Especialistas analisam guerra entre Rússia e Ucrânia

Ataque russo ao país vizinho acende conflito histórico na Europa e ameaça a paz mundial

ter, 08/03/2022 - 14:13

Após meses de tensão e de negar que planejava invadir a Ucrânia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, autorizou o ataque militar ao território ucraniano na quinta-feira (24). Em novembro de 2021, Putin já havia ordenado mais de 100 mil soldados a se deslocarem para a fronteira entre os dois países.

A história de conflitos entre a Rússia e a Ucrânia é antiga. O mais recente foi em 2014, com a anexação da Crimeia – que era território ucraniano – pela Rússia. A partir disso, de acordo com dados oficiais, foram mais de 14.000 mortos nos anos seguintes ao ocorrido, afirma o professor e cientista político Rodolfo Marques. Segundo ele, no ano passado, com o avanço das tropas russas na região, o governo ucraniano identificou o processo como uma ameaça à autonomia do país.

O professor explica que, em 2013, houve o movimento “Euromaidan”, em que protestantes ucranianos exigiam a maior integração do país com a Europa e com o Ocidente, e menor influência da Rússia na Ucrânia. “O parlamento ucraniano derrubou o presidente, que era alinhado à Rússia, e o fato aumentou a crise com Vladimir Putin. Em represália, o governo russo deu suporte para os separatistas na Crimeia”, relembra.

Rodolfo Marques destaca três pontos fundamentais que ocasionaram o início da guerra no leste europeu. Primeiramente, os problemas gerados a partir do desrespeito vindo de algumas nações ocidentais ao Acordo de Minsk, assinado em 2014 pela Ucrânia, pela Luhansk People’s Republic (LPR) e pela Donetsk People’s Republic (DPR), com o objetivo de encerrar os conflitos armados na fronteira leste ucraniana.

Além disso, o professor cita as questões econômicas, visto que o território ucraniano é usado para a comercialização e escoamento do gás natural produzido na Rússia, e militares, com a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a partir das demandas norte-americanas e de outros países do ocidente.

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Sobre as implicações do conflito para o resto do mundo, Rodolfo Marques afirma que a diplomacia mundial terá um grande desafio para tratar a questão por envolver interesses diretos dos Estados Unidos, da China e de outros países. “O conflito armado apresenta, desde já, grandes impactos econômicos, com variações cambiais, especulações na Bolsa de Valores e mudanças nos preços de produtos”, aponta.

O professor também ressalta que, ao mesmo tempo, as discussões de paz e negociações multilaterais mais amplas ficam enfraquecidas. “A invasão da Ucrânia pela Rússia gerará a necessidade de posicionamentos mais concretos dos países que estão ligados direta ou indiretamente ao conflito”, complementa.

Quando questionado se o Brasil pode ser afetado de alguma forma pela guerra, Rodolfo Marques diz que o país perdeu, principalmente a partir de 2019, qualquer tipo de protagonismo no campo da política internacional, sendo uma espécie de “anão diplomático”. “Assim, neste ponto, o Brasil deverá apenas observar de longe o conflito, até mesmo pela proximidade pessoal existente entre o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL-RJ) e o líder russo, Vladimir Putin”, observa.

O impacto no Brasil seria principalmente na economia, com o potencial de uma pressão maior sobre os índices de inflação, uma provável crise no abastecimento do gás e um possível reajuste no preço dos combustíveis. O professor explica que o cenário de instabilidade também pode mexer com preços e oferta de produtos ligados ao agronegócio importados da Rússia.

“A questão cambial, com a flutuação dos valores do euro e do dólar, também deverá ser observada por quem atua no mercado financeiro e no ambiente de importações e de exportações”, destaca.

Apesar da perda progressiva do Brasil no meio internacional sob a presidência de Bolsonaro, Rodolfo Marques afirma que não há dúvidas de que a ida do presidente à Rússia para prestar solidariedade a Putin gerou repercussões negativas. “Com a deflagração do conflito, o Itamaraty tenta equilibrar a crítica à invasão russa à Ucrânia como uma amenização à postura de Putin”, diz.

Sobre o risco de ocorrer uma guerra mundial com a participação dos EUA e de potências militares da Europa, o professor diz que os combates devem se restringir à região da Ucrânia. “Por ora, embora exista o risco da expansão do conflito, acredito que a guerra será mais evidente no território ucraniano”, observa.

Zona de influência

O professor Mário Tito Almeida, do curso de Relações Internacionais da UNAMA - Universidade da Amazônia, também afirma que o conflito entre os dois países é de longa data. Porém, o que ficou claro nos últimos tempos, diz, é que a Ucrânia sempre foi da zona de influência da Rússia, que tem uma ideologia militar e cultural de ser a grande detentora de poder no leste europeu.

Com o fim da Guerra Fria, em 1991, as repúblicas que faziam parte da União Soviética começaram a se tornar independentes. No caso da Ucrânia, para ser independente, houve um acordo entre ela e a Rússia, em que todo o arsenal militar que estava na Ucrânia foi devolvido à Rússia. “Porém, a independência da Ucrânia sempre foi uma independência permanecendo nessa zona de influência russa, inclusive com governos pró-russos”, diz.

