As escolas cívico-militares e as estratégias da direita

Entenda como a postura de alguns estados em manter o modelo por conta própria pode afetar o cenário nacional

por Rachel Andrade sab, 22/07/2023 - 09:02
Antônio Cruz/Agência Brasil Alunos de escola cívico-militar Antônio Cruz/Agência Brasil

Na última sexta-feira (21), o governo federal publicou o decreto que oficializa o fim das escolas cívico-militares no Brasil. O programa educacional foi criado em 2019, no governo Bolsonaro, e tinha como objetivo mesclar a rotina e disciplina militares, sendo gerenciados por oficiais da reserva e da ativa, dentro do currículo básico das instituições de ensino, sendo as aulas ministradas por professores civis, mas com incentivo financeiro federal.

Ao todo, 202 escolas aderiram ao programa. Com o fim do modelo, os espaços não serão fechados, ficando livre a escolha de cada estado e município em assumir o modelo de forma independente, ou reintegrar a instituição ao modelo regular de ensino, nos conformes tradicionais do Ministério da Educação (MEC). 

A decisão já havia sido publicada no dia 10 de julho pelo MEC, informando que o programa seria descontinuado. Desde então, diversas figuras políticas, principalmente da ala da direita e extrema-direita, teceram críticas à notícia. Deputados federais por Pernambuco, como o Coronel Meira (PL) e Clarissa Tércio (PP), publicaram seus comentários acerca da decisão do governo. 

O Coronel Meira, que já vinha criticando o anúncio do encerramento, informou nas redes sociais, algumas horas após a assinatura do decreto, que protocolou um projeto de decreto que susta os efeitos da decisão do presidente da República e do MEC. A deputada Tércio, por sua vez, chegou a publicar em suas redes sociais seu repúdio à decisão, argumentando que ela mesma estudou em escola militar em sua formação básica, destacando o que avalia como benefícios do modelo de ensino.  

Segundo o cientista político Arthur Leandro, tais atitudes já eram esperadas, tendo em vista a formação do pensamento extremista e conservador. “Essa abordagem é importante para reforçar o tipo de identificação que esses políticos têm com as suas bases. Então fazem parte da persona e do tipo de vínculo que eles têm com segmentos políticos relevantes, pessoal dentro das igrejas, os segmentos das polícias militares. Então é importante que esse tipo poder de identificação seja reforçado”, disse em entrevista ao LeiaJá

Permanência em alguns estados 

Apesar de ter sido vastamente criticado quando lançado, o programa vai continuar em vigor em alguns estados, como o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. O governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), publicou em suas redes sociais, desde o pré-anúncio do MEC, que continuaria o programa em seu estado de maneira independente. 

Fonte: Reprodução/redes sociais 

Sobre o assunto, o cientista político Augusto Teixeira explicou ao LeiaJá que a decisão em manter o modelo em alguns estados já era uma tendência prevista, devido ao histórico deles. “Alguns governadores vão essencialmente considerar o fato de que este modelo era interessante na perspectiva de que permitia trazer aspectos distintivos para o ensino público. Primeiramente o elemento de maior ordem, coordenação de ações, da mesma forma que tem um elemento inspirado na vivência militar, ordem unida, a disciplina, a presteza em relação aos horários, tal como o respeito aos docentes". 

Além de Leite, governadores conservadores como o carioca Claudio Castro (PL) e o paulistano Tarcísio de Freitas (Republicanos) também decidiram por manter o modelo. “Este modelo é interessante porque permite, na visão desses [governadores], trazer ordem, trazer o elemento de disciplina e trazer um elemento que é admirado no mundo militar, que é exatamente a concepção de ordem, obediência, disciplina, hierarquia, etc. Coisas que normalmente não são vistas no ensino público tradicional civil”, analisa o professor. 

Volta da ‘normalidade’ 

Pensando ainda na decisão do fim do modelo, Arthur Leandro observa que a atitude governamental não seria esperada apenas de uma gestão petista. “Eu vejo como a rejeição de uma medida administrativa que era precária do ponto de vista legal e que era previsível, na volta do governo Lula, na verdade como seria, digamos, se houvesse um governo Ciro, por exemplo. Seria a volta de um modelo de normalidade do presidente que tivesse sido eleito”, comenta. 

De olho em 2026 

A revogação do programa cívico-militar pelo governo federal levanta uma série de questionamentos e dúvidas, além de possíveis projeções para a corrida presidencial em 2026. A principal delas é voltada justamente aos governadores que escolheram por manter o modelo em seus estados. Isso porque, segundo Augusto Teixeira, seria uma forma de ganhar um reconhecimento ou um voto de confiança da ala bolsonarista menos extremista, mas que também é antipetista. "Ao destoar do governo federal, ou ao manter certas políticas que possam soar populares, especialmente para o eleitorado, isso pode sim ser interessante para o contexto eleitoral de 2026”, argumenta. 

Educação no Brasil 

A pauta do fim das escolas cívico-militares, por mais que tenham sido vistas com bons olhos pela situação e por diversas frentes educacionais, ainda ficam algumas questões não respondidas, como observa Arthur Leandro. 

“O fato é que a gente não sabe ainda como o Brasil vai melhorar seus indicadores educacionais do ponto de vista das escalas, das métricas internacionais, que avaliam nosso sistema educacional. Como fazer para superar as distâncias entre os estados que tem melhor desempenho daqueles que tem pior desempenho? Como acessar e prestar serviço de qualidade para as populações mais vulneráveis? Tem diversas questões do ponto de vista de política educacional que ainda não foram esclarecidas”, finaliza.

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