'Fundão' recorde daria para imunizar parte dos brasileiros
Senado e Câmara aprovaram orçamento que triplica financiamento público direcionado à campanha eleitoral de 2022. Com os R$ 5,7 bilhões, seria possível imunizar 160 milhões de brasileiros com a vacina da Astrazeneca
Os partidos políticos brasileiros deverão contar em 2022 com pouco menos de R$ 6 bilhões para custear suas campanhas eleitorais. Aprovado na última quinta-feira (15), pelo Congresso, o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) define as prioridades e metas de gastos do governo federal para 2022. Ainda que em um cenário permeado pelas crises política e sanitária, o texto incluiu também um mecanismo que aumenta o Fundo Especial Eleitoral de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões.
O dinheiro, que sai dos cofres públicos e é dividido entre as legendas, é, atualmente, o principal modo de financiamento das campanhas eleitorais. Aprovado pelo Congresso, no entanto, o montante é recorde desde as eleições de 2014, quando ainda era permitido o financiamento via pessoa jurídica. Em 2015 foi determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que doações empresariais seriam banidas do processo eleitoral, já que desequilibram a disputa e abrem caminhos para processos de corrupção e tráfico de influência.
Na prática, a LDO, assim como a generosa previsão para o Fundo Eleitoral Especial de 2022, ou “fundão”, como tem sido chamado, depende da sanção presidencial. O Orçamento para 2022 será enviado pelo governo ao Congresso e analisado até o final de agosto, quando o valor exato do fundo eleitoral será confirmado. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que pretende vetar o trecho da LDO, mas também há rumores de bastidores que apontam para um acordo que reduza o valor para R$ 4 milhões.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é o responsável por finalizar o cálculo da divisão do dinheiro entre as siglas. No atual cenário, os mais beneficiados pela proposta devem ser o PSL e o PT, que contam com o maior número de representantes nas casas legislativas.
E se os R$ 5,7 bilhões fossem aplicados no combate à pandemia?
Com pouco mais de 16% da população totalmente imunizada até esta terça-feira (20), o Brasil ainda precisa aplicar cerca de 200 milhões de doses para garantir a proteção de todos os adultos maiores de 18 anos (160 milhões de pessoas). O cálculo foi feito por pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da USP (Universidade de São Paulo) e apresentado na última sexta-feira (16). O LeiaJá projetou quantos imunizantes daria para comprar com o montante aprovado na LDO para o “fundão”, usando como base os valores divulgados como os contratados pelo Governo Federal.
Em números, a compra de 200 milhões de doses do imunizante Oxford/AstraZeneca, que custa US$ 3,16 (R$ 17 na cotação atual) se produzido em território nacional pela Fiocruz, daria aproximadamente R$ 3,4 bilhões. O valor representa cerca de 60% dos R$ 5,7 bilhões sugeridos para o “fundão”.
Caso o imunizante seja importado da Índia, o valor aumenta para US$ 5,25 cada, cerca de R$ 28. Nessa lógica, as 200 milhões de doses alcançariam aproximadamente 97% do suposto fundo eleitoral, R$ 5,2 bilhões.
Quando aplicado às doses da CoronaVac, imunizante desenvolvido pela chinesa Sinovac Biotech em parceria com o Instituto Butantan, o cálculo revela o montante de R$ 10,6 bilhões pelas 200 milhões de doses necessárias. Isso porque a unidade da vacina custa US$ 10 (R$ 53 na cotação atual).
Com os 5,7 bilhões do fundo, contudo, ainda seria possível adquirir pouco mais de 100 milhões de doses da Coronavac, o suficiente para vacinar cerca de 80 milhões de brasileiros.
No caso da vacina produzida pela Pfizer acontece de forma parecida. Já que a unidade do imunizante sai por US$ 12 (R$ 62 na cotação atual), os R$ 5,7 milhões do fundo não conseguiram alcançar as 200 milhões de doses recomendadas para a imunização total no país. Apesar disso, o valor seria o suficiente para adquirir cerca de 90 milhões de doses.
Entenda como surgiu o Fundo Eleitoral Especial
A decisão do Supremo que em 2015 proibiu as doações de campanhas privadas - realizadas, em sua grande maioria, por empresas e empreiteiras - culminou na criação, em 2017, do Fundo Eleitoral Especial. Trata-se de um mecanismo de financiamento das campanhas eleitorais repassado apenas nos anos de pleito, como uma espécie de poder econômico dos partidos.
A “maior fatia” do montante é abocanhada pelas siglas que contam com o maior número de representantes. A cláusula de desempenho, válida desde 2018, determina como critério que em 2022 o partido consiga, ao menos, 2% dos votos válidos distribuídos em nove estados ou 11 deputados eleitos.
Fundo Partidário
Vigente desde 1965, o Brasil conta ainda com um mecanismo criado pela primeira Lei Orgânica dos Partidos Políticos, como forma de financiamento dos mesmos, para custear as despesas perenes, como manutenção de sedes, criação de programas, propaganda política, entre outras atividades. O recurso se origina no Orçamento federal e de penalidades aplicadas pela Justiça Eleitoral, com o repasse realizado anualmente.
A regra de distribuição é de 5% do valor a todos os partidos inscritos e de 95% conforme a representação da legenda (que atende à cláusula de desempenho). Em 2021, segundo o TSE, a previsão é de que o valor do Fundo Partidário seja de aproximadamente R$ 979 milhões. O Congresso Nacional tem prerrogativas de realizar cortes no valor, caso julgue necessário.
O montante justifica as críticas direcionadas à ampliação do fundo eleitoral nas redes sociais e de deputados como o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ). O vice-presidente da CPI da Pandemia no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também fez comentários em tom de reprovação. Apesar disso, houve pouca resistência na votação, que teve o placar de 278 votos a favor, 145 contra e 1 abstenção na Câmara, e de 40 a 33 no Senado.
É possível destacar ainda a tentativa do Partido Novo, que vem se assumindo uma posição contrária ao governo e recentemente declarou ser a favor do impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O Novo propôs a votação de um destaque para retirar o chamado “fundão” do texto principal da LDO, e contou com o apoio do PSOL, Podemos, Cidadania e PSL - este último, contudo, manifestou-se favorável 15 minutos após a votação ser encerrada, de acordo com o Estadão. A ação não foi bem sucedida, visto que, somados, os votos das legendas de oposição não conseguiram contrapor a maioria.
Os deputados Carla Zambelli (PSL-SP) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) chegaram a criticar o fundo eleitoral em suas redes, mas votaram a favor do mecanismo com o argumento de que “precisavam aprovar as diretrizes para o Orçamento”.