Dia do Orgulho: a força LGBTQIA+ na política de PE

Neste dia 28 de junho, o LeiaJá conversou com articuladores políticos do Estado sobre a importância da representação LGBTQIA+ em espaços de poder

por Kauana Portugal seg, 28/06/2021 - 12:43
Reprodução/Instagram Da esquerda para a direita: Vinicius Castello, Robeyoncé Lima, Jarda Araújo, João Pedro Simões e Myrella Santana Reprodução/Instagram

Nesta segunda-feira (28), Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, ativistas dos Direitos Humanos reúnem-se ao redor de diálogos que buscam celebrar a potência desta população. No Brasil, país que lidera o número de homicídios de indivíduos LGBTQIA+ nas Américas, de acordo com a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (ILGA), a data também reacende o debate sobre a garantia de direitos e representação política.

“Em 1969, Marsha P Johnson se levantou contra a violência e brutalidade policial juntamente a outras lideranças negras, periféricas, LGBTQIA+, que existiam na subalternidade que criminalizava os nossos corpos”, explica o vereador de Olinda Vinicius Castello (PT), quando questionado sobre a importância do dia 28 de junho.

O parlamentar, ativista do Movimento Negro Unificado (MNU) e advogado de 26 anos, faz questão de relembrar a atitude revolucionária que deu origem ao Dia do Orgulho, liderada pela drag queen norte-americana Marsha P Johnson, em um episódio conhecido como a Revolta de Stonewall, que ocorreu em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Mais de 50 anos depois, jovens homossexuais como Castello ainda precisam usar suas mentes para articularem respostas contra o preconceito.

“Para mim democracia é olhar para a representação e entender que ela está condizente com a diversidade existente na sociedade. Eu acredito que a gente tá caminhando para o entendimento de que os corpos que precisam estar pautando e atuando politicamente, são corpos que entendem, entre outras coisas, o que é a desigualdade e o que é a violência no Brasil”, ressalta Vinicius, que já no início do mandato ocupa o cargo de presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara de Olinda.

Em contraposição às forças conservadoras que tendem a essencializar a gestão do ativista, torna-se inegável a sua disposição em enxergar os processos políticos de maneira interligada. “Eu desejo que a gente consiga atingir o nível de democracia em que todas as pessoas, independente de classe, gênero, orientação sexual e identidade de gênero possam se sentir potentes e respeitadas em um país que também é delas. Resolvi enfrentar estas violências utilizando meu corpo político para dizer que basta todo tipo de opressão e retrocesso”.

A variedade de violências as quais Castello faz referência têm relação, infelizmente, com o número de agressões às pessoas LGBTQIA+ no estado de Pernambuco. Sobre o tema, o parlamentar lamentou: “Na semana que passou, uma criança ateou fogo em uma mulher trans [Roberta Silva, 40 anos] no Centro do Recife, e nesta segunda-feira nós estaremos nas ruas, novamente, para afirmarmos o porquê da nossa luta”.

O ranking da morte a o “a construção de novos horizontes”

Embora dados divulgados pela Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS) apontem para o aumento vertiginoso da violência contra LGBTQIA+ em todo o estado, a ação do conservadorismo na Câmara do Recife ainda encontra fôlego. Na última semana, enquanto a maioria dos parlamentares se reunia para negar um requerimento que solicitava o hasteamento da bandeira LGBT no Dia do Orgulho, mais uma mulher trans era atravessada pelo crime motivado pelo preconceito na capital.

Roberta Silva, de 40 anos, queimada viva na quinta-feira (24), enquanto estava no Cais de Santa Rita, área central da capital, simboliza mais um dos 1.854 ataques brutais à vida das pessoas LGBTQIA+ em Pernambuco só no primeiro trimestre de 2021. Destes, 46% das vítimas, ou cerca de 869 pessoas, foram violadas dentro de casa por parentes ou pessoas de confiança. Em 2019, neste mesmo período, o número havia sido de 333.

O atentado à Roberta Silva, 40 anos, que ganhou notoriedade após a advogada transexual e co-deputada estadual Robeyoncé Lima (PSOL), 30 anos, usar sua conta no Twitter para denunciar a invisibilização da violência, é resultado, segundo a parlamentar, da “banalização da violência contra corpos transexuais”. “Esse extermínio não é de agora, e quando a gente escuta a cisgeneridade branca dizer que está com medo de morrer de Covid, a gente responde: esse medo da morte pode ser novidade para vocês, mas pra gente não, porque há dez anos o Brasil figura o ranking dos países que mais mata transexuais no mundo”, ressalta.

O ranking da morte, citado por Robeyoncé Lima, é baseado em dados fornecidos pela da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), que realiza, anualmente, relatórios sobre a vida de trans e travestis no Brasil. Infelizmente, de acordo com informações da Associação, a expectativa de vida desta população no país é de 35 anos, com destaque para mulheres trans negras, que são as que mais morrem. “São violências concatenadas, por isso não adianta pedir para a gente falar sobre transexualidade sem falar de raça e de classe”, confirma a parlamentar.

