Sem competitividade, PT fragmenta de vez a esquerda
Com a diferença de quase 100 mil votos, a vitória de João Campos no Recife deu uma sobrevida ao PSB à nível nacional e afundou ainda mais o PT no isolamento político
Nitidamente fragmentada em Pernambuco, a esquerda conseguiu eleger o prefeito do Recife, João Campos (PSB), neste domingo (29), mas sofrerá as consequências da disputa. O resultado definiu o racha ideológico, já exposto durante a campanha. Antes aliado, o PT perdeu seu protagonismo em todos os recortes, o que lhe impôs o papel de oposição à atual gestão.
Embora as pesquisas dividissem as intenções de voto em 50%, a cientista política Priscila Lapa entende que o resultado no Recife não surpreendeu, visto que o PT acumulou derrotas nas capitais do país. "Isso não foi surpresa, sabe? Ele já vinha nesse movimento de perda de estrutura política e de capital eleitoral desde 2016, passou pela derrota em 2018 e agora ele sequer conseguiu ter candidatos competitivos nos grandes centros urbanos", afirmou, ao apontar que a legenda impôs concorrência apenas em Pernambuco e no Espírito Santo.
Na visão da especialista, o enfraquecimento ainda é reflexo dos desgastantes casos de corrupção e da tentativa de se reafirmar sem coligações. Tal condição permitiu que partidos "menos radicais" da ala ideológica, como o PDT, PDB e PSOL, adotassem o discurso antipetista. "O PT perdeu uma conexão com a agenda da sociedade e o voto da classe C. Ele trabalhou políticas de inclusão no processo produtivo, nas universidades e achou que para sempre haveria uma fidelidade desse eleitor", analisou.
Para o cientista político Arthur Leandro, "a campanha de 2020 no Recife pode ter gerado sequelas que inviabilizam a renovação da chapa PT/PSB, que reelegeu Paulo Câmara em 2018". Dessa forma, a 'oficialização' do racha foi evidenciada, por isso ele espera que o PT entregue os cargos dentro do Governo do Estado, visto que a própria candidata Marília Arraes indicou uma nova oposição em Pernambuco.
Considerado o principal reduto da esquerda no Nordeste, a vitória no Recife representa uma sobrevida ao candidato vencedor. "O PSB dependia totalmente da eleição de João Campos no Recife para tentar não ser rebaixado à 'terceira divisão da política nacional'. Digamos que era o jogo do rebaixamento para o PSB", comparou o especialista.
Implodido no cenário local e nacional, o PT catalisou o sentimento de revolta e cansaço do eleitorado. Neste cenário, as urnas favoreceram aos candidatos do Centrão, composto por partidos sem grande inclinação ideológica, "indicando que a tradicional divisão em esquerda e direita tem se mostrado insuficiente para explicar a dinâmica eleitoral do Brasil", assegurou o cientista político.
Frente ao sucesso da aliança PDT/PSB /PCdoB, Leandro indica que possivelmente haverá mais de uma candidatura da esquerda nas eleições presidenciais de 2022. Ele aponta que, embora derrotado, Guilherme Boulos (PSOL) conseguiu mobilizar o eleitorado de São Paulo e ganhou visibilidade como porta-voz contra o bolsonarismo. Por isso, "existe a possibilidade do PSOL ser uma alternativa competitiva nas eleições", complementou.