Licença-Paternidade é também uma demanda feminina

A volta do pai ao trabalho muito cedo, além de trazer sentimentos ruins para as mães, também pode dificultar a criação do vínculo de afeto e cuidado entre pai e filho

por Lara Tôrres dom, 12/08/2018 - 11:30

O nascimento ou adoção de um bebê ou criança é um momento especial e importante para um casal. Ao nascerem, junto com a chegada das crias, pais e mães que precisam aprender a desempenhar esse novo papel em suas vidas. 

Quando se trata de filhos biológicos, além de todas as dificuldades trazidas pelo desafio de aprender a cuidar de uma criança em tempo integral, fatores como hormônios da fase de puerpério, a privação de sono e o cansaço físico também tornam os primeiros momentos de vida do bebê muito intensos. 

As mães, em especial, têm uma carga física e emocional mais pesada devido à necessidade da amamentação e às pressões sociais em torno da maternidade. Em um cenário de muitas emoções, hormônios, medos, amor e cansaço, contar com a presença do companheiro para dar conta do cuidado com a criança e com a casa é essencial para que a mulher não fique sobrecarregada. 

A volta do pai ao trabalho muito cedo, além de trazer sentimentos ruins para as mães como, por exemplo, desamparo e solidão, também pode dificultar a criação do vínculo de afeto e cuidado entre pai e filho, dificultando a volta materna à sua rotina de antes do nascimento e à sua carreira, devido à preocupação com quem cuidará dos filhos na sua ausência. 

Essa realidade faz com que a ampliação da licença-paternidade e sua equiparação com o tempo que é concedido às mães ssejam pautas amplamente defendidas pelas mulheres dentro e fora dos movimentos feministas, sendo entendida como uma forma de promover uma mudança de cultura em que pais sejam tão responsáveis pelo cuidado com os filhos quanto as mães, tornando a paternidade mais ativa e a maternidade menos pesada. 

As dificuldades de passar o dia inteiro cuidando de uma criança pequena sem a presença do pai que precisou voltar ao trabalho foram grandes e causaram sofrimento à professora universitária Bárbara Bastos tem 38 anos e dois filhos com o seu marido, Tiago Franca Barreto, de 39 anos. 

Quando tiveram o primeiro filho, Tiago conta que conseguiu tirar férias para ficar mais tempo junto à esposa e ao bebê. Já ao final da segunda gestação, da qual nasceu Olívia, que hoje tem 1 ano e 2 meses, o pai só conseguiu ficar junto à família durante os cinco dias previstos na legislação, mais o final de semana, totalizando uma semana. 

Tiago conta que o momento da sua volta ao trabalho foi difícil. “Os primeiros momentos de vida são fundamentais para criar esse vínculo com o bebê, mas acabamos nos afastando logo e já existe um grande reforço social que colabora para uma relação menos afetiva”, reflete. 

Bárbara define o momento em que passou a ter que ficar sem a companhia do marido durante o dia como sendo “terrível”. Para ela, o abalo emocional causado pelo período do puerpério (período entre o pós-parto até o retorno do corpo e mente da mãe às condições que tinha antes da gravidez) trouxeram sentimentos com que teve dificuldade de lidar.

“Me deu uma sensação de desamparo, de que ia passar privações, muito cansaço, sono, fome, porque com um bebê muito novinho a gente fica o tempo todo com as mãos ocupadas e não consegue fazer muita coisa, eu chorava quando ele [Tiago] saía para trabalhar, sentia tudo com uma intensidade aumentada pelos hormônios. Tinha uma funcionária me ajudando, mas não há a mesma intimidade para estar com ela no quarto sempre me ajudando quando eu precisava”, contou ela. 

Bárbara afirma que no que diz respeito ao apoio do pai e sua importância na retomada da carreira da mãe, saber que o pai tem plena capacidade de assumir o cuidado da criança faz com que a mulher se sinta segura para trabalhar sem se preocupar se a criança está ou não sendo bem cuidada. “Um cuidador que não pertence ao núcleo familiar mais próximo não tem a mesma responsabilidade e não necessariamente compartilha dos mesmos princípios e valores na criação. Eu sinto que com o pai eles estão bem, sem faltar nada nem materialmente nem emocionalmente e assim consigo trabalhar sem sentir que estou em falta com eles, mas isso só é possível quando existe uma parceria real com o pai das crianças, e sei que raramente é assim”, pontua.

Tiago reforça a opinião da esposa, lembrando que o mercado de trabalho e a sociedade criam dificuldades às mulheres devido à visão do que é papel de cada um, o que as prejudica profissionalmente. 

“Mulheres são preteridas de muitos empregos, porque além de licença-maternidade, é ela quem tem que tomar conta do filho na doença, não pode viajar por isso. Quanto mais nos envolvemos com tarefas rotineiras de dar banho, colocar fralda, roupa e colocar pra dormir, mais criamos segurança, então se houvesse uma divisão melhor dos cuidados com os filhos, além do pai poder exercer mais ativamente sua paternidade, a mãe poderia ter uma tranquilidade maior para recomeçar sua vida profissional”, afirma. 

Para Bárbara, o período curto e discrepante de licença para pais e mães tem um fator cultural machista como pano de fundo. 

“Acho que a lei é reflexo do machismo de nossa sociedade, eu gostaria que as famílias pudessem decidir, de acordo com suas possibilidades e preferências, quanto tempo de licença ficaria pra mãe e para o pai. As mulheres não querem nem podem, em sua maioria, dedicar suas vidas integralmente a cuidar da casa e dos filhos, a solução é que existam pais ativos em seus papéis, seria melhor para todos os envolvidos que os pais assumissem suas responsabilidades”, afirmou.

Paula Ferreira Batista, de 39 anos, trabalhava como assistente social, hoje é dona de casa e tem dois filhos com o seu marido, que já foi professor, trabalha como pastor e empresário e, no nascimento de ambos os filhos, tirou um mês de férias. A falta de apoio de outras pessoas além do marido, no entanto, fez com que tudo ficasse muito difícil para Paula quando ela teve que ficar o dia inteiro sozinha com o bebê, levando a um quadro de depressão pós-parto. 

“Não tive retaguarda de absolutamente ninguém da família, amigos ou empregados, quem criou junto comigo foi o meu marido. Depois que ele não podia mais ficar tive depressão pós-parto porque eu tinha que amamentar, dar conta do bebê, da minha própria comida e atividades domésticas. Não conseguia curtir a maternidade, sentia vontade de morrer, vivia chorando e lamentando, não tinha vontade de sair e como esposa negligenciei o marido, criei muito atrito. Também tive anemia por isso, pois não conseguia cuidar de mim”, contou ela.

Já com o nascimento do segundo bebê, por estar “mais calejada”, as coisas correram com mais paz, segundo Paula. Perguntada sobre de que maneira ela poderia ter tido uma primeira experiência materna menos conturbada, ela responde que “se ele [o pai] ficasse os 3 primeiros meses da vida do bebê seria o ideal para mim, principalmente no primeiro filho, quando é tudo muito novo porque está nascendo uma mãe também”. 

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