Notas mostram que Bolsonaro superfaturou combustível

Em onze idas a dois postos de gasolina do Rio, entre 7 de janeiro de 2009 e 11 de fevereiro de 2011, o então deputado usou o equivalente a R$ 45.329

ter, 07/04/2020 - 15:53
Isac Nóbrega/PR Isac Nóbrega/PR

Jair Bolsonaro encheu o tanque do carro com mais de mil litros de gasolina comum. Exatamente 1.003,46 litros.

Ao menos é o que está na nota fiscal de um posto na Barra da Tijuca (Auto Serviço Rocar), zona oeste do Rio de Janeiro. Emitida em 7 de janeiro de 2009, com valor de R$ 2.608,00 na ocasião, corrigidos para R$ 4.833,38 atuais (IGP-M do último mês de fevereiro). Embora não exista carro com tal capacidade no tanque, foram reembolsados sem objeção pela Câmara como parte da “cota parlamentar” do então deputado federal pelo PP, partido de Paulo Maluf. Dinheiro público.

Nota fiscal:

Reembolso da Câmara:

Os altos valores em notas fiscais para reembolso de combustível do agora presidente não ficaram por aí.

A reportagem cruzou os dados entre a base de dados públicos do congresso, as notas fiscais de cada abastecimento apresentadas por Bolsonaro, obtidas via “Lei de Acesso à Informação” da Câmara dos Deputados (que funciona com independência da LAI do governo federal) e dos relatórios do serviço de reembolso da “Coordenação de Gestão Parlamentar”, subordinada ao “Departamento de Finanças, Orçamento e Contabilidade da Câmara”.

Em onze idas a dois postos de gasolina do Rio, o Rocar (Barra da Tijuca) e o Pombal (Tijuca), entre 7 de janeiro de 2009 e 11 de fevereiro de 2011, o então deputado usou o equivalente a R$ 45.329,48 (valor corrigido pelo IGP-M a partir da soma de cada nota. Ver tabela abaixo). Uma média de R$ 4.120,86 a cada ida nesses dois postos.

O cruzamento de dados entre notas fiscais, reembolsos e presença em plenário revela uma série de outros fatos: o abastecimento em dois diferentes postos do Rio no mesmo dia, apesar dos muito litros comprados. E mostra também datas em que abasteceu no Rio mas as votações do congresso revelam presença em Brasília.

Como no dia 14 de abril de 2009, em que solicitou nota do Posto Pombal (Tijuca) no valor de R$ 2440,20 (R$ 4.564,38 atuais pelo IGP-M de fevereiro) e, apesar dos 938,90 litros consumidos (e reembolsados), teve outro abastecimento feito em seu nome, CPF, endereço e cota parlamentar. No mesmo dia. O outro foi em Jardim Sulacap (Posto Romântico), zona oeste do Rio, valendo R$ 134,77 (R$252,09 corrigidos). No entanto, nessa mesma data em que apresentou gastos com cerca de mil litros de gasolina para reembolso com dinheiro do contribuinte em dois estabelecimentos do Rio, o então deputado federal pelo PP, de Paulo Maluf, estava em Brasília, onde assinou presença na Sessão Ordinária Nº 67 da Câmara.

Nota fiscal:

Reembolso da Câmara:

Assim como no dia 14 de abril de 2009, aquele dos mil litros em abastecimento nos postos da Tijuca e de Jardim Sulacap estando em Brasília, a história se repetiu diversas vezes.

No dia 2 de junho de 2009, quando realiza despesa de R$ 2542,00 (R$ 4.765,28 atuais) no Posto Rocar carioca, Jair Bolsonaro estava presente na Sessão Extraordinária Nº 133, em Brasília.

Também em 28 de outubro de 2009, a nota de R$ 1.818,00 (R$ 3.424,20 atuais), emitida no Auto Posto Pombal do Rio para abastecimento de 691,52 litros, encontra o deputado na Sessão Extraordinária Nº 296 do congresso.

