Morte de adolescente em programa de proteção gera debate

Após o fato, o deputado Edilson Silva pediu a exoneração do secretário de Justiça e Direitos Humanos

por Jorge Cosme sex, 08/04/2016 - 15:39
Paulo Uchôa/LeiaJáImagens/Arquivo 'Este crime é um reflexo da falta de diálogo do secretário com a sociedade civil', afirmou Edilson Silva Paulo Uchôa/LeiaJáImagens/Arquivo

No último sábado (2), um adolescente de 15 anos foi assassinado a facadas na Ilha de Itamaracá, na Região Metropolitana do Recife (RMR). A vítima fazia parte do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) desde o dia 26 de fevereiro e havia deixado a cidade de Alagoinha, no Agreste, já para não ser assassinado.  

Esta é a primeira morte de uma pessoa incluída no PPCAAM nos seus oito anos de existência em Pernambuco. Para muitos, o crime revela uma fragilidade do Estado em dar o devido acompanhamento a estas pessoas.

Na última quarta-feira (6), na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), o deputado estadual Edilson Silva (PSOL) exigiu a exoneração do secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico. “Ele [Pedro Eurico] é um secretário ausente. Este crime é um reflexo da falta de diálogo do secretário com a sociedade civil. Houve negligência”, disse o deputado ao Portal LeiaJá

Não há informações se a morte do adolescente está relacionada ao motivo pelo qual ele entrou no PPCAAM; há suspeitas de que ele estaria envolvido com a criminalidade local. O conselheiro tutelar e militante dos direitos da criança e adolescente André Torres classifica como lastimável a morte de um adolescente que devia estar sendo protegido pelo governo. “Houve negligência desde o momento do assassinato até o sepultamento. Se ele está no programa é preciso monitoramento. Se o jovem cometeu alguma desobediência, então tinha que ser desligado do programa ou advertido, receber alguma orientação”, opina Torres.

A menção ao sepultamento do adolescente, citado por Torres, se deve a uma denúncia feita pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) de que, além de ter sido assassinado dentro do programa de proteção, a vítima foi enterrada como indigente. O administrador do cemitério de Alagoinha teria revelado a um integrante do Gajop que o adolescente havia sido enterrado na terça-feira (5) sem a declaração de óbito. O documento só teria sido expedido no dia seguinte, na quarta-feira (6). “Este documento ter saído apenas no dia seguinte é um procedimento, no mínimo, não cuidadoso. Isso demonstra falta de cuidado e respeito. Esta família, estando no programa, conta com o Estado, que teria responsabilidade de cuidar de todo este trâmite”, critica a coordenadora executiva do Gajop, Deila Martins. 

Para André Torres, também chama atenção o fato de o adolescente ainda não possuir o documento de identidade. “A primeira medida num programa como esse é a identificação da pessoa. Eu, como conselheiro tutelar, pergunto primeiramente pelo documento da pessoa”, destaca. A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos rebateu, alegando que o assassinado não foi enterrado como indigente. “O sepultamento foi realizado de forma digna, com a certidão provisória, expedida pelo IML, com o nome do adolescente, identificação dos pais e registro de identidade, além de endereço residencial”, diz trecho da nota.

A secretaria também destaca que o Estado articulou junto ao município de Alagoinha o transporte do corpo para o sepultamento, além de prestar apoio à família, que contou com escolta da Polícia Militar para comparecer à cerimônia. Segundo a pasta, a família do menor de idade já foi transferida para um novo local de proteção no dia do crime e recebeu uma visita de acompanhamento no domingo (3). 

A nota da secretaria lembra também que a equipe do programa de proteção realizou acompanhamento semanal da família, conforme documentário do Diário de Campo, assinado pela própria família. O adolescente e seus irmãos já estavam frequentando a escola e durante este período a família não teria denunciando ameaças. A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos está acompanhando o caso, que está sob a responsabilidade da Divisão de Homicídios da Região Metropolitana. 

Organização Social – Outra crítica que vem sendo tecida nesta história é com relação à empresa que executa o projeto. De 2007 a 2014, o programa era executado pela ONG Tortura Nunca Mais e em 2015, pelo Gajop.  Neste ano, assumiu uma Organização Social (OS). “No final de dezembro, o governo decidiu direcionar este serviço para uma organização que não é reconhecida como de defesa dos direitos humanos”, aponta Deila Martins, do Gajop. Ela lembra ainda que o Estado deu apenas 24 horas para o Gajop fazer todo o procedimento de entrega do programa e acusa a medida de ser uma retaliação pelo fato do gabinete ter pedido para se desligar do programa de proteção de a vítimas, testemunhas e familiares de vítimas de violência (Provita). Em 2015, o PPCAAM protegia cerca de 25 adolescentes.  

“Essa OS não é uma entidade de direitos humanos. Entre os serviços que ela desenvolve está administração e estacionamento de aeroporto. Não é uma coincidência que uma vítima de perseguição, que está sob a tutela do Estado, seja assassinada”, acusa Edilson Silva. 

O conselheiro tutelar André Torres cogita denunciar ao Ministério Público que a OS também não tem o registro necessário para executar este tipo de trabalho. A Coordenação Geral do Conselho Tutelar do Recife, do qual Torres faz parte, emitiu um posicionamento revelando ter recebido em janeiro denúncia de que a organização não estava regularmente registrada no Conselho Municipal do Direito das Crianças e Adolescentes (COMDICA) do Recife, o que seria obrigatório conforme a Lei Federal 8.069/90, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O LeiaJá entrou em contato com a OS, que não terá o nome divulgado por uma medida de segurança, e ela apenas informou que os posicionamentos são dados pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. 

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