Homossexual e candidato, um caso inédito em Mianmar
Myo Min Tun decidiu se lançar na vida política quando seus amigos transexuais lhe contaram sobre a 'humilhação e violência da polícia' que estavam sofrendo
"Eu não queria mentir". Myo Min Tun é candidato às eleições de 8 de novembro em Mianmar e decidiu não esconder sua homossexualidade em um país onde as relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais, embora a mentalidade dos cidadãos esteja evoluindo a esse respeito.
O partido de Aung San Suu Kye, a Liga Nacional para a Democracia (LND), não fez praticamente nada pelos direitos da comunidade homossexual desde que chegou ao poder em 2015, de acordo com várias associações.
A lei herdada da era colonial britânica, que pune as relações homossexuais com até dez anos de prisão, não é mais estritamente aplicada, mas ainda está em vigor e é amparada por inúmeras atitudes de discriminação e de assédio, segundo seus críticos.
Myo Min Tun decidiu se lançar na vida política quando seus amigos transexuais lhe contaram sobre a "humilhação e violência da polícia" que estavam sofrendo.
"Percebi que não havia ninguém no Parlamento para falar sobre tudo isso", disse o candidato à AFP.
Em plena campanha eleitoral para renovar o Parlamento e as assembleias regionais, este florista de 39 anos, que aspira a um cargo de vereador em Mandalay (centro), decidiu então mostrar abertamente sua homossexualidade.
"Estou fazendo isso para abrir caminho, para que todas as pessoas LGBT saibam que podemos ser o que quisermos ser", diz o candidato, que também se dedica ao combate à aids em uma ONG.
No ano passado, o suicídio de um bibliotecário, suposta vítima de assédio homofóbico em seu local de trabalho, causou um profundo choque na comunidade homossexual.
A investigação livrou seus patrões de qualquer tipo de responsabilidade e acabou descrevendo o jovem como "fraco mentalmente", o que mostra os preconceitos neste país conservador.
No clero budista, por exemplo, ser gay é visto como punição pelos pecados cometidos em uma vida anterior.
- Fim progressivo dos tabus -
Mianmar está atrás de outros países asiáticos, como a Índia, por exemplo, onde a homossexualidade foi descriminalizada em 2018, embora o tabu esteja caindo lentamente na sociedade.
A Miss Mianmar Swe Zin Htet, representante do país no concurso Miss Universo 2019, teve a coragem de assumir publicamente sua homossexualidade no ano passado, poucos dias antes do concurso.
Em fevereiro, mais de 10.000 pessoas participaram de várias manifestações em Yangun para exigir que a homossexualidade não fosse mais considerada um crime.
Mas, para Myo Min Tun, é prematuro travar essa batalha, e é melhor se limitar - por enquanto - às discriminações sofridas no dia a dia.
O candidato soube que era gay aos 14 anos, quando se apaixonou por um colega de classe. Seu pai, já falecido, nunca aceitou a ideia.
"Sempre estive envolvido na minha comunidade", diz o candidato, que se recusou a ser candidato pelo LND, embora a formação política tenha muitas possibilidades de permanecer no poder após as eleições. A votação foi mantida, apesar do aumento de casos de coronavírus.
O candidato preferiu concorrer com o Partido dos Pioneiros do Povo (PPP), que se opõe à "discriminação e trabalha pela juventude", diz.
Criado há um ano, esse movimento ainda é cauteloso, porém, em todas as questões relacionadas à orientação sexual.
"Pode haver muitas reações negativas, se apostarmos na descriminalização da homossexualidade. Não é algo que preocupa as pessoas", disse a líder do partido, Thet Thet Khine.
Efetivamente, "temos um longo caminho a percorrer", reconhece Myo Min Tun.