Robôs não são campanha antecipada, diz especialista

Uso de contas inautênticas nas redes sociais, porém, infla discurso de desconfiança sobre a urna eletrônica e instituições democráticas

por Vitória Silva sex, 17/09/2021 - 20:59
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Especialistas em comércio acreditam que os robôs são essenciais para controlar a narrativa durante os debates políticos, em especial diante dos períodos eleitorais. No entanto, ainda não está claro até que ponto os bots automatizados controlados por inteligência artificial podem manipular a atividade de mídia social e que tipo de influência eles têm na opinião pública e nos resultados das eleições. Os robôs podem existir em todos os tipos de mídia social. Podem, por exemplo, estar ativos em várias formas de fóruns de discussão ou campos de comentários, como o Twitter. A ferramenta, que pode ser benéfica para políticos e seus engenheiros, entretanto, pode não ser necessariamente boa para a democracia. 

Apesar de estar em evidência pela última década, em várias democracias ao redor do mundo, o debate sobre a participação de contas inautênticas em manifestações de cunho político na internet ganhou maior destaque com a campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que, como neopopulista, desde 2018 utiliza das redes sociais como principal plataforma eleitoral. A publicidade pré-eleições foi controversa pela quantidade de robôs utilizados para reforçar o discurso do mandatário. Ainda no ano das eleições anteriores, os bots ajudaram o presidente a acumular 70 mil menções em hashtag crescente no Twitter, durante debate na Band, enquanto algumas dessas contas estavam sediadas no Nepal e Chipre. Na mesma época, a agência responsável pela campanha do adversário de Bolsonaro, Fernando Haddad (PT), também confirmou a utilização de disparos de mensagens no WhatsApp. 

De acordo com um estudo de 2020, com autoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP), robôs foram responsáveis por mais da metade das publicações favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro no Twitter. Por meio de ferramentas de ciência de dados, as professoras Rose Marie Santini, da UFRJ, e Isabela Kalil, da Fesp, demonstram que bots responderam por 55% dos 1,2 milhão de posts que usaram a expressão #BolsonaroDay para homenagear o presidente em 15 de março, dia de atos de rua pró-governo. 

Em episódios mais recentes, a plataforma BotSentinel registrou um aumento na utilização de contas sem autenticidade, que tentam amenizar os efeitos da crise na reputação do governo Bolsonaro. Segundo levantamento feito pelo Correio com base em números da plataforma, o número de postagens com hashtags de apoio a Bolsonaro deram um salto vertiginoso entre fevereiro e março. Se, há dois meses, a ferramenta mapeou pelo menos 13.206 posts produzidos por bots bolsonaristas, no mês passado foram contabilizados, no mínimo, 49.302. O crescimento foi de 273%. 

Para a pesquisadora especialista em questões eleitorais, Yasmin Curzi, essa estratégia representa uma forma de defender “plasticamente” determinadas pautas e de tentar dar legitimidade a discursos antidemocráticos, contando com o volume que essas contas não autênticas podem fazer na internet. 

“A utilização de robôs para alavancar determinados temas artificialmente é uma técnica bastante utilizada para, primeiro, chamar a atenção de outros usuários – pessoas que podem aderir à campanha propagada – de forma orgânica; e/ou continuar pautando plasticamente o debate sobre um tema, de forma a manter as atenções voltadas a ele”, comenta a cientista. 

A pauta pelo fim da urna eletrônica e a “volta” do voto auditável — que já existe — também teve apoio desse tipo de perfil. Além das manifestações pelo voto impresso no país, o presidente contou com a mobilização nas redes sociais de contas robôs, que fizeram postagens em prol de mudanças no formato das urnas. A hashtag #brasilpelovotoauditavel foi usada pelo menos 2.582 vezes no primeiro dia de mobilização, segundo a Bot Sentinel.   

Curzi, que é entrevistada pelo LeiaJá nesta reportagem, explica como mecanizar o debate político se tornou uma tendência e as formas pelas quais ele pode ferir a democracia. Confira: 

— Yasmin Curzi, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio 

LJ: A maior plataforma de campanha de Bolsonaro, desde o período eleitoral para 2018, é a internet. O uso diário de hashtags sobre 2022 (como a #Bolsonaro2022) e o uso de robôs podem configurar como campanha antecipada, já que há investimento nesse tipo de movimentação? 

