Artistas LGBTs usam a música como instrumento de luta
"Vozes da diversidade": cantores paraenses Antônio de Oliveira e Flor de Mururé fazem da arte um canal de conscientização e combate ao preconceito
O Pará é um diversificado culturalmente. Além de Belém ser considerada a cidade internacional da gastronomia, a música paraense também faz sucesso no mundo inteiro, principalmente Dona Onete e Pinduca. Porém, os artistas LGBT locais continuam sendo deixados de lado.
Antônio de Oliveira, 26 anos, se assumiu gay aos 21 e foi entendendo a opressão que sofria da família e da sociedade. Começou a carreira como músico há cinco anos, quando viu que, em Belém, não tinha nenhum artista da idade dele que fosse assumidamente gay. Atualmente, ele está num grupo com vários cantores e artistas LGBT da cidade. Para o cantor, a realidade está mudando. Pouco, mas está.
"Nesse tempo de armário, que foi muito difícil, a minha felicidade e salvação era a música. A música estava sempre comigo e na minha família. No videoclipe da minha primeira canção, eu já apareço beijando um cara. Não quis esconder nada", afirmou. O lema do cantor é: eu vou ser o que sou, não importa o que aconteça.
O artista, quando entrou no mundo da música, queria representatividade. Sentia que nunca tinha escutado uma música que falasse que ser gay era ok. Lutar pela militância gay foi o primeiro objetivo dele como cantor, mas agora Antônio quer muito mais. "Com essa luta, eu ganhei consciência e força. Hoje, meu objetivo principal é ver mais artistas se unindo. Eu quero união, eu quero que a gente possa fazer uma revolução de verdade na vida das pessoas. Que além de fazer música, a gente possa ensinar e auxiliar a sociedade. Quero ver mais artistas tendo essa consciência, esses atos políticos. Vamos defender nossas bandeiras, falar, argumentar, nos shows, nas músicas, sobre as injustiças da sociedade. A gente não pode mais só dar close", incentivou.
"É importante a gente conversar, usar a música como instrumento de resistência, poder falar sobre lutas, sobre opressão, dar oportunidade para os outros. Eu me sinto muito feliz por poder levantar essa bandeira e outras. Além de ser cantor, sou um ativista político. A gente já deu pequenos passos, mas ainda tem muita coisa a ser feita. Temos que lidar com o preconceito com educação, falando, conversando, tentando entender o outro e fazendo o outro entender a nossa luta para que a pessoa ganhe um pouco de consciência. O preconceito deve ser lidado com afeto, mas, lógico, mantendo a nossa sanidade mental, porque não somos de ferro", explicou Antônio.
De acordo com Antônio, a sociedade precisa combater o machismo e falar mais sobre isso, entrar nas escolas, entrar nos movimentos sociais e entender que a justiça é para todos. "Temos que trabalhar a militância e lutar por uma democracia realmente justa. A gente vê crianças sem o mínimo de estrutura educacional, estrutura física, saúde, alimentação. Como é que a gente vai querer que essa criança se eduque, sendo que ela não tem um pão, um café da manhã, um almoço? A gente tem que tirar umas mazelas sociais primeiro, eliminar a pobreza extrema, para poder conversar sobre os preconceitos. Precisamos fazer muita coisa ainda, por isso que a gente tem que usar a música como instrumento de resistência. Não dá para estar só nos palcos, a gente tem que estar nas ruas, nas escolas, nas universidades", concluiu o músico.
Sem rótulos
O cantor Flor de Mururé, 19 anos, homem trans não-binário, se assumiu como homem trans após se identificar com alguém falando sobre identidade de gênero. Mas, dentro da escola e observando os colegas, ele não conseguia se ver nem como homem nem como mulher. Isso foi um confronto muito chocante para ele, por não saber o que era aquilo. Até que Flor não se preocupou mais e passou a usar a roupa e o cabelo que quisesse, sem se importar com gêneros, com o que as pessoas iriam falar e se o chamariam no feminino ou no masculino. Ele deixou os rótulos de lado e começou a se identificar como Flor de Mururé, seu nome artístico.
Com violão e outros instrumentos acessíveis, Flor de Mururé tenta fazer com que pessoas trans se empoderem e se confortem ouvindo as letras escritas por ele. As músicas mostram também um pouco da realidade, da dor e do sofrimento da comunidade trans. "Pessoas trans muitas vezes não têm psicológico para estar em ambientes que são dominados por pessoas cis (cisgênero, o contrário de trans). Eu mesmo não tive. Faço o que amo e não quero deixar isso de lado. Quero dar outras chances e outras referências a pessoas trans, para mostrar que elas têm outras possibilidades para crescer", disse.
Flor acredita que, na luta contra a intolerância, seja de suma importância uma união entre a comunidade LGBT, porque dentro da própria comunidade também existe preconceito. "Eu vejo muito gay transfóbico, gay machista, trans machista, lésbica transfóbica... É complicado. Isso só vai melhorar quando a gente se unir. As pessoas têm que estudar sobre o que é ser LGBT e estar ciente da luta delas e do meio marginalizado no qual estamos inseridos. Tem que haver essa consciência", esclareceu o cantor.
Por Ana Luiza Imbelloni.