Centrão quer Nísia fora da Saúde para investir na eleição
A cadeira da ministra da Saúde é ameaçada pelo bloco de Arthur Lira (PP), que avalia instrumentalizar a pasta para facilitar a eleição de seus candidatos em 2024 e 2026
O Centrão ambiciona muito mais que os nove ministérios que já detém no governo Lula (PT). De olho no orçamento de R$ 162 bilhões previstos para a Saúde em 2023 e em como a gestão da pasta pode facilitar nas eleições de 2024, o bloco articulado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), pressiona pela saída da ministra Nísia Trindade.
Os últimos quadros políticos no comando do Ministério da Saúde foram do Centrão. Em 2016, o deputado Ricardo Barros (PP) foi nomeado como ministro por Michel Temer (MDB) e, após eleito, Jair Bolsonaro (PL) optou por Luiz Henrique Mandetta (União) para o início da sua passagem na Presidência.
Diferente dos antecessores, o presidente Lula (PT) não quis um parlamentar na Saúde no início do novo governo e apresentou a cientista, professora e socióloga Nísia Trindade como uma escolha técnica para a pasta.
"Ela é uma acadêmica superimportante, uma intelectual superimportante. Presidiu a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que é uma das principais instituições de pesquisa no Brasil, fundamental no contexto de enfrentamento da pandemia, apesar dos boicotes feitos pelo governo Bolsonaro", observou o doutor em Ciência Política, Rodolfo Marques.
Com a missão em recompor programas sociais e fomentar a industrialização da Saúde com a criação de um complexo de parques de produção de insumos para auxiliar o Instituto Butantan e a Fiocruz, em seis meses de gestão, Nísia conseguiu reestruturar o Mais Médicos, o Brasil Sorridente e ampliou a Farmácia Popular. Contudo, parece que faltam holofotes aos feitos da ministra, ponto em que o Centrão se apega para aumentar a pressão sob seu cargo.
Uma das ferramentas que pode destacar sua atuação é a 17ª Conferência Nacional de Saúde, que iniciou nesse domingo (2). O objetivo do evento é ouvir e debater com entidades, instituições, congressistas e com a sociedade civil sobre medidas em prol do Sistema Único de Saúde (SUS).
O Centrão no Ministério da Saúde
A negligência com a Saúde foi um dos destaques negativos dos quatro anos de governo Bolsonaro. Antes mesmo da pandemia, Mandetta já discursava sobre a diminuição do SUS com a abertura do setor privado na Saúde ao passo em que o investimento em pesquisas científicas e repasses para hospitais universitários foram congelados.
Na contramão do desejo de Lula (PT), ao deixar o MS nos cuidados da ex-presidente da Fiocruz, o Centrão não esconde o interesse em controlar um dos maiores orçamentos ministeriais, sobretudo após Nísia cortar a distribuição de recursos para projetos que não atendam às normas da pasta.
O cientista Rodolfo Marques indicou que o Centrão pretende se "equipar" para as eleições municipais do próximo ano. "A Saúde tem uma visualização e um operacionalização nas cidades. E, claro também, olhando 2026", projetou.
Além de bilhões em caixa e da publicidade entorno da pasta, a figura indicada pelo Centrão terá poder de atrapalhar políticas de Saúde propostas por adversários e selecionar o destino de emendas parlamentares para cidades estratégias ao seu plano político.
Lula resiste ao cerco do Centrão
Por enquanto, o presidente não deu sinais de que vai ceder à pressão. No entanto, governar contra a maioria da Câmara e sofrer perdas em votações fundamentais pode minar sua governabilidade e aprovação perante os brasileiros.
Como uma saída que atenda ao anseio do Centrão e, ainda assim, garanta certo grau de autonomia à Nísia Trindade na pasta, Lula (PT) deve negociar as secretarias robustas, como a de Atenção Especializada e a própria Fundação Nacional de Saúde (Funasa), como lembrou Marques.
"Seria uma maneira de compor a estrutura do ministério atendendo essa base do Centrão, sem perder a essência, sem perder a liderança da ministra Nísia e desse viés mais técnico e científico que Lula pretende implantar nessa pasta tão fundamental", avaliou o cientista político.