YC: O TSE tem autorizado a menção à campanha, a veiculação da pretensão de eleição, dentre outras atividades nas redes sociais. O que não é permitido, e caracteriza campanha antecipada, é o pedido explícito de votos. Em relação à utilização de robôs e contas falsas para impulsionamento de campanhas, o TSE também declarou, em 2020, ter firmado parcerias com as principais redes sociais para que desativem contas inautênticas, seguindo suas próprias políticas para a moderação de conteúdo on-line.  

Qualquer candidato precisa declarar devidamente os custos de campanha ao TSE. Havendo constatação de que houve uso de investimentos financeiros para a disseminação de conteúdo malicioso, ou não havendo prestação devida, o TSE pode determinar a inelegibilidade daquela candidatura. O que é difícil de detectar, no entanto, são os atores "intermediários" deste tipo de atuação – que é o que vem sendo investigado no âmbito do inquérito das Fake News no Supremo Tribunal Federal e na CPMI das Fake News. 

LJ: Quais riscos à democracia e ao processo eleitoral de 2022 essas práticas podem representar? 

YC: O principal mal já está sendo feito, e não apenas por meio das redes sociais: aumentar a desconfiança da população em relação às urnas e às instituições públicas. É uma estratégia que tem como finalidade não apenas fazer pessoas aderirem à determinada candidatura, mas tem o condão de fazê-las questionar as instituições democráticas como um todo.  

LJ: Essa estratégia é mais comum entre candidatos populistas? 

YC: Candidatos neo-populistas de direita, usualmente tem como repertório: (1) a fala direta com "o povo", ou com a parcela do povo que o candidato quer manter a sua identificação, que representam sua base eleitoral fixa; (2) a idealização de que são "outsiders" do "sistema", que não fazem parte de articulações políticas e, por isso, não conseguem fazer seus trabalhos; (3) o questionamento do funcionamento das instituições públicas, porque são por elas "perseguidos"; (4) a criação de um inimigo para responsabilizar por ocasiões e gestões que deram errado. São narrativas que são fáceis de desenvolver na mentalidade de uma população majoritariamente conservadora que espera, muitas vezes, respostas fáceis de um líder que possa "colocar a casa em ordem".  

As redes sociais permitiram que líderes políticos pudessem ter contato direto com a população e com seus apoiadores e que pudessem disseminar, de muitas formas, essas narrativas. As redes passaram muitos anos tratando discursos nocivos desses líderes como "merecedores de notícia" (newsworthy) e, portanto, não os moderando – suspendendo, rotulando, ou removendo postagens que violam suas regras de comunidade. Esse tipo de postura vem sendo repensada, pelo menos desde 2018, e ainda mais, depois do episódio do Capitólio. Ainda há muitos problemas com a compreensão de contexto e muito refreamento sobre o que elas consideram conteúdo realmente nocivo, bem como uma investida legislativa para que elas parem de moderar conteúdos sem ordem judicial determinada (como vimos não apenas com a minuta de decreto da Secretaria de Cultura do governo federal, mas em diversos projetos de lei de deputados da base do governo). É imprescindível, no entanto, que elas continuem fazendo esse tipo de moderação para que o debate público siga de forma saudável nas redes e para a proteção de instituições da democracia.  

LJ: Esse tipo de conduta já foi observada em outras eleições? Como pode influenciar a opinião dos eleitores? 

YC: A criação de contas inautênticas para a influência no debate público eleitoral pode ser detectada aqui no Brasil pelo menos desde 2010, em diversas pesquisas sobre o tema. O real impacto no eleitorado, no entanto, é difícil de ser mensurado. Pesquisadores ainda procuram entender se há, de fato, uma tendência radicalizadora nos algoritmos, se a recomendação de conteúdo pode fazer com que pessoas sejam mais influenciadas a aderirem determinadas pautas, ou se isso tudo não apenas faz parte do acirramento de uma sociedade já historicamente muito polarizada, em que a comunicação apenas foi descentralizada. Não há resposta para essa segunda pergunta, mas há para: que tipo de redes sociais queremos construir e como assegurar que a participação no debate on-line seja mais equitativa e plural, respeitando os princípios constitucionais e as instituições democráticas? É preciso, sobretudo, que as plataformas assumam compromissos de transparência decisiva e da organização de seus conteúdos, para informar pesquisas, políticas públicas e checagem de fatos. 

 

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