MPPE investiga abusos da PM em shows do Carnaval

Corporação é acusada de ameaçar artistas que cantavam músicas de Chico Science & Nação Zumbi e de subir no palco para encerrar show

por Jorge Cosme ter, 03/03/2020 - 12:43
Arthur Souza/LeiaJáImagens/Arquivo PM diz não haver qualquer proibição de música no Carnaval Arthur Souza/LeiaJáImagens/Arquivo

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) instaurou um inquérito civil para investigar as denúncias de abusos da Polícia Militar (PM) em shows durante o Carnaval deste ano no Recife. A corporação é acusada de ameaçar artistas que tocavam músicas de Chico Science & Nação Zumbi, como “Banditismo por uma questão de classe”, que traz em sua letra o trecho “em cada morro uma história diferente/ que a polícia mata gente inocente."

O primeiro caso ocorreu no domingo (23) com a banda Devotos, do vocalista Cannibal. Segundo a banda, era realizada uma apresentação no polo do bairro da Várzea, na Zona Oeste do Recife. O grupo tocou a música “Luz da Salvação”, que tem trechos de “Banditismo por uma questão de Classe”. De acordo com nota do Devotos, a PM teria procurado a equipe da banda, informado não ter gostado do conteúdo das letras e ameaçado prender Cannibal caso o show continuasse citando a polícia. “O show continuou, eles não subiram no palco e nem tocaram na banda, mas a ameaça foi feita”, assinalou o grupo.

Na segunda-feira (24), a banda Janete Saiu para Beber tocou na Rua do Apolo, no Recife Antigo, área central da capital. De acordo com a banda, as músicas de Chico Science & Nação Zumbi “Sangue de Bairro”, “Monólogo ao pé do ouvido” e “Banditismo por uma questão de classe” irritaram alguns policiais presentes, que questionaram a produção do evento sobre o teor das canções. Os militares teriam exigido o fim do evento, dizendo “Não pode tocar Chico Science. Chico é som de briga. Não pode tocar.”

A terceira situação ocorreu no show de China, na terça-feira (25), na Lagoa do Araçá, bairro da Imbiribeira, Zona Sul do Recife. O artista contou que a polícia subiu no palco para tentar encerrar o show. A justificativa dada seria que a apresentação já tinha estourado o tempo. A empresária do artista disse ao LeiaJá que o início da apresentação atrasou por conta da própria programação local. A empresária e a produtora conseguiram convencer a corporação a não encerrar o show.

Segundo o Ministério Público de Pernambuco, o caso pode se tratar de violações dos direitos humanos à cultura, à liberdade de expressão e artística dos músicos. O órgão notificará para esclarecimentos: representantes das bandas, secretário de Defesa Social (SDS), comandante geral da PM, diretor de Planejamento Operacional da PM, secretarias de Cultura estadual e municipal, Fundação de Cultura da Cidade do Recife e Fundarpe, secretarias de Direitos Humanos estadual e municipal, representantes dos conselhos de cultura e de direitos humanos estadual e municipal e representantes dos movimentos sociais ligados aos direitos culturais.

O MPPE também solicitou que o Comando Geral da PM envie em 10 dias a relação nominal dos policiais militares escalados que aturam nos dias e horários das apresentações artísticas das denúncias. A relação deve apresentar nome, matrícula, posto ou graduação e Organização Militar Estadual (OME) do policial.

A Secretaria de Defesa Social será requisitada a apresentar no prazo de 10 dias informações sobre eventual procedimento disciplinar instaurado e as providências adotadas. Também no prazo de 10 dias, a Fundação de Cultura da Cidade do Recife deverá informar se os referidos artistas integraram oficialmente a programação do Carnaval e apresentar os contratos firmados. A portaria do MPPE é assinada pelo promotor Westei Conde y Martin Júnior.

A PM já se manifestou sobre as ocorrências. A corporação disse não haver qualquer proibição à exibição de música durante o Carnaval ou qualquer época do ano. A polícia afirmou apenas orientar a suspensão de blocos que tenham estourado o tempo previsto para o desfile, por causa do planejamento operacional. "Deixar que a festa prossiga sem a presença de policiais colocaria em risco a segurança de todos", destacou em nota.

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