O professor relembra que, no fim desse período, a OTAN – formada pelos países da União Europeia, EUA, Canadá e Austrália – continuou existindo e passou a “namorar” a Ucrânia, o que preocupa a Rússia. “A Ucrânia serve, mais ou menos, como um Estado escudo entre a OTAN e a Rússia”, explica.

Mário Tito também cita outros motivos que levaram Putin a ocupar a Ucrânia, como dominar o país, não exatamente para anexá-lo à Rússia, mas sim para manter a Ucrânia como país independente e com um governo pró-russo. “Assim, ele manteria a Ucrânia fora da OTAN e esse escudo protetor para as suas fronteiras”, afirma.

O professor fala sobre as consequências econômicas para a Europa, caso esse conflito aumente, e destaca que Putin já declarou o corte do suprimento de gás – bastante necessário para os países europeus – se as nações que fazem parte da OTAN adentrarem a Ucrânia.

Além disso, o aumento do preço no combustível no mundo também pode ser uma das implicações da guerra. Entretanto, segundo Mário Tito, as sanções econômicas impostas por EUA e Europa à Rússia dificilmente terão consequências muito graves porque a Rússia se preparou para esse momento.

“Ele [Vladimir Putin] sabe, como estrategista que é, que de alguma forma isso iria acontecer, então os principais recursos da Rússia não estão nem na Europa, nem nos Estados Unidos, estão na China – que nesse momento é o parceiro comercial mais importante da Rússia”, afirma.

No caso do Brasil, o professor explica que o país se encontra em uma encruzilhada e está sem força do ponto de vista diplomático, não tendo condições de entrar em uma guerra, sem armamento suficiente e entra em uma situação em que não pode fazer nada. “Talvez a melhor condição do Brasil, hoje, é exatamente ficar calado”, diz.

Segundo Mário Tito, apesar das incertezas e sem a visualização de uma guerra mundial, daqui em diante a situação será de intranquilidade. “Na verdade, o que pode acontecer, e isso é um cenário possível, é que na Ucrânia aconteça uma guerra civil, como acontece na Síria”, exemplifica.

O professor também destaca a ausência de uma posição da Organização das Nações Unidas (ONU) no processo anterior ao aumento da escalada de conflito na região. Além disso, ele argumenta que, em uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, as chances de não resolverem a situação são altas. “A ONU está totalmente paralisada. Ela deveria ter trabalhado antes, do ponto de vista da mediação de conflitos”, afirma.

Ocidente x oriente

A internacionalista Alana Andrade publicou um artigo no site Internacional da Amazônia, que faz parte de um minidossiê organizado por ela para ser publicado nesse projeto do curso de Relações Internacionais da Universidade da Amazônia – UNAMA, para mostrar a visão geral da situação entre a Rússia e a Ucrânia. Segundo ela, o conflito existente entre os países é um dos mais complexos deste século.

Alana Andrade diz que o ponto-chave é perceber que, sem a Ucrânia na sua zona de influência direta, a Russia amarga uma falha enorme na sua defesa e no plano de política externa. A internacionalista observa, por outro lado, que a Ucrânia deseja se “ocidentalizar”; porém, metade do território ucraniano se identifica com a cultura russa.

“Portanto, aí se vê a camada política, a camada de defesa, a camada cultural se misturando para criar um barril de pólvora que explodiu na semana passada”, acrescenta.

Alana Andrade também acredita nas implicações da guerra para o Brasil e afirma que a economia internacional é extremamente intrincada, o que é agravado quando uma empresa deixa seus preços serem definidos pelo mercado internacional, como é o caso da Petrobras. No caso da Rússia, que é uma das grandes produtoras de petróleo no mundo, o volume de oferta foi suspenso devido às sanções econômicas aplicadas à Moscou.

Alana explica que, com pouca oferta e muita demanda, os preços tendem a subir. “O barril de petróleo já ultrapassou os US$ 100 dólares, e a Petrobrás continua a política de atrelamento aos preços internacionais. Dessa forma, nas próximas semanas é apenas esperar o gás de cozinha e a gasolina aumentarem para o consumidor médio brasileiro”, diz.

A internacionalista afirma que o Brasil se desencontrou em todas as opções de posicionamento em relação ao conflito e o país, que já tem a imagem abalada desde o início do governo Bolsonaro, sofre mais um baque pela falta de objetividade. “Temos uma tradição única na diplomacia, devíamos ter o papel ativo nesse conflito para negociá-lo, mas ele só expôs mais uma vez gafes e desencontros”, enfatiza.

Alana Andrade desenvolveu o artigo com o auxílio do professor doutor Mário Tito e conta que percebeu que a história estava sendo passada de “boca em boca” e informada de maneira errada, então viu a necessidade de contar o histórico do conflito, para que o público entendesse que ele não aconteceu de forma aleatória, e que a identidade de um povo está em jogo.

Alana Andrade afirma que não é possível prever um cenário, mas acredita que, a partir da figura de Vladimir Putin, é possível dizer o que não irá acontecer nos próximos dias. “Os mais de 20 anos de Putin no poder mostram um perfil duro, que tem um plano traçado. Dito isto, creio que um dos cenários é a flexibilização ucraniana", conclui.

Por Isabella Cordeiro (sob orientação e acompanhamento de Antonio Carlos Pimentel).

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