Da abolição da escravatura às denúncias contra o racismo
Lei Áurea e 13 de Maio ganham novos significados com as ações de combate à discriminação racial no Brasil
Você já deve ter lido nos livros de História sobre o 13 de Maio, dia da abolição da escravatura no Brasil, quando foi assinada a Lei Áurea. Entretanto, a data também é o Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo. A mudança, iniciada na década de 1970 pelo Movimento Negro, resiginificou a data para torná-la um marco de luta e protesto.
“A sociedade brasileira achava, e alguns ainda acham, que não existia racismo aqui. Que racismo era nos Estados Unidos. Que aqui era uma perfeita democracia racial. Então nós utilizamos o 13 de Maio para denunciar a existência do racismo”, explicou a professora emérita da Universidade Federal do Pará (UFPA) Zélia Amador de Deus, membro fundadora do Grupo de Estudos Afro-Amazônico (GEAM) e assessora de Diversidade e Inclusão Social da UFPA.
A mudança no significado ocorreu também porque a data não representava a população preta. Segundo o professor de História Diego Pereira Santos, da UNAMA Universidade da Amazônia, quando foi assinada a Lei Áurea “houve uma apropriação do 13 de Maio como uma data monárquica, que passava a ideia de que a monarquia teria sido a grande responsável pela abolição, esvaziando a luta dos negros”.
As pessoas pretas são as mais afetadas pela pobreza, mostrou a Sínteses dos Indicadores Sociais (SIS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 2019. De acordo com a SIS, entre os que se declararam pretos e pardos, 32,3% eram pobres e 8,9% eram extremamente pobres.
Eles também são os mais atingidos pela violência policial, apontou o estudo realizado em 2020 pela Rede de Observatórios de Segurança Pública. Em cinco Estados, a maioria dos mortos pela polícia são pretos e pardos. São eles Bahia, onde 96,9% das, Ceará (87,) Pernambuco (93,2), Rio de Janeiro (86,0) e São Paulo (62,8).
Eles também são minoria nas universidades: segundo o Censo de Educação Superior realizado em 2019 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apenas 7,12% dos universitários são pretos.
Para Marcelina Pinto, assistente social da Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster), tudo isso dificulta o acesso de pessoas pretas a posições de liderança, na política e pesquisa acadêmica, por exemplo. E quando pretos conquistam isso, causa espanto. A servidora contou que, durante um evento de trabalho, uma secretária municipal disse a ela que nunca tinha visto uma assistente social preta.
“Ela estava abismada porque eu estava ocupando um espaço de poder, fazendo a palestra, passando conhecimento para aquele público e eu era uma pessoa preta. Normalmente, quem ocupa esses espaços de poder são pessoas brancas”, disse. "No mesmo evento, uma menininha preta me disse: ‘Quando eu crescer, eu quero ser poderosa igual a senhora'. Quando as pessoas percebem que a gente tem potencial, uns ficam frustrados (como ela está aí e eu não?) e outros se sentem representados (se ela conseguiu, eu consigo).”
Segundo a assistente social, formada pela UNAMA, muitas escolas não trabalham a questão racial de forma eficaz. “Na escola, o que a gente diz? É bullying. Utiliza-se o termo para encobrir o racismo. Eu estou sendo xingada por ser preta, pelo meu cabelo ser ‘cri-cri’, pelo meu nariz ser chato, pelos meus lábios serem grossos. A gente tem que falar sobre o racismo, sobre essa forma de nos negar determinados espaços pelo simples fato de sermos pretos”, afirmou.
É isso que o Coletivo Casa Preta faz: debate a questão racial e identidade das pessoas negras, explicou Anderson Ferreira, mais conhecido como Don Perna, coordenador da entidade social que já atendeu cerca de dois mil jovens pretos na capital paraense e quilombos no interior. “Tinham discussões políticas, rodas de conversa, rodas de tambores, atuação junto com grupos culturais. Foram diversas ações nos últimos 12 anos. A gente procura incentivar a questão da identidade negra, que elas recuperem seus vínculos familiares ancestrais”, contou.
De acordo com o coordenador, o trabalho em bairros como a Terra Firme, onde moram muitas pessoas pretas, ajuda a despertar um olhar crítico para a desigualdade racial. “Uma juventude que passa a pensar politicamente sobre a questão racial, social e cultural, assume o protagonismo de fazer melhores escolhas”, afirmou.
Por Sarah Barbosa.