Entre o fogo e a chuva, as palafitas sobrevivem

Até os ventos fortes assustam quem mora em palafita

por Alice Albuquerque qui, 02/06/2022 - 19:03
Júlio Gomes/LeiaJáImagens Verônica Maria perdeu a casa para as chuvas Júlio Gomes/LeiaJáImagens

Ainda que, sobretudo neste ano de 2022, as fortes chuvas na Região Metropolitana do Recife e o descaso da gestão estadual e municipal tenham causado vários desastres com, pelo menos, 127 pessoas mortas entre soterradas pelos deslizamentos das barreiras ou em decorrência das fortes enxurradas, as palafitas também são afetadas pelas chuvas. 

No dia 6 de maio deste ano, as palafitas de uma comunidade do Pina, Zona Sul do Recife, mais conhecida como Beco do Sururu, foram atingidas por um incêndio que deixou cerca de 180 famílias desabrigadas. Sem ter para onde ir e até para conseguir ter acesso ao programa de habitação da Prefeitura do Recife, muitas famílias tiveram que ficar e se alojar na casa de alguém. 

A diarista Verônica Maria, de 47 anos, que mora no Beco do Sururu, local que foi incendiado, há 10 anos, contou que a comunidade não tem recursos e que a chuva é "devastadora". "As consequências das chuvas aqui são muito fortes e é devastador. Tem um muro aqui e nessa última chuva que deu e encheu tudo, o muro cedeu, veio terra e tudo na casa de Dani [uma moradora] e graças a Deus não aconteceu coisa pior com ela e os cinco filhos. A água devasta mesmo, e ainda correndo o risco de ter mais incêndio", disse. 

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Verônica contou que tem um barraco no Pier que foi afetado pela chuva e caiu. "A prefeitura tá indenizando, estão faltando pessoas que têm barraco, são donos e estão fora desse programa [de Habitação]. Eu sou uma dessas pessoas que estão fora e eu não sei porquê. Na segunda-feira nós vamos na Câmara dos Vereadores para ver como fica isso, porque indeniza uns e outros não", contou. 

"A chuva aqui é um caos, só vendo mesmo", relatou a diarista. "Quando a minha casa caiu eu perdi um fogão, mesa, geladeira, e mesmo sem condições eu tive que ir morar num apartamento; deixei meu barraco aí, mas tem muita gente aqui sem condições de fazer a mesma coisa, tem gente que vive na casa de parente". 

Iaramir Oliveira ficou desempregada após o incêndio das palafitas pela necessidade de estar em casa quando "a prefeitura passa pra fazer o cadastro". "A minha patroa não permitiu que eu fosse lutar pelo meu barraco". Ela contou que molha tudo quando chove, e se a maré estiver cheia, não se pode entrar e/ou sair de casa. "Quando a maré enche e chove quem está aqui dentro [do barraco] não pode sair, porque a maré chega até ali em cima [altura do píer] e a gente tem que ficar esperando ela descer para poder sair ou entrar. Já perdi móvel, televisão, com as chuvas. Teve uma que derrubou um móvel e eu aproveitei as tábuas dele para fechar a parece que abriu toda por conta da água", contou. 

Iaramir expressou nunca ter visto uma chuva como a que aconteceu no último fim de semana, quando houve os deslizamentos das barreiras. "Essa chuva foi uma experiência muito ruim para todo mundo, porque foi a que mais marcou esses anos todos que eu tenho vida. Essa foi a pior. Tenho dois netos que estão desabrigados por conta da chuva e está todo mundo comigo na casa da minha irmã, que mora nos prédios". Ela teve que sair do barraco que mora porque não há condições de ficar nele quando chove. 

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Rosineide Maria, que está desempregada, mora há oito anos nas palafitas, mas perdeu o barraco no incêndio e agora está junto com a amiga, Iaramir. "Já vi muita chuva, mas nunca igual a essa. Quando ela [a amiga] vai embora [para a casa da irmã], eu fico e durmo aqui e quando enche eu vou para outro canto. Dá muito medo de o barraco cair com tudo aqui dentro", lamentou. 

A doméstica Maria das Dores, de 53 anos, contou que precisava sair de casa quando chovia forte, antes da sua casa pegar fogo no incêndio. "Quando cheguei já tava tudo queimado. Perdi tudo e agora eu tô dormindo lá no trabalho. Quando eu tava aqui e chovia, molhava tudo. Essa chuva de vento molhava a cama, enchia tudo. A parede ficava balançando com o vento. Quando a maré tava muito cheia, às vezes, eu saia para dormir na casa das colegas com medo", relatou.

Na Vila do Capuí, também no Pina, Zona Sul do Recife, dona Maria Geilza, moradora do local há mais de 15 anos, explicou ter ido parar numa palafita por falta de condições e falou das dificuldades de quando chove. "Eu não tenho condição de pagar um apartamento, um teto. Eu sou sozinha. Se tivesse condição a gente não morava aqui com rato, chuva. A gente mora numa comunidade dessa porque precisa. Se não precisasse, ninguém morava, porque só sabe as condições quem mora", afirmou. 

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Morar em palafita é para além da maré alta, envolve falta de saneamento básico, sujeira. É viver em meio ao crime, aos ratos, muitas vezes sem ter o que comer e a falta de atenção da gestão. É ter medo do fogo, da chuva e até do vento. "Meu barraco já caiu duas vezes. Uma vez foi por causa da chuva, e a outra, os paus tudo podre por causa da água. Nem posso ficar muito onde lavo os pratos [fora de casa] porque as pontes estão caindo, tenho que arrumar dinheiro, pedir ajuda aos outros para poder fazer. Agora, nessa chuva, a minha casa tá toda molhada. Meu menino já botou um plástico na cama e eu tenho que comprar madeira para colocar, porque tá tudo molhado dentro da minha casa", relatou, preocupada.

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"Já perdi documentos e várias outras coisas por conta da água que invade o barraco da gente, invade a casa, o barraco da gente cai. A gente não tem dinheiro e vai pedir ajuda a um, a outro. Tem muitos que ajudam como podem. É uma luta só morar num lugar desse, só mora quem precisa", completou. "Quando a maré tá cheia enche os barracos de água, é muito mosquito de noite, muito rato. Cada rato em tempo de carregar uma pessoa. É muita coisa aqui dentro para quem mora em palafita, e agradeço a Deus porque tenho esse pedacinho de maré que me deram para eu morar, porque tem gente que nem onde morar, tem".

Ela também falou sobre o medo da chuva: "Eu fico com muito medo quando chove, quando dá aqueles trovões, aqueles relâmpagos. Às vezes é um vento tão grande que dá nos barracos que eles até balançam, arrasta telha, arrasta tudo".

A maior vontade de dona Geilza é "ganhar o meu cantinho para sair daqui do meio dos ratos". "Agora a gente pede a Deus que saia o nosso apartamento. Eu vivo de um trabalho aqui, outro acolá, um bico ali, e também vivo de ajuda".

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