Crescimento dos evangélicos na política e a desigualdade

De acordo com o doutor em ciência política, Pedro Soares, os evangélicos crescem na política atuando fortemente no âmbito das lacunas do Estado, através da desigualdade social, da miserabilidade

sex, 07/10/2022 - 11:04
Reprodução/Instagram O presidente Jair Bolsonaro e o deputado federal eleito por Pernambuco, André Ferreira Reprodução/Instagram

Pastor, bispo, missionário estes termos passaram a ser a cada eleição mais comuns entre os parlamentares do Brasil e dos que pleiteiam por um assento nas câmaras municipais, estaduais, na federal e no Senado. Com projetos, em sua grande maioria, focados nas pautas de costumes, os deputados e senadores da Frente Parlamentar Evangélica (composta também por católicos e espíritas) ampliam não só em número no Congresso Nacional, bem como são eleitos com votações expressivas e até recordes pelos eleitores de seus estados.

Do púlpito de suas igrejas ao plenário do Congresso Nacional, eles apresentam discursos eloquentes e que empolgam seus apoiadores, especialmente quando apresentam projetos contrários ao aborto, ideologia de gênero, a adoção de crianças por casais homoafetivos e casamento homoafetivo. Nos embates, eles contextualizam com versículos bíblicos, frisando que tais assuntos têm como objetivo preservar os valores cristãos e da família que intitulam “tradicional brasileira”.  Tais discursos são veiculados em suas redes sociais para ganhar ainda mais apoio e engajamento para seus mandatos.

A trajetória dos evangélicos na política

Em 1961 foi eleito o primeiro deputado federal evangélico e em 1986 na Assembleia Nacional Constituinte foram eleitos 33 postulantes evangélicos. No entanto, apesar da bancada evangélica ter sido formada em 1990 sob a liderança da Igreja Universal, a Frente Parlamentar Evangélica só foi criada em 2003 e sua oficialização ocorreu em 2015 - cuja composição é 181 deputados e 8 senadores, dois quais 46% são evangélicos e 43% católicos, cuja participação advém de 80% dos partidos, segundo dados do Instituto de Estudos da Religião (ISER).

Ascenção evangélica na política

O doutor em ciência política, o professor Pedro Soares elenca algumas das estratégias dos evangélicos para ascender politicamente no Brasil. “Desde 1980 os evangélicos estabeleceram um projeto, em primeiro lugar, esse projeto é estabelecer uma série de interlocuções com umas lacunas que o Estado (os governos municipais, estaduais e federal) constrói, ou seja, os evangélicos eles atuam na periferia, na pobreza, no âmbito das desigualdades, das falhas que o Estado estabelece. Ou seja, atua entre as famílias que estão desestruturas pelo tráfico de drogas. Você tem uma série de questões, por exemplo, no quesito da fome, que é um outro âmbito que eles atuam bastante. Então é uma série de desigualdades, de lacunas que o Estado não se encontra presente e os evangélicos, a partir do momento que atuam, eles terminam fidelizando um público e esse público tem crescido exponencialmente. Assim definem sua base eleitoral”, contextualizou ao frisar como os evangélicos conquistam o eleitorado.

Maneiras de incursões

Para o estudioso, o contexto desigualdades sociais contribuem para essa ampliação dessa bancada, tendo em vista, o aumento das políticas neoliberais implementadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), que dialoga com o grupo de maneira eficiente, bem como atende as demandas dessas lideranças e as priorizam. “O governo Bolsonaro adotou políticas neoliberais tão fortes, a ponto de que quando a gente olha para esse projeto evangélico, a gente entende exatamente o porquê (da ascensão dos evangélicos no Congresso). A partir do momento que ele (Bolsonaro) adota esse projetos neoliberais e vemos o aumento da miserabilidade, da pobreza, da fome, por que ele está fazendo isso? Porque ele (Bolsonaro) tem uma ala evangélica coesa, a ponto de a gente ver o que ocorreu no primeiro turno destas eleições. Um deputado estadual daqui (Pernambuco), um pastor (Júnior Tercio) foi eleito com um quantitativo de votos extremante expressivo e para a esposa desse pastor (Clarissa Tercio) como deputada federal. Aí você observa que esses evangelizados têm um trabalho de base tão forte nas igrejas evangélicas, a ponto de tornar inquestionável as suas eleições”, considerou.

