Cadeira do ‘golpe’ x ministro:o que pensam os professores?
O LeiaJá ouviu educadores e uma especialista em direito para entender a opinião de profissionais da área e os limites de autonomia do ministério e das universidades
A oferta da disciplina “Tópicos Especiais em Ciência Política: O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” pela Universidade de Brasília (UnB) gerou polêmica, dividindo a opinião de diversas pessoas a respeito da ementa da disciplina e de seu tema. Após declarações do professor titular da cadeira, uma nota oficial da universidade e muita repercussão, foi a vez do ministro da Educação Mendonça Filho (DEM) se pronunciar, manifestando sua opinião contrária à matéria em questão e afirmando que acionaria diversos órgãos públicos para investigar se existe "dano ao erário público ou atos de improbidade administrativa" através da oferta da disciplina.
O LeiaJá entrevistou educadores e uma professora de direito para entender o que os especialistas na área pensam a respeito da ementa e do nome da disciplina e da declaração de Mendonça Filho sobre o pedido de investigação à UnB e da legalidade ou não de interferências do poder Executivo nos conteúdos ministrados em universidades públicas.
“Golpe é uma categoria analítica”
Para o professor livre docente em história contemporânea com atuação na área de ciência política da Universidade de Pernambuco (UPE), Karl Schuster, dentro da ciência política e nas universidades há professores com visões diversas a respeito do impeachment de Dilma Rousseff e não há problema de se falar a respeito de golpe enquanto conceito acadêmico aplicado a esse contexto.
“O nome golpe é uma categoria analítica, então quando o professor bota os estudos sobre o golpe ligados ao impeachment não tem problema prático algum, há professores que veem o que houve com Dilma como golpe e outros que acham que foi legal e a universidade é um espaço de produção de ideias diferentes, não está satisfeito faz uma disciplina contrária, qual o problema?” Ainda de acordo com Karl, a atitude do ministro da Educação é inadequada e exagerada uma vez que as universidades têm autonomia para o livre exercício da construção do saber acadêmico juridicamente previsto pela Constituição Federal de 1988.
Para o professor, o que o ministro alega é que se está usando dinheiro público para fazer proselitismo político ao PT e, na opinião dele, “A universidade é a junção da diferença de saberes independentemente de que lado estão. O ministro está se metendo na maior conquista acadêmica das universidades, e colocar órgãos públicos para investigar isso é claramente 'síndrome de perseguido', o governo leva tanta pancada que uma disciplina é mais importante que a situação caótica do ensino médio e a pauta do MEC é uma disciplina eletiva”, explicou ele.
“exacerbando seus poderes”
Para a professora de direito da Faculdade de Direito do Recife (FDR/UFPE) Liana Cirne, a declaração de Mendonça Filho configura uma tentativa de interferência no conteúdo ensinado na universidade que vai além do que é, legalmente falando, atribuição do ministério enquanto órgão do Poder Executivo. De acordo com ela, “O MEC não poderia jamais se incluir nessa esfera, as atribuições do ministério não podem se configurar como censura, o que a gente está vendo é uma ação do ministro em algo para se incluir na esfera da liberdade da universidade”.
No que diz respeito às declarações do ministro sobre a falta de base científica para a oferta do tópico especial, Liana diz é taxativa: “Temos uma larguíssima produção bibliográfica sobre o golpe de 2016, nacional e internacionalmente, é extremamente pertinente. Nós professores não doutrinamos, nós ensinamos e asseguramos diversidade de pensamento orientada por fundamentação teórica e critérios, o que não tem critério é o ministro ficar chateado com a disciplina e exercitar um poder de censura”.
"Ministro não tem qualificação"
Após toda a repercussão com o ministério e as notícias veiculadas na imprensa, o professor titular do departamento de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), Luis Felipe Miguel, voltou a se posicionar sobre a polêmica. Além de agradecer a mensagens de apoio que recebeu, o professor afirmou que "o conteúdo da disciplina não é diferente daquilo que tem sido discutido por muitos colegas interessados em compreender o Brasil atual, o que causou reboliço foi o uso da palavra 'golpe' já no título da matéria".
Além disso, o professor também afirmou que tem razões "muito sólidas para sustentar que a ruptura ocorrida no Brasil em 2016 se classifica como golpe" e que tem discutido temas como esse com seus alunos e com colegas de trabalho nos espaços do debate universitário e com a sociedade civil. No entanto, não irá "justificar escolhas acadêmicas diante de Mendonça Filho ou de seus assessores, que não têm qualificação para fazer tal exigência".
Como se montam as ementas e disciplinas?
As ementas de tópicos especiais e disciplinas eletivas ministradas em cursos de graduação, como é o caso da polêmica que circunda a UnB, deve ser elaborada pela universidade e envolve todo um processo de avaliação de temas e bibliografias, segundo explica o diretor do Centro de Artes e Comunicação (CAC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Walter Correia. Ele destaca que mudanças grandes na grade curricular dos cursos devem ser submetidas ao Ministério da Educação (MEC), mas atualizações de bibliografias e objetivos de disciplinas que não causem grandes mudanças em cadeiras obrigatórias e a definição de cadeiras eletivas derivadas de linhas de pesquisa da universidade não precisam ser submetidas ao ministério.
Walter também explica que as propostas de inclusão de cadeiras eletivas ou alterações de ementas são feitas pelo departamento do curso, devendo depois ser aprovadas pelo colegiado, seguir para análise do conselho departamental e, caso aprovado, ser submetido à pró-reitoria responsável por questões acadêmicos e, só após a aprovação nessa última instância, ser disponibilizada para os estudantes.
Já se tratando de alterações grandes na grade curricular, o diretor explicou que, depois de a universidade aprovar, a proposta segue para o ministério, que pode aprovar ou solicitar mudanças prévias para determinados componentes curriculares. Uma vez aprovada, a nova grade curricular é disponibilizada em sala de aula. “As universidades têm autonomia, quando você submete um projeto para alterar a grade, passa pelo MEC. Se não está tendo uma mudança curricular, não sei se é correto o ministério interferir, acho estranho”, disse o diretor ao LeiaJá.
Walter também explica que, para ele, não há nenhum problema com o nome da disciplina, com sua ementa e nem com a abordagem da temática dentro do curso de ciência política, uma vez que está alinhada com a temática dessa área do conhecimento. “Não vejo problema em ter esse conteúdo, especialmente sendo uma cadeira eletiva que paga quem quer. Não há impedimento sobre o nome, sobretudo para o curso de ciência política. Se fosse em design, por exemplo, eu me oporia por não ter a ver com o curso, mas dentro de ciência política é uma discussão que tem sentido”, pontuou o professor e diretor.
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