam aqui e dão aquele abraço”, ressalta a professora-voluntária da escola CCMA.

Patrícia Nogueira, que é enfermeira, salienta que a profissão abre possibilidades para a realização do trabalho voluntário na instituição. “Minha profissão, enquanto enfermeira, dá muito esse leque, dá muito esse espaço de você cuidar das pessoas, cuidar do ser humano. Então, eu sempre procurei fazer alguma ação (...) A Joelma, eu conheci através da história de vida dela. Infelizmente, teve que perder um filho de uma forma bem arbitrária, uma criança para, através dessa dor, transformar o luto em luta”.

Marinalva Miranda (à esquerda) e Patrícia Nogueira (camiseta roxa) são voluntárias na escola CCMA. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Durante a conversa, Joelma Andrade comentou que Mário tinha também o sonho de ser empresário. “Ele dizia: mainha, eu vou ser empresário. Vou ser dono de uma fábrica de feijões”. No centro e na escola CCMA, a plantação de feijões de Mário segue germinando. Tio de um dos alunos, Sérgio Rafael Mendes Gomes destaca a importância do espaço.

Sérgio Rafael Mendes Gomes é tio de um dos alunos da escola comunitária. Foto: Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

“Desde o início do projeto, através das dela [Joelma], das redes sociais que a gente soube que haveria a escola. E foi de suma importância para gente, como para todos da comunidade, porque a gente tem noção que o Estado não consegue suprir todas as necessidades educacionais das crianças (...) eu percebo que meu sobrinho está mais disposto para estudar. Antes, ele não era de falar muito sobre o que fazia na escola, mas, aqui, quando ele chega em casa, sai falando como foi o dia no Centro”.

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Seis de novembro. É a nova data do julgamento do ex-Policial Militar (PM) Luiz Fernando Borges, que matou o estudante Mário Andrade de Lima, de 14 anos, no bairro do Ibura, Zona Sul do Recife, em 2016. É a segunda vez que o julgamento é adiado, para frustração da família e amigos que se reuniram em peso nesta quarta-feira (10) para acompanhar o júri popular no Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano, em Joana Bezerra, centro do Recife.

Joelma Andrade, mãe de Mário e personagem central na luta pela justiça no caso, lamentou o novo adiamento, mas disse estar firme. “Por mais que seja doloroso, é o momento de levantar mais ainda a minha cabeça para ele ver o filho de quem ele matou. Eu não vou parar. Dia seis eu vou estar aqui com muito mais gente”, disse a mulher para a imprensa.

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Dois fatos motivaram o adiamento do júri popular, primeiro um atestado médico do 3° sargento reformado, que alega ter passado por uma cirurgia de hérnia recente, tendo direito a 30 dias de repouso. O segundo foi o substabelecimento de novo advogado, termo jurídico que significa que o defensor do caso permitiu que outro advogado também atuasse na defesa. O substabelecimento só foi feito na segunda-feira (8).

O promotor de acusação Guilherme Vieira Castro afasta a hipótese de que os adiamentos sejam uma estratégia e reforça a importância do julgamento. “Se houvesse um objetivo de desmobilizar, não conseguiu. O adiamento não é bom para a sociedade, nem pro réu, nem para a familiar que tem que reviver isso, nem para o promotor. Mas toda vez que eu volto para os autos, que estudo os autos, tenho que manter uma postura extremamente isenta, mas a situação, o sangue que foi derramado nesse processo traz para o promotor de justiça um sentimento de revolta”, comentou. Para evitar que o júri mude de data outra vez, o promotor solicitou que a defensoria pública seja notificada para acompanhar a sessão e assumir a defesa caso o advogado não possa vir. A solicitação foi autorizada pelo juiz Jorge Henriques.

Mário morreu no dia 25 de julho de 2016. Ele estava em uma bicicleta na companhia de um amigo, de 13 anos, na Avenida Dois Rios, Ibura. A bicicleta esbarrou na moto do sargento, que machucou o pé. Mostrando sinais de embriaguez, Luiz Fernando desferiu uma coronhada na cabeça de Mário, causando um sangramento. Em seguida, ele realizou os disparos. Quatro tiros, sendo um de raspão, acertaram o amigo de Mário, que sobreviveu. O filho de Joelma foi alvejado três vezes e faleceu.