Quando pergunto sobre quais são as maiores dificuldades existentes no processo de elaboração de políticas públicas que possam desmobilizar a barbárie em curso também em Pernambuco, Robeyoncé aponta a ausência de informações a respeito destas violências em Pernambuco como um dos principais problemas.

“Nós, das Juntas Co-deputadas, conseguimos aprovar, por exemplo, um projeto de lei que estabelece que nos prontuários de saúde conste os campos de orientação sexual e identidade de gênero, para que a gente possa saber como está o acesso - ou a falta dele - da população LGBT ao Sistema Único de Saúde”, uma forma de gerar estatísticas e provar para o estado a necessidade do incremento de políticas públicas para a população, de acordo com a parlamentar.

Para Jarda Araújo, 25 anos, assistente social, secretária executiva de Juventude na prefeitura do Recife e mulher transexual, a movimentação política de pessoas trans e travestis durante o período de extremo conservadorismo no Brasil, representa “a construção de novos horizontes”.”É muito simbólico que seja exatamente agora que a gente esteja conseguindo construir, de forma massiva, este novo lugar, diferente do que seria há dez anos atrás”, explica, de maneira esperançosa, ao citar as mais de 30 candidaturas travestis ao redor do Brasil.

Sobre a violência brutal que acometeu Roberta Silva, a pesquisadora em saúde pública comenta: “Recife tem operacionalizado, de forma direta ou indireta, a travestifobia. E se nós não fizermos esse movimento de tornar público e nos movimentarmos politicamente, esses casos não vão ser ouvidos”. Jarda destaca também o fato de Roberta ter ficado, até a intervenção política da co-deputada Robeyoncé Lima, na ala masculina do Hospital da Restauração (HR), após ser socorrida.

“Enquanto rede, é preciso nos movimentarmos para fazer com que essas questões venham à tona e a partir disso a gente possa cobrar, tanto dos parlamentares, das mandatas, um posicionamento político em prol da nossa população, porque nós não buscamos por mais direitos que os demais, e sim uma equidade para que a gente possa acessar os nossos direitos como qualquer outra pessoa” diz, lembrando que o “respeito ao nome social é garantido pelas diretrizes do Sistema Único de Saúde”.

O futuro da política LGBTQIA+ em Pernambuco

Quando pergunto quem são as principais referências dos entrevistados, os nomes se repetem: Vinicius Castello admira Robeyoncé Lima, que também é citada por Jarda Araújo, articuladora social que, inclusive, imagina um futuro onde a possibilidade de ocupar um cargo eletivo já existe. Ademais, é também nos bastidores da política, ocupando cargos de assessoria parlamentar e articulação social, que a pluralidade tem demarcado espaço.

A estudante do curso de Ciência Política da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e ativista bissexual Myrella Santana, 19 anos, por exemplo, foi uma das 70 candidaturas declaradamente LGBTQIA+ a se lançar no processo eleitoral de 2020. E, embora não tenha sido eleita, passou a atuar na assessoria parlamentar de Dani Portela (PSOL), vereadora mais votada para a Câmara Municipal do Recife.

Forjada nos movimentos sociais, Myrella explica que a política sempre ocupou um papel central em sua vida. “Eu acho que, inicialmente, veio muito da necessidade de entender que o que eu faço tem impacto direto na vida do outro. E no segundo momento, por me enxergar enquanto mulher negra bissexual e compreender que esse é um corpo político”, diz, enquanto explica que as decisões políticas atingem, sobretudo, aqueles que não costumam estar no centro das decisões políticas do país.

Outra trajetória que inspira é a de João Pedro Simões, ativista homossexual de 27 anos, cientista político e co-fundador do coletivo de estudante negros da UFPE, o Coletivo Afronte. Ele trabalha desde 2017 ao lado do vereador Ivan Moraes (PSOL), com quem começou ainda como estagiário e, posteriormente, foi contratado para desempenhar a função de assessor parlamentar.

João Pedro diz que o incentivo familiar foi essencial nos processos de tomada de decisões, além dos atravessamentos sociais, raciais e de sexualidade, que, segundo ele, são “marcadores sociais que influenciam muito no reconhecimento e autoavaliação sobre o quanto é possível adentrar na política”. “Existe toda uma gama de corpos que fazem parte da sigla LGBTQIA+, mas que ainda estão alheios à política institucional e isso é muito grave. É um projeto, obviamente, do ‘status quo’ que sustenta uma democracia que é, em tese, representativa mas não representa quase ninguém”, critica o assessor parlamentar.

Para o Dia do Orgulho LGBTQIA+, Simões, que é, também, uma promessa de futuro para ocupar um cargo eletivo no estado de Pernambuco, espera mobilizações em torno do atentado à Roberta Silva. “A gente tem orgulho de ser quem é, mas é um momento de luta, denúncia e cobrança. O preconceito está longe de ser uma coisa do passado, então a gente tem que estar mais ciente de que precisa coletivizar nossas ideias, angústias e felicidades, porque sozinho a gente não anda. Eu espero que cada vez mais as pessoas LGBTs e aliados estejam conscientes da força que a gente pode ter para mudar e mover a realidade deste país”, acentua.

 

 

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