Após desastres, cidades tentam se preparar para as chuvas

Desde maio de 2022 as gestões municipais prometem mais segurança nas áreas de risco. Mas o que falta para que as ações sejam realmente feitas?

por Rachel Andrade ter, 14/03/2023 - 08:08
Julio Gome/LeiaJáImagens/Arquivo As chuvas levaram casa e vidas na RMR Julio Gome/LeiaJáImagens/Arquivo

A Região Metropolitana do Recife (RMR) é formada por 14 municípios e conta com pouco mais de 4 milhões de habitantes, segundo dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2021. Dentro de uma grande diversidade econômica e social, seus moradores vivem em situações distintas, compartilhando as mesmas raízes culturais. Uma característica que muitos compartilham, no entanto, é a apreensão quando se aproxima o período de chuvas no meio do ano.

Em 2022 as chuvas que atingiram a RMR causaram o maior número de mortos do século, na história do estado. Diante do cenário de calamidade vivido por tantos moradores, o LeiaJá procurou o governo do estado e algumas prefeituras para saber quais as medidas que foram e estão sendo pensadas para evitar que a população sofra mais uma vez com insegurança estrutural.

Pernambuco em alerta

O estado possui um histórico secular de desastres naturais causados por alagamentos, tempestades, rompimento de barreiras, entre outras tragédias do tipo. No entanto, conforme a Lei 12.608/2012, que regulamenta o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, os municípios são responsáveis pelo atendimento direto à população em caso de calamidade, como nos períodos de chuva. De acordo com o governo de Pernambuco, o papel da gestão estadual é prestar orientação técnica e orientá-los em suas ações.

Procurada pelo LeiaJá, a Secretaria Executiva de Defesa Civil (Sedec) declarou em nota que tem realizado visitas em todos os municípios e recebendo os planos de contingência de cada gestão municipal. A pasta também orienta acerca da inscrição das cidades no “Cadastro Nacional de Municípios com Áreas Suscetíveis a Riscos Geológicos e Hidrológicos, apoiando assim os municípios e o próprio Estado no mapeamento das principais áreas de risco”, informa.

A Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) divulgou no dia 2 de março a criação da Frente Parlamentar de Prevenção e Acompanhamento dos Efeitos das Chuvas e Enchentes em Pernambuco, e tem nove membros, entre eles a deputada líder da oposição à gestão atual, Dani Portela (PSOL).

À reportagem, Portela disse que ações precisam ser tomadas com urgência, além de ser uma questão que perpassa outras esferas da sociedade. “Ninguém escolhe morar em área de risco. Hoje Pernambuco tem mais de 120 mil pessoas desalojadas ou desabrigadas por conta da questão das chuvas. E a moradia em área de risco é resultado de uma ampla negligência do poder público diante de uma demanda histórica de moradia, justamente dos grupos mais vulnerabilizados.”, relatou a parlamentar.

Em dezembro de 2022 foi elaborado um dossiê que denunciou o descaso do poder público, além de outras problemáticas envolvendo as questões das chuvas na RMR. 

Recife

As chuvas que atingiram a RMR em 2022 causaram grandes transtornos na capital do estado. Dezenas de pessoas foram a óbito, e milhares de famílias ficaram desabrigadas e desalojadas.

Procurada pela reportagem, a Prefeitura do Recife não respondeu.

A destruição causada pelas chuvas atingiu diversas partes da cidade, principalmente nas regiões de morro, consideradas áreas de risco.

Olinda

No último dia 6 de fevereiro, uma forte chuva atingiu a RMR, com registro de 97mm de água apenas em Olinda. A tempestade atingiu residências no bairro de Águas Compridas, causando a morte de Israel Campelo dos Santos, de 19 anos, por deslizamento.

A rua onde Israel morava estava inserida em um convênio feito pela prefeitura de Olinda com o Governo do Estado de Pernambuco, para melhorias na estrutura, assinado ainda em setembro do ano passado. Até hoje nenhuma das intervenções prometidas foi realizada, apesar do investimento do Estado em cerca de R$ 13 milhões dado à prefeitura. A promessa era a realização de serviços de estabilização de taludes e encostas com a utilização de geomanta. Desde o envio da verba até o dia da chuva que levou a vida de Israel, nenhuma intervenção foi feita.

Em nota, a prefeitura de Olinda informou à reportagem que a implantação das geomantas em 94 pontos de risco terá início ainda no mês de março, a começar pela Rua Vênus, no Córrego do Abacaxi. No total, o bairro receberá 17 geomantas. Os demais bairros que também serão contemplados com a proteção são: Águas Compridas, Caixa D’Água, Alto da Conquista, Alto do Sol Nascente, Travessa da Macaíba, Avenida Senador Nilo Coelho (Perimetral), Bonsucesso, Jardim Fragoso, Carmo e Alto da Bondade.

O gabinete também informou que o plano de contingenciamento para o caso de dar suporte a moradores desabrigados ainda não foi concluído, mas que será divulgado assim que for assinado.

Segundo o vereador Vinicius Castello (PT), que também é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Olinda, o caso é de total omissão por parte da gestão executiva atual, encabeçada pelo prefeito, professor Lupércio (PDT). 

“A gente tem começado a fazer um diálogo com as secretarias porque o que a gente pode observar era que a vizinhança do local que foi atingido, além de estar preocupada, não teve o suporte necessário, a família não teve o suporte necessário. E quando eu falo o suporte necessário, eu falo de apoio psicossocial, de direcionamento para uma moradia, um auxílio que realmente pudesse dar o suporte, um contato direto com a própria gestão municipal nesse redirecionamento. E aí o que a gente observa na verdade é uma grande omissão da própria gestão, não só no atendimento direto a essa família atingida mas também de todos os arredores e familiares que estão em área de risco e que deveriam também ser direcionados.”, comentou o vereador em entrevista ao LeiaJá.

Três projetos de lei foram recentemente submetidos por Castello à Câmara, sendo um deles sobre a divulgação da relação dos inscritos nos programas habitacionais do Município de Olinda. Outro projeto visa a criação do plano municipal de informações e contingências sobre as chuvas, tendo em vista que ainda não existe um planejamento formal pronto. O terceiro projeto de lei busca priorizar a inclusão da mulher como beneficiária dos programas de habitação do município.

Camaragibe

Figurando na lista de municípios com um número preocupante de sua população vivendo em áreas de morros e encostas, a prefeitura de Camaragibe enxerga a necessidade de proteger as regiões mais vulneráveis. Uma das propostas apresentadas e colocada em prática pela defesa civil municipal é a instalação de lonas nos bairros com maior risco de deslizamento. Uma das localidade é no Areeiro, onde foi encontrado o corpo da última vítima dos deslizamentos do ano passado, no dia 3 de junho.

“Devido aos alertas emitidos pela APAC para o inverno de 2023, a gestão também está trabalhando em cima de um Plano de Contingência, reunindo diversas secretarias para traçar estratégias e ações a serem tomadas caso aconteçam inundações e deslizamentos em massa. Os moradores atingidos serão devidamente assistidos por meio da assistência social do município. Lembrando que a execução e as diretrizes do plano serão ajustadas conforme as necessidades dos munícipes atingidos”, informou por meio de nota.

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