Inicialmente, Luiz Fernando alegou que se defendeu de uma tentativa de assalto e que os garotos estariam armados. A versão foi desmentida por testemunhas. Segundo o promotor, nas fases policiais e judiciais do processo, o ex-PM tem se mantido em silêncio. Luiz Fernando Borges está detido no Presídio de Igarassu, no Grande Recife. A Polícia Militar já o expulsou da corporação pelo ocorrido.

No decorrer dos últimos dois anos, Joelma tem virado um símbolo na luta contra o genocídio da juventude negra da periferia. Vários protestos e vigílias foram realizados desde a morte de seu filho, que sonhava ser empresário e ajudava nas finanças de casa.

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A Justiça confirmou a data do júri popular do sargento reformado da Polícia Militar (PM) Luiz Fernando Borges, acusado de matar o adolescente Mário Andrade, de 14 anos, no dia 25 de julho de 2016, no Ibura, Zona Sul do Recife. O julgamento será no Fórum de Joana Bezerra, área central do Recife, às 9h do dia 24 de setembro, que é, coincidentemente, a data de aniversário de Mário.

“Estou eufórica. Vou fazer justiça bem no dia que meu filho nasceu”, disse Joelma Andrade, mãe de Mário e principal símbolo da luta por justiça. Ela foi uma das grandes responsáveis por fazer o crime não ser esquecido, promovendo e participando de mobilizações.

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Mário estava em uma bicicleta na companhia de um amigo, de 13 anos. Na Avenida Dois Rios, a bicicleta esbarrou na moto do sargento reformado, que machucou o pé. Após isso, o policial matou Mário com três tiros e atingiu o segundo adolescente, que sobreviveu. Antes dos disparos, o sargento desferiu uma coronhada na cabeça de Mário, causando sangramento.

O réu alegou ter agido em legítima defesa. Em sua versão, ele contava ter sido abordado por dois bandidos que queriam roubar sua moto. Ele foi ao hospital dizendo ter levado um tiro no pé, o que perícia mostrou não ser verdade.

Atualmente, Luiz Fernando Borges está preso no Presídio de Igarassu. Em abril deste ano, a Secretaria de Defesa Social (SDS) oficializou a exclusão do réu da Polícia Militar.  “Estou feliz [sobre a data do julgamento], mas apreensiva por saber que vou estar cara a cara com o assassino do meu filho”, completa Joelma.

Após quase seis meses da morte do adolescente Mário Andrade de Lima, de 14 anos, assassinado por um sargento reformado da Polícia Militar, familiares e amigos organizam um protesto na próxima sexta-feira (27), às 13h, no Fórum Joana Bezerra, área central do Recife. De acordo com Joelma Lima, mãe da vítima, esta é a segunda audiência do caso.

O crime aconteceu na noite do dia 25 de julho, na Avenida Dois Rios, entrada do bairro do Ibura, Zona Sul do Recife. A mãe conta que Mário e um amigo de 13 anos estavam de férias da escola e decidiram passear de bicicleta a noite. Os jovens se envolveram em um acidente com uma moto pilotada pelo PM Luiz Fernando Borges, de 50 anos, que disparou alegando uma tentativa de assalto. 

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Após o crime o policial ligou para a emergência e alegou ter sido vítima de um assalto. Procurou o Hospital da PM onde foi atendido e liberado. Mário foi atingido na cabeça, no tórax e nas pernas. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu. O amigo de 13 anos, que não teve identidade revelada, sobreviveu e desmentiu a versão dita pelo sargento. 

No dia 3 de agosto, o PM se apresentou à Justiça e foi detido por policiais da Radiopatrulha. O sargento foi encaminhado ao Centro de Reeducação da Polícia Militar de Pernambuco (Creed), em Abreu e Lima, Região Metropolitana do Recife (RMR).

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