Educação para crianças carentes dentro da universidade

Projeto ComuniArt dá aulas de reforço escolar para crianças de comunidades da Zona Sul do Recife, identificadas em situações de vulnerabilidade socioeconômica

por Camilla de Assis sex, 10/06/2016 - 21:30

O cultivo de uma saudável vida escolar é fruto do plantio de uma boa base educacional. Entretanto, segundo a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), promovida pelo Ministério da Educação (MEC), 15% da população que ingressa em instituições de ensino tem problemas de aprendizado e necessita de um reforço na educação. A psicóloga Maria Helena de Souza Patto, especialista em psicologia escolar, por exemplo, explica que existe uma grande dificuldade de aprendizagem para crianças em situação de vulnerabilidade social e econômica. Tais crianças que estão ingressas nessas condições não têm respaldos materiais que as auxiliem no crescimento educacional. 

No artigo “A família pode e a escola pública: anotações sobre um desencontro”, Maria Helena explica que “no mundo da ‘carreira aberta ao talento’, venceriam os ‘mais aptos’, afirma o darwinismo: nessa linha de raciocínio, diferenças individuais ou grupais de capacidade estariam por trás das diferenças sociais”.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM), apenas 8% das pessoas com idade propícia ao trabalho têm plenas condições de compreender e se expressar. Outro levantamento, feito em 2015, revela que 56,2% das crianças de oito anos, que estão no ensino fundamental público, não entendem o que leem. Já 26,2% não aprenderam a escrever de forma satisfatória, bem como 55% comentem erros de ortografia e concordância.

Pensando neste panorama, desde 2012, a Faculdade Boa Viagem (FBV), na Zona Sul do Recife, desenvolve um projeto de extensão que auxilia jovens carentes com reforço escolar. Os pequenos são oriundos das comunidades “Dancing Days” e “Sítio Grande”, localizadas no próximo da instituição de ensino. A coordenadora do projeto, Janaína Calazans, explica que o ComuniArt surgiu de uma ideia de integração da faculdade com a sociedade. “O principal objetivo é acelerar o desenvolvimento pedagógico de crianças e adolescentes. Então, o projeto surgiu da necessidade de firmar uma aproximação efetiva com as duas comunidades”, conta.

Para materializar a ideia, Janaína afirma que foi necessário fazer uma seleção dos alunos. “Pedimos para que as líderes comunitárias das duas comunidades circunvizinhas fossem às escolas municipais que existem nos locais e levantassem, junto à coordenação e às professoras, aquelas crianças que mais tinham deficiência de aprendizagem”, explica. No primeiro ano de realização do projeto, dez foram selecionadas. “Elas foram encaminhadas para a gente e começamos um trabalho de tentar ajudá-las a aprender de uma forma mais lúdica e tranquila”, diz.

Atualmente, o projeto de extensão ComuniArt funciona com base nas diretrizes curriculares de educação exigidas pelo MEC. Nesse contexto, apesar de as crianças receberem um reforço escolar, nem sempre o conteúdo visto pelos pequenos é, necessariamente, aquilo que se deu em sala de aula. “Às vezes, a defasagem de conteúdo na escola é grande e os professores ficam muito tempo em um determinado conteúdo, deixando de dar outros. Então, aqui a gente também trabalha com novas aprendizagens e não só com aquilo que a criança já viu em sala”, detalha a coordenadora do projeto.

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Como funciona a iniciativa

Todos os anos, novos jovens são selecionados para participar do projeto ComuniArt. Atualmente, 13 estudantes de oito a 14 anos são contemplados. Os discentes de comunicação social da FBV que participam da extensão atuam como monitores dos pequenos. No mínimo, cada criança possui um universitário que a auxilie.

Todas as quintas-feiras, por volta das 14 horas, é realizado o reforço escolar. “Resolvemos intensificar a aprendizagem de conteúdo. Isso com outras formas de aprender, com atividades lúdicas, indo para os laboratórios da faculdade. Usamos muito o laboratório de química, para fazer experiências, bem como o espaço de gastronomia, para vermos como os alimentos se comportavam”, explica Janaína.

