Um ano de pandemia e os desafios do ensino remoto
Entre as diversas dificuldades para conseguir acompanhar as aulas virtuais, os estudantes, familiares e professores tentam se adaptar ao modelo de ensino a distância
O Brasil despertou um novo olhar para a educação, uma vez que a realidade de milhares de estudantes continua sendo fortemente impactada pelo ensino remoto - que cresceu exponencialmente por causa da pandemia do novo coronavírus. Entre os diversos desafios para conseguir acompanhar as aulas virtuais, os estudantes, familiares e professores reclamam da falta de acesso à internet, de um local adequado para estudar, e da falta de motivação dos jovens nos estudos.
A Fundação Lemann, junto com o Itaú Social e Imaginable Futures, encomendou, ao Datafolha, uma pesquisa para saber sobre o cenário da educação no Brasil durante a pandemia em 2020. O mapeamento constatou que um dos principais desafios que devem ser enfrentados é a baixa motivação dos estudantes. Em maio, 46% se sentiam desmotivados, já em setembro o número subiu para 54%.
A pesquisa realizada com 1.021 pais ou responsáveis por alunos das redes públicas municipais e estaduais, com idade entre 6 e 18 anos, ainda revelou que no período de maio a setembro, a dificuldade de estabelecer uma rotina de aprendizagem em casa passou de 58% para 65%. Nos anos iniciais chega a 69%.
Adaptações ao novo normal escolar
Com apenas 12 anos, Yasmin de Souza Silva, estudante do oitavo ano do ensino fundamental de uma escola particular em Paulista, Região Metropolitana do Recife (RMR), afirma que não conseguia se concentrar nas aulas remotas e passou por desafios. “Eu não conseguia me concentrar direito. A minha maior dificuldade de estudar on-line também foi a internet, que não era tão boa. Hoje eu já estou indo para as aulas presenciais, porém o que eu mais sentia falta era de estar com os meus professores e amigos”, conta.
Lidar com as tecnologias, redes sociais e plataformas digitais foi muito difícil para a pequena, mas ela sabia que precisava se adaptar. Jessica da Silva, mãe da estudante, comenta que "uma das maiores dificuldades que nós enfrentamos foi a adaptação à tecnologia porque literalmente tivemos que aprender a lidar com as ferramentas e isso mexeu muito com ela. No começo parecia ser tranquilo, mas depois de um período eu acredito que ela desenvolveu um pouco de ansiedade por medo de não dar conta. Inclusive, no final do ano letivo, ela teve até dificuldade porque faltou energia e ela não conseguiu entregar algumas provas”, comentou.
Assim como muitos estudantes, Yasmin tinha que dividir o material de estudo com sua irmã. Quando o computador apresentava problemas, elas tinham que revezar o celular. A mãe das meninas diz: “A gente foi se adaptando e conseguiu. Este ano, elas já retomaram às aulas presenciais. Eu optei porque sentia a necessidade delas terem esse contato escola-aluno e eu acho que seria a melhor opção, já que na escola o ambiente é mais controlado e a quantidade de alunos não é a mesma.”
Foto: Cortersia
Este ano, a estudante Maria Elisabethe Oliveira, de 15 anos, moradora de Sanharó, Agreste de Pernambuco, encara o primeiro ano do ensino médio de forma híbrida (tanto presencial quanto on-line). A jovem revela, ao LeiaJá, que é difícil se adaptar ao ensino remoto por não ter um professor ou até mesmo um colega por perto para ajudar. “Todo ambiente escolar faz falta, e para ser sincera, de início deu vontade de desistir, mas depois fui me adequando à rotina", explica.
Tradicionalmente, Maria Elisabethe, assim como milhares de alunos, costumava frequentar as instituições de ensino e assistir às aulas presenciais. No entanto, devido à chegada da Covid-19 no Brasil, em meados de março de 2020, esses estudantes tiveram que obrigatoriamente se adaptar ao ensino remoto. As salas de aula que costumavam estar cheias de adolescentes interagindo, agora estão na tela dos computadores ou celulares, o que não agradou tanto aos jovens.
Conforme o levantamento realizado pela Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), mais de 72% dos estudantes reprovaram a qualidade do ensino virtual. Do total de entrevistados, 20% afirmaram que a qualidade se manteve e apenas 7% notaram uma melhora no ensino remoto comparando com a modalidade presencial.
O estudo ouviu, ao todo, mais de 5,5 mil pais, alunos e professores entre os dias 24 de agosto e 15 de setembro de 2020. Entre os principais obstáculos do ensino remoto, os estudantes relatam a dificuldade em estabelecer e organizar uma rotina diária, o excesso de materiais em curto espaço de tempo e a péssima qualidade da internet.