Neste viés de eleições com votação ampla, em Pernambuco, por exemplo, André Ferreira (PL) foi o deputado federal mais votado do estado e de toda a região Nordeste, com 273.267 votos, seguido de Clarissa Tercio (PP), com 240.511 votos e reelegeu o pastor Francisco Eurico (PL) a deputado federal com 100.811 votos.

A esquerda e os evangélicos

Em relação ao diálogo da esquerda brasileira com esses líderes religiosos e integrantes da Parlamentar Evangélica, o cientista político recorre a análise feita pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos, em seu livro “Esquerdas do mundo, uni-vos!”. “A pluralidade da ideologia de esquerda e ela em um contexto de extrema crise como estamos vivendo agora. E eu não me refiro a apenas uma crise econômica, a uma crise política, de acirramento político, de embate político. Mas me refiro também numa crise ideológica, que nem a esquerda, nem a direita consegue se unificar de maneira completa, a ponto de se levantar gigante contra o outro lado e essa pulverização a gente encontra, principalmente, na esquerda. Porque historicamente, desde a metade do século XIX, que é quando a esquerda começa a se aglutinar, em pequenos grupos e aí cada uma defendendo um fato diferente, um elemento. Você por exemplo, a ala extremamente Marxista, você tem Marxismo mais voltado para o revisionismo de Rosa Luxemburgo, você tem o Marxismo que vai se transformar no Leninismo (de Lenin), no castrismo de Fidel Castro. Então você reconhece uma pulverização dessa ideia do Marxismo, do socialismo, do que vem a ser o comunismo. E por todos esses elementos você encontra uma certa dificuldade de unificação, por esses elementos particulares, especialmente no Brasil”, o estudioso ainda reforça que os padrões culturais, religiosos e ideológicos acabam por dificultar essa unificação da esquerda, por torná-la muito peculiar.

Soares rememora que o fato de criar um “discurso demonizador da esquerda”, classificando-a como pedófila, anticristã, abortista, é originado desde a metade do século XIX, pontualmente em 1948, quando acontece a “Primavera dos Povos”, em Paris, na França. “É a primeira tentativa da esquerda, primeira tentativa proletária dos trabalhadores e instalar um governo na cidade de Paris. Aí, desde aquele momento para cá você tem um esquema muito combativo, no significado dessa esquerda. Isso acontece na Europa e vai ser exportado para o mundo”, contextualizou. “Então existe um discurso acadêmico, social e até mesmo político de criar uma normalização de padrões burgueses. Tudo que não for burguês, vai ser considerado como estranho, aquele que a gente tem que escorraçar, demonizar. E a esquerda, ela tem um histórico, o último discurso de demonização da esquerda de maneira internacional, eu diria global, é a instalação do comunismo. O Brasil vai virar o comunismo, no Brasil vai se instalar o comunismo. Mas o que é o comunismo? Será que o Brasil se verteria a esse comunismo pela história que tem? Onde se tem elementos coloniais fortes e que vem de  uma monarquia absolutista que veio para o Brasil e saiu como uma classe fortalecida, porque tem uma elite que ascende dessa nobreza imperial que se instala no Estado que não estabeleceu uma pauta republicana, sem saber no mínimo qual o significado de ser República”, cravou.

Para ele, o movimento que parte das igrejas evangélicas faz ao se alinhar ao Estado, se coloca como legitimadora de suas pautas neoliberais. "Então essa demonização, essa tentativa de construção de narrativa de que a esquerda é anticristã, pedófila, abortista, é na verdade uma tentativa burguesa, uma tentativa desse Estado, desses elementos do Estado e quando me refiro a esses elementos, eu incluo as igrejas evangélics que se colocam perto do Estado (governos) e que se coloca como legitimadora estatal, de defesa desse Estado. Mas quando a gente olha para perto dessas esquerdas, a gente observa que ela é a favor do proletário, do trabalhador. Ela surge como um movimento trabalhista e continua até hoje”, avaliou.

Muito discurso, votações recordes e poucos projetos

De acordo com um levantamento do observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, apenas 62 dos 4.879 projetos propostos na pauta de costumes na Câmara foram aprovados. Desse total, só quatro são de autoria da Frente Parlamentar Evangélica.

Os assuntos mais pautados nos projetos de parlamentares da base evangélica são: processo legislativo e atuação parlamentar (49%), direito penal e processual penal (48%) e defesa e segurança (48%). Finanças públicas (44%), administração pública (31%) e direitos humanos e minorias (19%).

 

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