Suécia suspende tratamentos para menores trans

A comunidade médica enfrenta o dilema de atuar com cautela diante do aumento dos diagnósticos de pessoas que solicitam a transição de gênero

qua, 08/02/2023 - 11:27
Jonathan Nackstrand Três adolescentes caminham pela rua na cidade sueca de Sundbyberg, em 18 de janeiro de 2023 Jonathan Nackstrand

Embora tenha sido o primeiro país a reconhecer a identidade trans, a Suécia passou a restringir, nos últimos meses, o acesso de menores a tratamentos hormonais para readequação de gênero, em linha com um debate corrente em vários países ocidentais.

A comunidade médica enfrenta o dilema de atuar com cautela diante do aumento dos diagnósticos de pessoas que solicitam a transição de gênero.

Em fevereiro de 2022, o país decidiu suspender o tratamento em menores, com algumas exceções. Em dezembro do mesmo ano, a agência de saúde da Suécia passou a restringir drasticamente a mastectomia em adolescentes.

"O estado incerto do conhecimento sobre o assunto pede prudência", disse Thomas Linden, chefe de departamento da Socialstyrelsen, em um comunicado.

Em sintonia com uma tendência em vários países ocidentais, a Suécia registrou um aumento acentuado de casos de disforia de gênero, ou seja, quando uma pessoa não se identifica com o sexo físico ou atribuído no nascimento.

Segundo o Socialstyrelsen, cerca de 8.900 pessoas foram diagnosticadas com esta condição entre 1998 e 2021, ano em que o país registrou 820 novos casos.

Esta tendência é particularmente maior entre os 13 e 17 anos, em pessoas identificadas como mulheres no nascimento. Isso representa um aumento de 1.500% em relação a 2008.

"Antes era um fenômeno principalmente masculino e agora há uma super-representação feminina", disse à AFP o psiquiatra Mikael Landen.

O médico, que trabalha como chefe de serviço no hospital Sahlgrenska em Gotemburgo, contribuiu para o estudo utilizado pela agência de saúde para emitir suas recomendações.

Porém, para Landen, as razões por trás do aumento são um "mistério".

"A tolerância tem sido alta na Suécia há pelo menos 25 anos, então não se pode dizer que isso mudou", analisou quando questionado sobre a hipótese de uma transformação social.

- Um debate aberto -

O perfil das pessoas diagnosticadas com a disforia de gênero costuma ser complexo e combina outros transtornos como déficit de atenção, problemas alimentares ou autismo.

A decisão do país, que foi o primeiro do mundo a permitir a readequação sexual em 1972, abriu caminho para que o sistema público de saúde assumisse os custos da cirurgia. No entanto, essa decisão preocupa algumas associações.

Para Elias Fjellander, presidente da divisão juvenil da RFSL, principal ONG sueca que lida com questões LGBTQIA+, a Suécia pode causar mais dor com essa deliberação.

"As pessoas poderiam precisar de mais cuidados e procedimentos invasivos no futuro porque essa decisão não pode ser tomada de forma precoce, ainda que por razões médicas", afirmou.

Para Antonia Lindholm, uma jovem de 20 anos que realizou sua transição durante a adolescência, "os hormônios salvam muita gente".

"Se eu tivesse 13 anos hoje, não teria nenhuma chance" de receber o tratamento, disse à AFP.

Mas há pessoas que, tendo completado uma transição hormonal, apoiam a nova política sueca, como Mikael Kruse, que passou pela transição de gênero ainda jovem e depois decidiu reverter o processo.

"Acho que não há problema em fazer uma pausa para entender que o que está acontecendo é uma coisa boa", contou à AFP.

Por sete anos, Kruse assumiu a identidade feminina, ainda que isso não tenha interrompido a sua angústia. Então, um segundo diagnóstico revelou que ele sofria de um transtorno do espectro autista, somado a um transtorno de déficit de atenção.

O sofrimento que ele percebia como vindo de seu gênero estava em outro lugar, então ele decidiu assumir sua identidade masculina.

Para Carolina Jemsby, coautora do documentário "The Trans Train" (2019), que relata o tratamento de crianças e adolescentes que passam pela transição de gênero, o debate atual "é mais complexo do que o sistema de saúde e a sociedade esperavam".

"Um dos aspectos desse dilema é que se transformou em uma questão política", contou à AFP.

"Isso não auxilia esse grupo que precisa de cuidados médicos cientificamente comprovados para ajudá-los e dar-lhes uma vida melhor”, finalizou.

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