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Ainda que, sobretudo neste ano de 2022, as fortes chuvas na Região Metropolitana do Recife e o descaso da gestão estadual e municipal tenham causado vários desastres com, pelo menos, 127 pessoas mortas entre soterradas pelos deslizamentos das barreiras ou em decorrência das fortes enxurradas, as palafitas também são afetadas pelas chuvas. 

No dia 6 de maio deste ano, as palafitas de uma comunidade do Pina, Zona Sul do Recife, mais conhecida como Beco do Sururu, foram atingidas por um incêndio que deixou cerca de 180 famílias desabrigadas. Sem ter para onde ir e até para conseguir ter acesso ao programa de habitação da Prefeitura do Recife, muitas famílias tiveram que ficar e se alojar na casa de alguém. 

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A diarista Verônica Maria, de 47 anos, que mora no Beco do Sururu, local que foi incendiado, há 10 anos, contou que a comunidade não tem recursos e que a chuva é "devastadora". "As consequências das chuvas aqui são muito fortes e é devastador. Tem um muro aqui e nessa última chuva que deu e encheu tudo, o muro cedeu, veio terra e tudo na casa de Dani [uma moradora] e graças a Deus não aconteceu coisa pior com ela e os cinco filhos. A água devasta mesmo, e ainda correndo o risco de ter mais incêndio", disse. 

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Verônica contou que tem um barraco no Pier que foi afetado pela chuva e caiu. "A prefeitura tá indenizando, estão faltando pessoas que têm barraco, são donos e estão fora desse programa [de Habitação]. Eu sou uma dessas pessoas que estão fora e eu não sei porquê. Na segunda-feira nós vamos na Câmara dos Vereadores para ver como fica isso, porque indeniza uns e outros não", contou. 

"A chuva aqui é um caos, só vendo mesmo", relatou a diarista. "Quando a minha casa caiu eu perdi um fogão, mesa, geladeira, e mesmo sem condições eu tive que ir morar num apartamento; deixei meu barraco aí, mas tem muita gente aqui sem condições de fazer a mesma coisa, tem gente que vive na casa de parente". 

Iaramir Oliveira ficou desempregada após o incêndio das palafitas pela necessidade de estar em casa quando "a prefeitura passa pra fazer o cadastro". "A minha patroa não permitiu que eu fosse lutar pelo meu barraco". Ela contou que molha tudo quando chove, e se a maré estiver cheia, não se pode entrar e/ou sair de casa. "Quando a maré enche e chove quem está aqui dentro [do barraco] não pode sair, porque a maré chega até ali em cima [altura do píer] e a gente tem que ficar esperando ela descer para poder sair ou entrar. Já perdi móvel, televisão, com as chuvas. Teve uma que derrubou um móvel e eu aproveitei as tábuas dele para fechar a parece que abriu toda por conta da água", contou. 

Iaramir expressou nunca ter visto uma chuva como a que aconteceu no último fim de semana, quando houve os deslizamentos das barreiras. "Essa chuva foi uma experiência muito ruim para todo mundo, porque foi a que mais marcou esses anos todos que eu tenho vida. Essa foi a pior. Tenho dois netos que estão desabrigados por conta da chuva e está todo mundo comigo na casa da minha irmã, que mora nos prédios". Ela teve que sair do barraco que mora porque não há condições de ficar nele quando chove. 

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Rosineide Maria, que está desempregada, mora há oito anos nas palafitas, mas perdeu o barraco no incêndio e agora está junto com a amiga, Iaramir. "Já vi muita chuva, mas nunca igual a essa. Quando ela [a amiga] vai embora [para a casa da irmã], eu fico e durmo aqui e quando enche eu vou para outro canto. Dá muito medo de o barraco cair com tudo aqui dentro", lamentou. 

A doméstica Maria das Dores, de 53 anos, contou que precisava sair de casa quando chovia forte, antes da sua casa pegar fogo no incêndio. "Quando cheguei já tava tudo queimado. Perdi tudo e agora eu tô dormindo lá no trabalho. Quando eu tava aqui e chovia, molhava tudo. Essa chuva de vento molhava a cama, enchia tudo. A parede ficava balançando com o vento. Quando a maré tava muito cheia, às vezes, eu saia para dormir na casa das colegas com medo", relatou.

