Machismo ainda assombra mulheres nos estádios de futebol
Apesar do crescimento da presença feminina nas arquibancadas, dentro dos gramados e nos bastidores, a misoginia segue firme, com agressões e importunação sexual
O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, chama atenção para diversos desafios que o público feminino enfrenta diariamente. Um deles é o machismo no âmbito futebolístico. De acordo com levantamento realizado pela Kantar Ibope em 2022, focado em mídias digitais, mulheres representam 44% da base de fãs de futebol no país. Apesar dos dados mostrarem que o público feminino representa uma grande parte nos estádios de futebol, o machismo ainda está muito presente nesses locais.
Segundo a advogada Vanessa Egla Rocha do Nascimento, integrante do Movimento Feminino de Arquibancada, o ambiente dos estádios paraenses ainda é voltado a masculinidades, não atendendo às necessidades específicas das mulheres. “Na hora de reformar, de construir, de aplicar melhorias nas arenas esportivas, as mulheres não são ouvidas. Nada melhor do que as mulheres falarem por nós mesmas para que as melhorias sejam implementadas", disse Vanessa, mestra em Segurança Pública pelo Programa de Pós-Graduação em Segurança Pública da Universidade Federal do Pará (UFPA) e hoje atuando como agente distrital de Mosqueiro.
Diante das frequentes ocorrências que exemplificam a conclusão da pesquisa de Vanessa, medidas têm sido tomadas pelo poder público. É o caso da Lei 9.622, sancionada no Pará em junho de 2022, que prevê a criação de campanha permanente contra a importunação sexual nos estádios paraenses a partir de orientações. Vanessa também destaca a existência de uma viatura exclusiva para o atendimento às mulheres nos dias de jogos.
A estudante Vanessa Gonçalves, de 21 anos, conta que já sofreu assédio sexual por um torcedor dentro do Estádio Mangueirão quando tinha apenas 16 anos. No momento em que foi acionar a policia, a estudante ouviu do policial a seguinte frase: "Você, sendo bonita desse jeito, é supernormal de acontecer, você nem deveria estar fazendo isso", descreveu.
Vanessa Gonçalves é torcedora apaixonada do Clube do Remo e frequenta os estádios de futebol desde a adolescência. Segundo ela, os estádios de futebol só são seguros para as mulheres se elas estiverem acompanhadas de um homem. “Afinal, homem só respeita homem”, afirmou.
O que falta para avançar
Apesar de reconhecer os avanços nas políticas públicas nessa área, Vanessa Egla afirmou que ainda é preciso avançar mais no combate, não só à violência sexual, como também às outras manifestações de machismo nos estádios. “Em várias rodas de conversa que nós tivemos com as mulheres, constatamos que há a necessidade de uma tropa feminina da Polícia Militar do Estado pra lidar com as mulheres torcedoras e para lidar com casos de importunação sexual. O segundo ponto que as mulheres solicitam é câmera nos estádios de futebol. Além disso, a instalação de fraldários, que sejam tanto no banheiro feminino quanto no banheiro masculino”, disse, enfocando medidas que são necessárias para garantir a segurança, a permanência e o conforto de mulheres nesses ambientes.
No entanto, essas mudanças não se encontram somente nas mãos do poder público. Segundo Vanessa Egla, uma transformação no modo como o público feminino é tratado nos ambientes futebolísticos passa por modificações na visão da mulher no esporte, que ainda é uma área muito associada ao masculino. “As mulheres geralmente são vistas como musas, musa do futebol. A gente vê aí ainda uma sexualização, uma objetificação das mulheres no ambiente masculino que ainda é hoje o estádio de futebol”, disse.
Beatriz Cobel, estudante de Jornalismo e assessora de imprensa do Tapajós Futebol Clube, relata que já sofreu ofensas em estádios de futebol por ocupar um lugar que, segundo os xingamentos, não deveria ser representado por uma mulher. "Fiquei pensativa se realmente ali me pertencia de fato", disse.
Apesar das inúmeras situações em que mulheres são ignoradas e agredidas dentro do âmbito esportivo, como torcedoras, jornalistas, árbitras ou diretoras de clubes de futebol, elas resistem na luta e no combate contra o machismo e a misoginia fortemente presentes no futebol brasileiro. Em sua rede social, Beatriz escreveu: “Ali é meu lugar; onde eu quiser estar será o meu lugar”.
Caminhos para a conscientização
Os pontos de vista misóginos entranhados na sociedade podem ser modificados, de acordo com Vanessa Egla, a partir de educação, conversas e conscientização. “A gente avança nisso conscientizando, discutindo, conversando, levando conhecimento e levando todas as formas que nós temos de nos manifestar”, afirmou.
Por outro lado, a ocupação de espaços dentro do mundo do futebol por parte de mulheres também é uma forma de enfrentar o preconceito e de mudar paradigmas, conforme o que foi destacado pela advogada. “A ocupação dos espaços é imprescindível e ela já está sendo feita. A cada dia nós avançamos mais. Nós temos agora uma narradora mulher de futebol, que no ano passado fez um sucesso grandioso, temos árbitras, comentaristas esportivas, jogadoras, repórteres”, disse.
Vanessa Egla destacou que, unindo medidas que garantem respeito e segurança ás mulheres nos ambientes futebolísticos com a insistência feminina em conquistar lugares na área do futebol, será possível avançar muito mais. “O pontapé inicial já foi dado e a gente vai continuar sim ocupando os espaços como torcedoras de arquibancada, enquanto profissionais do esporte, enquanto jogadoras de futebol. O mercado tende a crescer cada vez mais, mas ele não vai crescer sem luta, sem uma ocupação consciente dos espaços, uma ocupação consciente dos nossos papéis”, afirmou.
Por Jéssica Quaresma e Maria Clara Passos (sob a supervisão do editor prof. Antonio Carlos Pimentel).