Sertanejos protestam contra a construção de usina nuclear
Articulação Sertão Antinuclear critica proposta do governo federal do investimento em energia nuclear e teme riscos de acidentes que afetaria a população nordestina e o Rio São Francisco
Com receio de que o Sertão pernambucano possa ser território para a instalação de usinas nucleares nos próximos anos, a Articulação Sertão Antinuclear organiza uma caminhada neste sábado (15), a partir das 5h, em oposição ao projeto nuclear do governo federal.
O percurso do protesto tem início no município de Mirandiba, passando por Carnaubeira da Penha e Floresta, até chegar em Itacuruba, todas cidades do Sertão de PE. No domingo (16) será realizado um grande ato contra a instalação da usina nuclear, em frente à Igreja Matriz Nossa Senhora do Ó, a partir das 8 horas.
A Articulação Sertão Antinuclear é composta por diversas comunidades e povos tradicionais da região, além de organizações e movimentos sociais que lutam em defesa dos territórios locais e seus costumes. O grupo é contra a possibilidade da construção de usinas nucleares na cidade de Itacuruba, distante há quase 500 quilômetros do Recife, às margens do rio São Francisco.
Trecho marcado em vermelho sinaliza a área da cidade de Itacuruba, no Sertão de Pernambuco. Foto: Google Maps
Um estudo feito pela empresa Eletronuclear havia indicado um potencial para construção de até 6,6 mil megawatts (MW) de usinas nucleares na cidade. Cada usina teria investimento mínimo de R$ 30 bilhões. A secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME) informou que o Plano Nacional de Energia 2030, em elaboração pelo MME e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), deve indicar a construção de novas usinas nucleares no Brasil, além de Angra 3.
Cláudia Leal é uma das organizadoras da "caminhada antinuclear" e destaca que os sertanejos precisam abrir os olhos e lutar contra a implantação desse empreendimento. "As pessoas precisam entender que isso não traz benefícios nenhum para a população local. Nós temos muito sol, vento e outras fontes para a produção de energia limpa. Esse projeto não vai edificar a cidade como o prefeito da cidade diz por aí. Um exemplo simples é que não temos mão de obra qualificada para atuar nesse ramo e por isso nenhum trabalhador daqui seria contratado", explicou a integrante da Associação Provida. A reportagem telefonou para o gabinete do prefeito de Itacuruba mas não as ligações não foram atendidas.
Um dos pontos levantados pelo padre Luciano Aguiar, que reside em Floresta, cidade também localizada no Sertão de Pernambuco é que o risco da usina nuclear é muito grande. "Se acontecer algum acidente o impacto atingirá Pernambuco inteiro, além dos efeitos radioativos graves. Não queremos isso aqui, esse empreendimento é politicagem e manutenção de royalties. A última coisa que queremos é um desastre ambiental e a retirada das nossas comunidades ribeirinhas de suas moradias", avaliou o religioso, que também participará da caminhada.
Segundo o censo 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Itacuruba possui uma população de 4 643 habitantes, sendo o segundo menor município em população do Estado, atrás apenas de Ingazeira. No município de Itacuruba estão inseridos três povos tradicionais, sendo eles a comunidade quilombola de Poço dos Cavalos, a comunidade quilombola Negos do Gilu, e o povo indígena Pankará, da Aldeia do Serrote dos Campos.
No site da Eletrobras (Eletronuclear) um texto sobre o empreendimento aponta o Nordeste como prioridade na construção das novas usinas. "O Plano Nacional de Energia 2030 (PNE 2030) estabeleceu que o Brasil precisará expandir a oferta de energia nuclear em mais 4 mil megawatts (MW) até o final do período. Desse total, 2 mil MW estão previstos para o Nordeste e mais 2 mil MW, para o Sudeste. Com base nesse planejamento, a Eletrobras Eletronuclear deu início à seleção de locais candidatos para abrigar as futuras centrais nucleares nacionais", diz trecho do documento.
A empresa argumenta que utilizou técnicas de sistemas de informação geográfica, mapeou as regiões a partir de imagens de satélites e utilizou dados sobre meteorologia, sísmica, população e possíveis fontes de água existentes nos locais pesquisados que poderiam ser usadas para refrigeração do reator.
