Corrupção e o jogo de empurra entre governo e empreiteira

Especialistas analisam a relação de corrupção entre poder público e privado e pontuam as facilidades de burlar a lei e a maturidade da sociedade em meio a escândalos de corrupção

por Élida Maria sex, 22/05/2015 - 18:03

Vista como “roubo” aos cofres públicos, a corrupção está no alvo de críticas no meio político, da sociedade e até das manifestações de ruas. A prática ilegal veio à tona nos últimos anos com o esquema no mensalão, e recentemente, com a corrupção da Petrobras, mas, na análise de cientistas políticos, o jogo entre empreiteiras e governo faz parte da cultura do país.

“Essa relação entre as empreiteiras e o governo, isso ocorre em todo o mundo, e sempre foi aberto para corrupção porque envolve mecanismos que tem maior facilidade de burlar”, observou o cientista político e professor da UFPE, Ernani Carvalho. “Quando você vai contratar uma empresa que execute algo muito técnico e específico, o grupo de empresas concorrentes é pequeno, e neste caso, é muito fácil de presumir se haverá um jogo político. Isso ocorre em todo o mundo, mas em alguns países há um controle maior de forma que o “bolo” seja dividido e evite a corrupção”, completou.

Segundo Carvalho, no Brasil a prática é muito usual em esferas públicas distintas. “Aqui e ali você percebe casos denunciados pelo Ministério Público de empreiteiras envolvidas com esquemas de corrupção em prefeituras, estado e na própria União. Não dá para tapar o sol com a peneira e não foram poucas as empreiteiras que assumiram que isso é corriqueiro”, observou.

De acordo com a cientista política Priscila Lapa à falta de transparência auxilia o processo de corrupção. "Essa relação tem haver com a cultura política do país que faz essa relação entre empresa o governo e jogos de interesses privados. Em principio, não teria nenhum problema essa relação porque em outros países isso é muito transparente, como é o caso das PPP’s. Só que no Brasil isso tomou um rumo de patriotismo, do jogo político, e não é por falta de lei, mas é mais uma questão de prática e não da lei. Se olharmos a contribuição dessas empreiteiras é importante para o desenvolvimento do país, mas o poder gera todo esse processo com toda força no Brasil", avaliou.

Muitas empresas alegam serem pressionadas e “corrompidas” por políticos, mas de acordo com o especialista, existe uma premissa básica quando se refere à corrupção. “Corrupção sem corruptor e corrompido não existe. Um depende do outro e não se pode negar o conhecimento da lei. Depois que se infringiu a lei e sabe que não pode, mesmo que entrem no jogo por questões econômicas, os dois estão equiparados no desrespeito ao erário público. Ele não tem menos culpa no cartório. Agora, a grande questão é como se deu este processo, porque os setores públicos dizem que são procurados e assediados. É um jogo de empurra”, definiu Carvalho.

Semelhante ao especialista, Lapa, também acredita que não há inocentes nesta relação. "Está tudo envolvido porque a corrupção é sempre uma relação de quem corrompe e de quem é corrompido. Se tem um lado frágil, este lado é o cidadão. Mas, se olharmos de maneira bem objetiva, as empreiteiras tem total interesse dos recursos públicos. Elas para isso financiam campanhas, e têm uma relação de promiscuidade. Não tem ninguém inocente, só a sociedade”, pontuou.

Para Ernani Carvalho, esse tipo de relacionamento ‘extraoficial’ em que o governo que contrata, ou as pessoas que contratam, termina recebendo ‘presentes’ dos prestadores de serviços está presente na cultura da sociedade. “Nós temos o costume de presentear um médico que atende bem por exemplo. Existe uma gentileza, mas em outras culturas não existe isso, e a gente sempre atravessa um pouco mais e isso passa a ser transportado de outras maneiras”, exemplificou, trazendo o debate para aspectos maiores. “Agora, claro que entre governo e empreiteiras isso tem uma relação imoral, ilegal e antiética. O que está em jogo ali não é o seu dinheiro, mas o recurso público e no fundo, está em jogo à eterna luta em saber os limites do público e do privado e em algum momento isso deixa de ser privado e passa a ser público”, contextualizou. 

Questionado se a corrupção afeta a credibilidade da política na visão da população, o cientista reforçou que os políticos são uma derivação da sociedade. “Se os políticos são corruptos, é porque em grande medidas, as pessoas que fazem parte desta sociedade também são corruptas. Quando um eleitor pede em troca de seu voto um saco de cimento ou uma dentadura isso também é corrupção”, destacou.

Por outro lado, Carvalho frisou a insatisfação das pessoas devido à corrupção no país. “Agora, é óbvio que, existe uma parcela da população que eu considero que é maior, e está indignada, e essa indignação começa a criar contornos de repulsas e passam a ser cobradas, mas a corrupção existe desde quando as pessoas furam filas, desrespeitam o estacionamento de pessoas com deficiência ou sobornam o guarda de trânsito. Isso está presente no nosso cotidiano. Mas eu vejo uma insatisfação oriunda de uma classe média que repulsa esse tipo de ação. Isso parece positivo porque encaram isso como um mal a ser combatido”, completou. 

Na visão de Priscila Lapa, a incredibilidade da sociedade já existe há algum tempo e a corrupção vem a colaborar para o aumento desta percepção. "Na verdade, reforça um processo que já existe. Se a gente pegar todas as pesquisas mundiais veremos que isso também reflete na nossa cultura. A gente gerou este descrédito", avaliou. Apesar desse aspecto, a cientista consegue ver pontos positivos. "Apesar que eu vejo também um lado positivo: a gente está amadurecendo neste processo de investigações, de cumprimento de leis e isso significa o remédio que a gente estava precisando, e a partir de agora, a tendência é que a sociedade seja mais atenta e que a gente tenha mais atenção”, ressaltou.

 

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