Na Vila do Capuí, também no Pina, Zona Sul do Recife, dona Maria Geilza, moradora do local há mais de 15 anos, explicou ter ido parar numa palafita por falta de condições e falou das dificuldades de quando chove. "Eu não tenho condição de pagar um apartamento, um teto. Eu sou sozinha. Se tivesse condição a gente não morava aqui com rato, chuva. A gente mora numa comunidade dessa porque precisa. Se não precisasse, ninguém morava, porque só sabe as condições quem mora", afirmou. 

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Morar em palafita é para além da maré alta, envolve falta de saneamento básico, sujeira. É viver em meio ao crime, aos ratos, muitas vezes sem ter o que comer e a falta de atenção da gestão. É ter medo do fogo, da chuva e até do vento. "Meu barraco já caiu duas vezes. Uma vez foi por causa da chuva, e a outra, os paus tudo podre por causa da água. Nem posso ficar muito onde lavo os pratos [fora de casa] porque as pontes estão caindo, tenho que arrumar dinheiro, pedir ajuda aos outros para poder fazer. Agora, nessa chuva, a minha casa tá toda molhada. Meu menino já botou um plástico na cama e eu tenho que comprar madeira para colocar, porque tá tudo molhado dentro da minha casa", relatou, preocupada.

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"Já perdi documentos e várias outras coisas por conta da água que invade o barraco da gente, invade a casa, o barraco da gente cai. A gente não tem dinheiro e vai pedir ajuda a um, a outro. Tem muitos que ajudam como podem. É uma luta só morar num lugar desse, só mora quem precisa", completou. "Quando a maré tá cheia enche os barracos de água, é muito mosquito de noite, muito rato. Cada rato em tempo de carregar uma pessoa. É muita coisa aqui dentro para quem mora em palafita, e agradeço a Deus porque tenho esse pedacinho de maré que me deram para eu morar, porque tem gente que nem onde morar, tem".

Ela também falou sobre o medo da chuva: "Eu fico com muito medo quando chove, quando dá aqueles trovões, aqueles relâmpagos. Às vezes é um vento tão grande que dá nos barracos que eles até balançam, arrasta telha, arrasta tudo".

A maior vontade de dona Geilza é "ganhar o meu cantinho para sair daqui do meio dos ratos". "Agora a gente pede a Deus que saia o nosso apartamento. Eu vivo de um trabalho aqui, outro acolá, um bico ali, e também vivo de ajuda".

O incêndio que ocorreu no dia 6 de maio nas palafitas do Pina e atingiu cerca de 45 famílias no Beco do Sururu, Zona Sul do Recife, não tirou a vida de ninguém, mas tirou o teto e a pouca condição de moradia que tinham. Ainda que o fogo não tenha atingido todas as palafitas e nem toda a comunidade, abalou toda a estrutura psicológica, emocional e financeira. O sentimento de aquilombamento se fez. Amparados por Deus, como eles próprios afirmam, a própria comunidade se acolheu - quem pôde - e se ajudou da forma que foi possível. 

Seu Luiz é pescador, mora há seis anos numa palafita no Beco do Sururu que, por ‘sorte’ não foi atingida pelo incêndio. Ele correu para ajudar as outras casas e tentar salvar a sua do fogo. "Depois desses anos todos aqui na comunidade, essa é a primeira vez que vi isso acontecer. Não lembro de algo parecido". Ele contou que foi parar nas palafitas depois de ter passado 12 anos pagando aluguel, "não aguentei". "Vim parar aqui porque estava pagando R$ 650 de aluguel no Encanta Moça. Não aguentei pagar, fiz um cantinho e estou aqui até hoje. Teve a pandemia, e depois da pandemia aconteceu esse incêndio". 

