Técnicos de enfermagem apavorados após mortes no Recife
Medo, falta de sono e ansiedade tem feito parte da rotina desses profissionais durante a pandemia do novo coronavírus
A morte de duas técnicas de enfermagem do Hospital Getúlio Vargas (HGV), no Recife, pela Covid-19 tem apavorado a categoria. Profissionais da linha de frente têm convivido com o estresse e o adoecimento mental enquanto o número de casos do novo coronavírus continua a subir em Pernambuco.
Mônica Nascimento, de 49 anos, é técnica de enfermagem do HGV. Era amiga há mais de 25 anos de Ana Cristina Tomé, uma das técnicas que faleceram no último sábado (4) e cujo diagnóstico do novo coronavírus foi confirmado nesta segunda-feira (6). Mônica está de licença, mas se preocupa com o retorno ao trabalho. “Estou sem condições psicológicas nenhuma de trabalhar. A morte da minha amiga me abalou muito”, conta.
Quem também está de licença é Elisângela Patrícia Ferreira, técnica de enfermagem do Hospital da Restauração (HR), no centro do Recife, que foi diagnosticada com transtorno depressivo, transtorno de pânico e estresse. Ela diz que seu quadro de saúde se agravou após descobrir que teria apenas três máscaras para trabalhar 12 horas. "Cheguei no plantão e encontrei minha colega desesperada chorando porque agora seriam só três máscaras. Fui conversar com a chefe do setor, falar do desespero da colega, que eu não tinha condições de trabalhar daquele jeito, mas ela disse que não podia fazer nada.” Elisângela é mãe de um menino de 11 anos com cardiopatia e teme levar a doença para casa. Mesmo relatando a condição do seu filho, ela não conseguiu nem ao menos ser transferida para um setor mais tranquilo do hospital. “Meu desespero foi tão grande que eu não conseguia assimilar as coisas direito. Fui procurar um médico para conseguir um laudo e pedi no telefone que o rapaz do consultório digitasse o endereço porque as palavras não estavam se juntando na minha cabeça”, diz.
Elisângela recebeu um laudo liberando ela do trabalho por 45 dias. "Eu estou em isolamento por amor ao meu filho. Se eu morrer ele vai ficar com quem? A chefe do setor disse que pode chegar o momento de não ter máscara para se proteger e a gente ter que ir mesmo assim. Ela disse que estamos numa guerra. Eu disse a ela 'numa guerra o soldado não vai desarmado'.”
A reclamação de racionamento de EPIs é geral na categoria. Viviane Paula, que é representante dos técnicos de enfermagem e profissional do HGV, diz que a categoria tem recebido apenas duas máscaras por plantão na unidade. “Meu plantão seria ontem à noite [domingo], mas não tive condições de trabalhar. Eu fiquei com palpitação. Estava muito agoniada. Não teria condições de me responsabilizar pelos pacientes e isso está acontecendo com várias pessoas”, diz.
A técnica de enfermagem Renata Marques era do mesmo setor de Ana Cristina Tomé no HGV. “O clima no hospital é de tensão. Todas nós estamos com medo. São quatro noites que não durmo”, comenta. Renata diz que não tem tirado a máscara nem no seu horário de repouso por medo de ser infectada.
O secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, destacou na tarde desta segunda-feira (6) que os hospitais contam com núcleos de apoio psicossocial e que o governo vai garantir o afastamento daqueles profissionais que adoecerem durante o período. Questionado sobre as denúncias de baixo repasse de material, ele negou que estejam sendo entregues só duas máscaras por plantão. Segundo o secretário, o funcionário pode pegar quatro desses itens.
Longo afirmou que Pernambuco tem conseguido fazer aquisição dos insumos médicos e que mais de 1,2 milhão de itens como máscara, luva e capote foram enviados para 52 unidades da rede de saúde. Na última semana, foram recebidas 150 mil unidades de máscaras N95. Dessas, 50 mil estão sendo distribuídas hoje. Mais um milhão desse tipo de máscara foi adquirido pelo Estado, que aguarda a entrega pelo fornecedor, e outras 80 mil chegarão por meio da Justiça Federal. "Elas desempenhavam suas funções com louvor", disse o secretário sobre as técnicas do HGV que faleceram.
O Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) criou, no último mês, uma Rede de Apoio e Acolhimento em Saúde Mental para profissionais da unidade hospitalar que estão atuando no enfrentamento ao novo coronavírus. Serão oferecidos atendimentos psicológico e psiquiátrico, além de práticas integrativas e complementares em saúde, como sessões de reiki, biomagnetismo, entre outras. Nem a Secretaria Estadual de Saúde e nem a Secretaria de Saúde do Recife informaram ter projeto semelhante.