Simulação de central nuclear com seis reatores que poderá ser construída. Foto: Eletronuclear
Apesar de não existir uma negociação sólida e transparente por parte do governo federal e a gestão local, os sertanejos se antecipam e se unem para mobilizar a sociedade civil do risco de uma usina nuclear para o desenvolvimento energético do país.
"Não sabemos em que pé anda a proposta oficial. Mas a gente tem consciência de que o prefeito quer essa usina aqui e busca apoio de deputados de Pernambuco para tocar o projeto. Mas eles não se preocupam com a vida pacata da cidade, essas pessoas precisam da água para se manter e qual a segurança que teremos com uma usina nuclear? E para onde vão os resíduos disso? Como será a vida dos ribeirinhos, quilombolas e ingígenas?", questionou Cláudia, que apontou o desastre de Chernobil como principal motivação para ser contra o empreendimento.
O acidente nuclear citado foi catastrófico e aconteceu entre 25 e 26 de abril de 1986 no reator nuclear nº 4 da Usina Nuclear de Chernobil, perto da cidade de Pripyat, no norte da Ucrânia Soviética.
Qual o custo-benefício do projeto?
O físico e especialista em energias Heitor Scalambrini aponta que o maior risco de uma usina nuclear é o vazameno de material radioativo do interior para o exterior. "Quem faz pesquisas na área sabe que é difícil acontecer esse tipo de vazamento, mas como toda obra de engenharia não existe o risco zero. O alerta da população sertaneja é preventivo para evitar um dos piores desastres que podem acontecer na superfície terrestre", explicou o pesquisador e professor da Universidade Federal de Pernambuco.
Para ele, a proposta de instalação nas margens do Rio São Francisco é muito perigosa por todo potencial que o velho chico oferece ao Brasil. "O rio serve a mais de 20 milhões de pessoas, 600 município e seis estados. Um desastre poderia acabar com o nordestino", disse. Scalambrini também citou que a tendência mundial é não utilizar a energia nuclear pelo risco e alto custo.
O professor destacou que países como a Alemanha e Itália já deram grandes passos para não utilizar essa fonte energética. "O Brasil não precisa das usinas nucleares para garantir a segurança energética da população. Para se ter uma ideia , hoje temos duas usinas nesse sentido no país e elas são responsáveis por menos de 1% do que geramos no país. É ínfimo e o custo não se sustenta", criticou Heitor Scalambrini.
Em 32 anos de operação, a Itaipu Binacional é líder mundial em produção de energia limpa e renovável. Com 20 unidades geradoras e 14.000 MW de potência instalada, fornece cerca de 17% da energia consumida no Brasil e 75% no Paraguai. Fotos Públicas/Divulgação
A legislação estadual veda a instalação de usina do tipo. De acordo com o atigo 216 da constituição pernambucana "fica proibida a instalação de usinas nucleares no território do Estado de Pernambuco enquanto não se esgotar toda a capacidade de produzir energia hidrelétrica e oriunda de outras fontes", trecho retirado do documento de acesso público.
O Brasil possuí 12% da água doce superficial da Terra, tornando-se o país com uma das maiores redes fluviais, contando com 12 bacias hidrográficas. As cinco principais usinas hidrelétricas são Usina Hidrelétrica de Itaipu (Paraná) , Usina Hidrelétrica de Belo Monte (Pará), Usina Hidrelétrica São Luíz do Tapajós (Pará) e Usina Hidrelétrica de Tucuruí (Pará) e Usina Hidrelétrica de Santo Antônio (Rondônia). Juntas são responsáveis por produzir cerca de 70% da energia disponível para consumo no Brasil, ou seja, é a principal geradora de energia no país.
"Aqui não precisamos de usinas nucleares, temos outras fontes menos poluentes e que produzem menos riscos. Um ponto importante que a população saiba é que além dos riscos sociais e ambientais, investir na usina nuclear vai aumentar ainda mais a conta de energia do brasileiro. É caminhar na contramão", concluiu o pesquisador.