Nota fiscal:

Reembolso da Câmara:

AS 11 NOTAS DE JAIR BOLSONARO:

5 NOTAS AUTO POSTO POMBAL:

14 de Abril de 2009: R$ 2440.20 corrigido pelo IGP-M: R$ 4.564,38

21 de Setembro de 2009: R$ 2479.00 corrigido pelo IGP-M: R$ 4.688,80

28 de Outubro de 2009: R$ 1818.00 corrigido pelo IGP-M : R$ 3.424,20

12 de Fevereiro de 2010: R$ 1550.60 corrigido pelo IGP-M: R$ 2.905,47

11 de Fevereiro de 2011: R$ 1885.00 Corrigido pelo IGP-M: R$ 3.167,80

Total Auto Posto Pombal: R$ 18.750,65

6 NOTAS POSTO ROCAR:

7 de janeiro de 2009: R$ 2.608,00 Corrigido pelo IGP-M: R$ 4.833,38

26 de março de 2009: R$ 2.600,00 Corrigido pelo IGP-M: R$ 4.827,30

02 de Junho de 2009: R$2542.00 Corrigido pelo IGP-M: R$ 4.765,28

22 de Junho de 2009: R$ 2101.00 Corrigido pelo IGP-M: R$ 3.938,57

11 de Agosto de 2009: R$2076.00 Corrigido pelo IGP-M: R$ 3.698.20

4 de Junho de 2010: R$ 2510.00 Corrigido pelo IGP-M R$ 4.516,10

TOTAL ROCAR: R$ 26.578,83

TOTAL EM NOTAS POMBAL E ROCAR: R$ 45.329,48

11 notas entre abril de 2009 e fevereiro de 2011: média de R$ R$ 4.120,86 por abastecimento

A verba indenizatória existe desde 2001. Em 2009, novas regras foram estabelecidas pelo Ato da Mesa 43/2009, através do qual não está previsto o reembolso da cota de combustível para assessores parlamentares, não sendo assim possível que, nos dias em que aparece em Brasília para votação como registrado, tenha notas emitidas em seu nome no Rio de Janeiro.

O sobrenome Bolsonaro sofre investigações por mau uso de verbas parlamentares, conhecidas como “rachadinhas”. Flávio Bolsonaro, filho do presidente, atualmente senador pelo Rio de Janeiro, foi denunciado por fazer parte, segundo o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, de uma organização criminosa onde cerca de R$ 2,3 milhões foram movimentados nesse esquema de “rachadinha”, em que funcionários do então deputado estadual devolviam parte do salário que recebiam na Alerj. O dinheiro, segundo a investigação, era lavado com aplicação em uma loja de chocolates no Rio da qual o senador é sócio e em imóveis.

Uma das peças principais do esquema apontado pelo MPE é Fabrício Queiroz, ex-policial militar, acusado de envolvimento com as milícias do Rio de Janeiro e homem de confiança de longa data de Jair Bolsonaro. Queiroz, a mulher e duas filhas foram empregados do gabinete de Flavio Bolsonaro. Na investigação da “rachadinha”, consta um cheque no valor de R$ 24 mil depositado por Queiroz na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Outra peça importante no esquema era o ex-pm e envolvido com milícias Adriano da Nóbrega, assassinado esse ano.

Três diferentes endereços de Jair Bolsonaro aparecem nas notas fiscais reembolsadas com dinheiro público

Três diferentes endereços foram dados para emissão das notas fiscais nos postos de gasolina. Os três são confirmados como de Jair Bolsonaro. Um deles é o do condomínio onde mora, na Barra da Tijuca, o “Vivendas da Barra”.

Os outros dois estiveram no noticiário recente como partes de casos não esclarecidos por Bolsonaro. Um deles, na rua Maurice Assuf, na Barra da Tijuca, foi comprado em 2002 juntamente com sua então mulher, Ana Cristina Valle, mas não aparecia na declaração de bens do deputado nas campanhas seguintes.

Já outro endereço que aparece nos recibos é o da Rua Divisória, em Bento Ribeiro, subúrbio do Rio, onde morou com a ex-mulher, Rogéria Nantes, e três filhos até meados dos anos 90.

A casa seguiu como propriedade de Bolsonaro e foi declarada no valor de R$ 40 mil ao Tribunal Superior Eleitoral nas últimas eleições, tendo sido usada como comitê de campanha. Ficou conhecida depois que um áudio de Fabrício Queiroz foi obtido pela Folha de São Paulo, onde o “faz-tudo” do presidente comenta com terceiro que o amigo havia dito para exonerar Cileide Barbosa Mendes do gabinete do filho Carlos, onde constava como funcionária e pergunta ao interlocutor se ela seguia morando na casa de Bento Ribeiro. O objetivo da demissão do gabinete era desvincular o nome de Cileide de ligação com a família.

Outro lado:

Jair Bolsonaro: A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Comunicação (SECOM) da Presidência da República e enviou questionamento sobre os gastos de Jair Bolsonaro com combustível enquanto deputado mas não obteve resposta.

Postos Rocar e Pombal: A reportagem não conseguiu contato com os proprietários dos dois estabelecimentos.

Por Lúcio de Castro, da Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo

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