Furar fila de vacinação é ato antiético e criminoso

Passar na frente dos grupos prioritários, além de ser “falta de cuidado que não leva ninguém à felicidade”, segundo o filósofo Mário Tito, também pode acabar em prisão e multa

sex, 12/02/2021 - 15:41

Quase um ano após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil, a vacina chega como um sinal de esperança ­– neste primeiro momento, destinada aos grupos prioritários. No entanto, desde o início da campanha de vacinação, várias são as denúncias sobre pessoas que tentaram burlar o sistema e furar a fila.

Desrespeitar essa fila de prioridades da vacinação é crime, segundo afirma o advogado Alexandre Rodrigues, doutor em Direitos Humanos e mestre em Direito Penal, pela Universidade Federal do Pará (UFPA), e professor da UNAMA - Universidade da Amazônia. “O particular pode responder pelo crime previsto no art. 268, do Código Penal, que é infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. A pena é retenção de um mês a um ano, e multa”, informa.

O advogado chama atenção para o parágrafo único do mesmo artigo. O texto diz que a pena aumenta em um terço se o agente for funcionário da saúde pública ou exercer profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

O servidor público pode responder pelo crime de abuso de autoridade, com pena que pode variar de seis meses a dois anos de reclusão. “É possível que um servidor público, valendo-se do cargo, se ponha em condição de tomar a vacina na frente de outras pessoas. Nesse caso, sendo servidor público, responde pelo crime de abuso de autoridade, que está previsto na lei 13.869/2019, art. 33”, explica o professor.

Caso o servidor público ajude terceiros a desrespeitar a fila de vacinação, ele pode responder ao crime de prevaricação, previsto no artigo 319, do Código Penal, com pena de três meses a um ano, e multa. “Em relação à postura que se deve tomar para que se evitem os atos de furar a fila, será comunicar às autoridades competentes para que as medidas legais cabíveis sejam tomadas”, recomenda Alexandre Rodrigues. A Ouvidoria Nacional do Ministério do Público recebe as denúncias desses casos no país e já contabiliza 1.065 denúncias.

Aprovado na Câmara Federal, o Projeto de Lei 25/21, do deputado Fernando Rodolfo (PP-PE), pune quem fura a fila de vacinação. O PL tipifica os crimes de infração de plano de imunização, peculato de vacinas, bens medicinais ou terapêuticos e corrupção em planos de imunização. O projeto ainda passará por análise no Senado.

Além de crime, para o filosofo, teólogo e professor Mário Tito Almeida, furar a fila da vacinação é uma atitude antiética. “Temos que entender que ética na sua acepção mais profunda filosoficamente falando é sempre a ideia de cuidado, cuidado com o outro e cuidado de si. Então, furar a fila no sentido de passar na frente de alguém que tem prioridade passa a ser, sim, uma atitude antiética pela falta de cuidado com quem mais precisa”, explica.

O filósofo explica que essa conduta ética não é apenas individual. Segundo Aristóteles, expõe Mário Tito, o homem é um ser social exatamente porque ele se entende como um ser que está junto com os outros. Para viver em sociedade você precisa juntar liberdade com responsabilidade, afirma o professor.

Tito fala sobre a forma como a sociedade enxerga essa conduta. “Na vida cotidiana nós percebemos que a atitude de furar a fila e passar na frente dos grupos prioritários é não só uma expressão ruim em si, mas pode ser entendida como uma metáfora de tudo aquilo de ruim que acontece na sociedade. Ou seja, furar a fila da vacinação pode ser o passar a perna no outro para conseguir o emprego, disseminar algum tipo fofoca, mentir, roubar, matar, disseminar fake news”, analisa.

Mário Tito afirma que a ética é o cuidado, esse cuidado é movido por valores, que estão inscritos na própria estrutura do ser humano, como a compaixão, atenção com o outro, o afeto. “O problema não está em definir uma lei que diga faça isso ou não faça aquilo, mas deve-se estar dentro dos valores constitutivos do ser humano e aí o papel da educação é importante. Em última análise, furar a fila é falta de cuidado que não leva ninguém à felicidade”, conclui.

Segundo a Agência Brasil, para denunciar casos de pessoas que furaram a fila de vacinação basta entrar em contato com a Ouvidoria do Ministério Público pelo  WhatsApp (61 3366-9229), por e-mail, mensagem direta nos perfis do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) nas redes sociais ou formulário eletrônico disponível na página da ouvidoria.  

Por Carolina Albuquerque e Karoline Lima.

 

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