Maria Elisabethe detalha quais foram os desafios que encontrou no ensino remoto: “Primeiramente, o celular. Não tenho um aparelho de "última geração" porque não tenho condições. Nem sempre eu podia fazer alguns trabalhos por falta de armazenamento, ou até mesmo porque a internet caía. O ruim das aulas on-line foram: não ter um professor para entrar em contato; nem todos os professores se importavam com os alunos; não tínhamos tudo que era necessário e nem podíamos ter contatos com outros amigos para ajudar”, elenca.
Entre as adaptações, a jovem pontua que estabeleceu uma rotina diária, com tarefas de casa e atividades escolares. Porém, ela comenta que “é difícil ser adolescente. Ter que ajudar os pais em casa, ter que estudar e, ainda, ter que estar 100% bem. É certo que muita saúde mental foi por água abaixo nesta quarentena”, constata a jovem.
Verônica Cristina Barbosa, de 23 anos, graduanda em jornalismo na UNINASSAU - Centro Universitário Maurício de Nassau, também revela, em entrevista, os diversos problemas e desafios enfrentados neste período pandêmico para se adaptar ao ensino remoto. “A coisa que mais se destaca é o ambiente. Onde moro não há silêncio, é barulho de domingo a domingo. Eu estudo no período da manhã e tenho que trocar de horário. Além disso, como estou em ano de TCC, as coisas ficam ainda mais apreensivas e triplica a ansiedade por causa do ensino remoto”, conta.
A estudante diz o quão difícil é se concentrar nas aulas virtuais: “Focar também não é muito amigável com o ensino remoto. Por usar a internet, tudo fica mais dispersivo. No semestre passado, passei uma semana com meu grupo ensaiando uma apresentação, na noite anterior o poste da rua pegou fogo e quase fiquei sem apresentar. Agora que as aulas voltaram, o poste da central da internet também pegou fogo, passei a semana com a internet caindo no meio da aula e só chegando de noite. Em suma, o ambiente e as questões tecnológicas além de não serem tão favoráveis têm seus imprevistos”, pontua.
Para se adaptar, Verônica tenta conseguir delinear cada tarefa. “Tentei fazer uma lista e ter um quadro para se organizar, mas cada dia as coisas aparecem para se resolver.” Ela comenta o que deseja fazer este ano para dar conta das aulas remotas: “Conseguir ter uma qualidade melhor de concentração durante a aula é o que gostaria”, conclui.
Através dos olhos docentes
Elisama Gonçalves, professora do ensino fundamental I na Escola Municipal Margarida Serpa Cossart, localizada no bairro do Ibura, Zona Sul do Recife, conta, em entrevista, que sentiu o impacto do ensino remoto obrigatório e lamenta os desafios que muitos alunos e familiares encontram para se adaptar a esse modelo de educação. Confira, abaixo, o relato da docente.
“Passada a primeira surpresa da suspensão das aulas, a princípio, temporariamente, veio a sensação de incertezas e impotência. Incerteza por não estarmos preparados desde o princípio para um período tão longo de afastamento e a impotência por não estarmos preparados para a novidade que atingia e abalava o mundo. No começo era só uma suspensão de 15 dias, mas depois se passaram meses. A gente chegou ao final do ano letivo na rede municipal do Recife, no dia 29 de janeiro”, disse.
“Houve muito contratempo entre a classe dos professores. A dificuldade não foi encontrada só nos alunos, mas também nos profissionais que não dominavam tanto as mídias sociais e não sabiam o que fazer. Além disso, as famílias ainda encontraram desafios, como o celular não era compatível, o provedor de internet inexistente ou muito franco, e, ainda, aqueles que dependiam exclusivamente dos dados móveis da própria operadora”, explicou.
“O feedback de tudo isso era muito indesejável porque nem todos participavam da aula naquele horário já estabelecido para interação e ainda havia acúmulo de atividades. Havia mães que só tinham tempo de fazer as atividades à noite ou no final de semana e, por isso, não postavam no tempo certo. Muitas enfrentaram doenças dentro de casa por ter um familiar mais idoso. A situação de baixos recursos da comunidade complicou muito. Os alunos que já eram bons, continuaram bons, os alunos que tinham dificuldades, continuaram com muitas dificuldades. O maior impacto foi justamente a questão dos recursos midiáticos que as famílias não tinham", lamentou.
“Além disso, houve um enxugamento dos assuntos. Foram selecionados os conteúdos de maiores relevâncias para aprendizagem dos alunos em cada ciclo e esse processo aconteceu muito lentamente, mas depois que a gente pegou o ritmo, ele fluiu de forma bem menos dolorida e mais acessível”, finalizou a educadora.