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A fumaça cinza foi o que chamou a sua atenção quando estava na colônia, pescando. "Eu não tava na hora do incêndio. Tava ajudando um colega meu porque tô sem embarcação pra pescar, sem bateria, e não pode pescar lá fora sem bateria. Quando eu vi a fumaça, ele disse que era aqui na favela e eu vim embora nas carreiras. Quando cheguei, já tinham oito barracos queimados, e só deu tempo de descer que o fogo se alastrou", relatou. 

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Trinta e três minutos foi o tempo de maior desespero e tentativa de não perder tudo até o Corpo de Bombeiros chegar. "Quando desci, entrei na casa da mulher que tinha três botijões de gás e tava todo mundo na rua. Tirei tudo para fora e comecei a apagar junto com a comunidade, que também tava apagando. Peguei a minha embarcação e comecei a combater o fogo para dar tempo dos Bombeiros chegarem em uma parte que faltavam três barracos para chegar no meu. Depois de 33 minutos, ele chegou [os bombeiros], porque eu já vinha olhando o relógio já que sabia que era um incêndio quando vi a fumaça preta", contou. 

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Moradora da Comunidade do Sururu desde quando nasceu, há 48 anos, Simone do Nascimento, que está abrigando Dona Vilma, também moradora da comunidade e que perdeu o barraco pela segunda vez com o incêndio, confessou que "não é bom" morar no local, "mas a gente só tem essa moradia". "Não é bom porque a gente tem criança, faz medo da maré, dos barracos. Agora a gente vai ter que trocar as madeiras de baixo que estão caindo". 

Desamparo

Ao LeiaJá, ela disse já ter visto muita coisa acontecer na comunidade. "A que mais marcou foi a criança que morreu afogada. Foi a coisa mais triste porque não tinha como salvar. Foi horrível. A gente sofre sem água, sem energia, e por causa do incêndio a gente passou dois dias sem energia. Ficar sem energia é horrível porque aqui tem rato, tem tudo, e você não sabe o que tem. Quando a maré enche é horrível principalmente por conta das crianças, porque elas não podem brincar. Tem que ficar tudo trancado". 

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"Eu não tava aqui na hora do fogo, mas quando cheguei tava a minha filha gritando e o povo tentando tirar as coisas, o maior desespero. Vim da Imbiribeira até aqui de pé porque os carros não tinham como passar. Quando cheguei, só Jesus. Só desastre. Se tivesse aqui ia me desesperar também", disse Simone. 

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Pescadora, Esther da Silva, tem uma filha de 21 anos com deficiência, falou da agonia para sair de casa com ela por conta do fogo. Além do desespero e da tentativa de salvar a sua vida e a dos seus, dona Esther foi furtada, mesmo diante de toda a situação difícil do momento. "No incêndio eu não perdi nada, só o meu botijão de gás e um trocado que eu tava guardando para comprar a fralda e o remédio dela [Evelly]. Na hora do fogo foi o desespero, o pessoal gritando, arrastando botijão de gás para fora. Nessa hora, puxei o meu, vieram pedir pra me ajudar mas roubaram o que eu tinha. Sempre tem uma pessoa que se aproveita da fragilidade dessas coisas que acontecem. Tirar de quem não tem. Mas meu Deus é grande". 

Aos 55 anos, o maior sonho de dona Esther é sair da comunidade por conta das condições de moradia, deslocamento e sobrevivência, sobretudo por causa da filha, Evelly Vitória. "Moro aqui há 22 anos e vim parar aqui por necessidade. Naquele tempo eu pagava aluguel, não tinha trabalho, e foi o único meio que achei para viver aqui, catando sururu. O meu maior sonho é sair daqui e ter um lugar digno para mim e para a minha filha morar. É muito triste", lamentou. 

Com informações de Luan Amaral

Um incêndio que aconteceu na tarde desta sexta-feira (6) destruiu boa parte das palafitas do Beco do Sururu, comunidade localizada na Zona Sul do Recife. Moradores relatam ter vivido cenas de “filme de terror”. De acordo com o Corpo de Bombeiros, o incêndio já foi confinado e não tem como se propagar mais. Até o momento, não houve nenhuma vítima fatal. 

