14 mil podem ficar sem remédio à base de maconha

A Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace) teve suspensa a autorização para fabricar produtos usados para tratar epilepsia, Alzheimer, Parkinson e autismo

sex, 05/03/2021 - 13:20
Reprodução/Instagram Frasco de óleo produzido pela associação que fica na Paraíba Reprodução/Instagram

Mais de 14 mil pacientes de doenças crônicas podem deixar de receber medicamentos à base de maconha por uma disputa jurídica. A Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace) teve suspensa a autorização para fabricar produtos usados para tratar epilepsia, Alzheimer, Parkinson e autismo.

O pedido partiu da Agência Nacional de Vigilância (Anvisa), que apontou descumprimento de requisitos para produção. A entidade nega e diz que já pediu licenças de funcionamento e que faltam regras sobre o cultivo da planta para fins medicinais.

A interrupção da fabricação do produto foi determinada no último dia 25 pelo desembargador Cid Marconi, do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (TRF-5). Ele suspendeu a validade de decisões judiciais que desde 2017 permitiam as atividades da Abrace.

No pedido, a Anvisa aponta "risco de grave lesão à saúde pública" e afirma que a Abrace descumpre determinações da sentença dada em 2017 pela Justiça Federal na Paraíba, que permitiu as atividades da entidade. A agência argumenta, ainda, que a medida liberou a entrega de medicamentos pela associação a um grupo restrito de pacientes. Além disso, a entidade teria de buscar uma autorização de funcionamento da Anvisa.

A Abrace, por sua vez, afirma que segue rígidos padrões sanitários. Acrescenta ter aberto, ainda em 2017, protocolo para receber licenças sanitárias de funcionamento, mas foi ignorada pela autarquia federal. De acordo com Cassiano Teixeira, diretor executivo da entidade, a falta de regulação sobre o plantio da maconha com fins medicinais ainda dificulta a operação destas associações.

A decisão de Marconi provocou forte reação de pacientes e familiares nas redes sociais. "Como eu, muitas pessoas precisam do canabidiol (uma das substâncias extraídas da maconha). Até as crianças precisam. Eu peço para que não fechem a Abrace", disse a atriz Claudia Rodrigues, portadora de esclerose múltipla, em vídeo.

Deputados e senadores de diferentes partidos também declararam apoio à instituição após a determinação judicial. Pressionado, o desembargador visitou a Abrace, em João Pessoa (PB), na quarta-feira. Segundo pessoas presentes, ele se comprometeu a rever a decisão e permitir o retorno da produção, ainda que temporariamente. O TRF-5 informou que uma nova decisão deve ser publicada até nesta sexta-feira.

Para Cassiano Teixeira, diretor da Abrace, a suspensão da entrega dos medicamentos deixa "milhares de famílias sem dormir" e pode prejudicar o tratamento de doentes crônicos. "Não é normal 14 mil pessoas ficarem sem medicamento", disse Teixeira ao Estadão. "A gente lida com a falta de regulamentação. Esse é o grande gargalo", observou.

Segundo o diretor, há dificuldade em enquadrar as atividades da Abrace, pois faltam regras sobre o cultivo da maconha, mesmo com fins medicinais. "Eu acho que tudo parte do preconceito. Mas não há mais volta. Todos os países estão regulamentando."

A Abrace entrega produtos na forma de óleo, spray nasal e pomada. Os preços vão de R$ 70 até R$ 640. Já produtos com indicações similares autorizados pela Anvisa para a venda em farmácia custam em torno de R$ 2 mil.

Em nota, a Anvisa afirma que não pediu para "fechar" a Abrace, mas cobra adequações para fabricação e distribuição de produtos à base de cannabis sativa, nome científico da maconha. A agência diz que a associação ainda não "instruiu" processos para receber autorizações de funcionamento e o certificado para fabricação de medicamentos. "O objetivo da Anvisa não é impedir o trabalho da associação. Ao apontar irregularidades no processo de fabricação e distribuição de óleo de cannabis, a agência cumpre o seu compromisso de proteger e promover a saúde da população brasileira', destaca um trecho da nota.

Pressão

A Anvisa registrou o primeiro medicamento à base de maconha em 2017, o Mevatyl. No fim de 2019, flexibilizou regras para produtos do tipo, além da produção no Brasil. Por pressão do governo Jair Bolsonaro, porém, foi vetada a autorização de plantio com fins medicinais e de pesquisa em território nacional.

A regra da agência ainda é vista como restrita tanto por associações como pela indústria e apenas mais um medicamento entrou no mercado depois disso, fabricado pela Prati-Donaduzzi. Os dois produtos autorizados para venda em farmácia custam cerca de R$ 2 mil.

Com o mercado limitado, a maioria dos pacientes recebe medicamentos de associações, como a Abrace, ou faz a importação. A Anvisa já concedeu mais de 26 mil autorizações de importação desde 2015. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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