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Dona Vilma, de 58 anos, é doméstica e catadora de sururu. Ela mora na comunidade há muitos anos e já perdeu o barraco duas vezes, sendo a primeira para a Maré e agora no fogo. “Só deu tempo de salvar meus netos”, relatou. “Eu perdi tudo. Geladeira, fogão, mesa, panela, até os documentos eu perdi. Não vi quando começou o fogo porque eu tava catando sururu, só vi meu filho gritando ‘mainha, tá pegando fogo’, e corri pra pegar os meus netos”, disse a doméstica.

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“Agora só a graça de Deus para ajudar e dar força a construir tudo de novo”, afirmou. Questionada se voltaria a morar na comunidade, ela disse, Vilma lamentou: “Volto, porque eu não tenho para onde ir”.

Ela disse, ainda, que não quer que “olhem pra ela”. “Quero que olhem para as crianças, são elas que precisam. A minha criança perdeu material escolar, sandália, roupa, tudo. E aí?”, questionou. “Lula é o único que vai tomar atitude pelos pobres. Ele olha para os pobres. Se ele tivesse no poder, eu e nem ninguém tava aqui, não”, completou. 

Filho de Dona Vilma, Jackson Queiroz, de 26 anos, é pescador, e contou que estava dormindo quando ouviu os estalos do fio. “Eu tava dormindo, quando ouvi os estalos do fio e acordei na hora. Quando olhei, era fogo. O fogo tava muito grande, não dá para saber de onde veio”. 

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O comandante do Corpo de Bombeiro, Cristiano Corrêa, explicou que a ação rápida dos Bombeiros impediu que o fogo se alastrasse ainda mais, podendo causar mais desastres. “A nossa equipe chegou com muita brevidade no local e proporcionou que o incêndio não se alastrasse. Incêndios em edificações subnormais tendem a ser muito agressivos, principalmente porque são feitas basicamente por madeira e papelão, materiais extremamente combustíveis e sem nenhum espaço entre as edificações, que se propaga com muita força”. 

“A nossa equipe chegou com muita brevidade no local e proporcionou que o incêndio não se alastrasse. Incêndios em edificações subnormais tendem a ser muito agressivos, principalmente porque são feitas basicamente por madeira e papelão, materiais extremamente combustíveis e sem nenhum espaço entre as edificações, que se propaga com muita força”, disse o comandante. 

De acordo com ele, foi feito um processo de evacuação das pessoas que moravam e/ou transitavam no local. “Apenas duas pessoas apresentaram sintomas de intoxicação respiratória leve e foram conduzidas ao hospital por uma questão de previdência, profilaxia, mas não temos mais relatos de feridos graves. Até o momento, sem informes de queimaduras”.

Corrêa falou que o momento é precipitado para falar da motivação do incêndio, “a nossa maior preocupação é fazer a extinção e guarnecer a seguridade das pessoas. A investigação chegará no seu tempo”. “O incêndio encontra-se confinado, ele não tem propensão de se propagar ao perímetro que está. Estamos no processo de extinção dos últimos focos e, na sequência, iremos iniciar o processo de rescaldo, que é a remoção dos entulhos para evitar um foco secundário”, afirmou. 

O coronel da Defesa Civil, Cássio Sinomar, ressaltou que um plano de contingência foi montado para dar o suporte necessário às vítimas, que precisam ser identificadas e ao Corpo de Bombeiros. “Foi montada, por determinação do prefeito João Campos (PSB), uma sala de situação onde vários secretários estão reunidos recebendo as informações necessárias de campo para dar um suporte às vítimas que estamos atendendo. O nosso papel agora é identificar cada uma dessas pessoas e saber o que cada um precisa, desde abrigo, deslocamento, a colchão e cesta básica”. 

A população da comunidade que tiver interesse poderá ficar no Abrigo Noturno Irmã Dulce dos Pobres, localizado no bairro de São José, próximo à praça Sérgio Lorêto. “A prefeitura do Recife é uma das poucas que disponibiliza abrigo para essas situações. O abrigo Irmã Dulce, comandado pela Secretaria de Direitos Humanos, já está pronto para receber as pessoas que desejam ir para esse abrigo. Caso não seja necessário, vamos dar conta de fazer o deslocamento dessas pessoas”.

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