Apesar de a extensão ter nascido por meio dos cursos de comunicação social, universitários de outras áreas também são aceitos. “A gente já teve aqui alunos de administração, de design, mas o projeto está aberto e não há nenhum critério de diferença de voluntário. Basta ter compromisso, interesse e gostar daquilo que vai fazer”, pontua.

Os alunos voluntários atuam de forma compromissada com o projeto. De acordo com as regras, são permitidas até três faltas e que precisam ser justificadas. Embora todo o processo de ausência do tutor ocorra de maneira consensual com a coordenação da extensão, é necessário que o aluno faltante envie as atividades que iria trabalhar com a criança. “Mesmo que ele falte, deve enviar os modelos das fichas que ele iria aplicar com o estudante. O material da aula é necessário para que a gente remaneje outro tutor para cuidar daquela criança”, explica a coordenadora do projeto.

Transformação pessoal - Segundo Janaína Calazans, a mudança acontece não só na vida das crianças - que recebem uma nova oportunidade de vida por meio da educação -, como também no dia a dia dos estudantes voluntários. “Nós temos alunos que têm uma realidade muito distante da realidade das crianças que são atendidas pelo projeto. Então, o que a gente vê são alunos do ensino superior tendo contato com um contexto que era quase marginal para eles, no sentido de estar à margem da sociedade”, explica.

O prazer em contribuir

Mesmo com todos os afazeres diários pessoais e acadêmicos, o estudante Igor Luiz Almeida se dispõe a ser um dos voluntários do projeto ComuniArt. Aos 19 anos, ele está no primeiro período do curso de publicidade da FBV e vê a extensão como algo muito além do que só uma forma de ganhar horas extracurriculares. “É muito bom poder contribuir para o aprendizado dessas crianças. Eu decidi ingressar no ComuniArt porque eu acho que a educação é uma das principais coisas que devem ser apoiadas na vida e esse projeto investe muito na formação dessas crianças carentes”, comenta o estudante.

Mesmo sendo o tutor de uma das crianças atendidas, Igor não vê seu trabalho como um aprendizado unilateral. “O benefício que eu vejo desse projeto é que existe uma troca muito grande de conhecimento. Não só a gente dando para eles, como também as crianças oferecendo suas experiências de vida”, destaca o universitário.

Fila de espera

Apesar da renovação anual do projeto, nem todas as crianças deixam o ComuniArt. “Isso varia muito. Quando a gente sente que a criança está pronta para seguir com as próprias pernas, a gente dá ‘alta’ a ela”, brinca Janaína. Ainda segundo a coordenadora, o aluno que não tiver um bom rendimento continuará no projeto para aprimorar seu aprendizado. “Nós não podemos atender mais crianças porque, primeiro, temos uma infraestrutura limitada. E segundo porque não temos voluntários suficientes”, completa a coordenadora. 

Pelos bons resultados da extensão, a disputa por vagas é tão grande que uma lista de espera precisou ser criada para acomodar uma maior quantidade de crianças possíveis. A organização do projeto estima que cerca de 100 alunos tiveram evolução na leitura e escrita após participarem do ComuniArt. 

Perspectiva 

Olhos curiosos e atentos são os das crianças que fazem parte do projeto ComuniArt. Interessadas em aprender mais e afinar o que já foi dado em sala de aula, os pequenos sentam nas cadeiras da FBV, juntamente com seus tutores, e discutem os conteúdos.

Maycon Alexandre Luiz da Silva tem 13 anos e está no oitavo ano do ensino fundamental. O menino, de aspecto tranquilo, estuda na Escola Gercino de Pontes, no bairro de Afogados, na Zona Sul do Recife. Desde o início do ano, Maycon é uma das crianças beneficiadas pelo projeto de extensão. A timidez do garoto, no entanto, não esconde a satisfação em estar no “reforço”.

Serviço

Projeto ComuniArt

Local: Faculdade Boa Viagem

Endereço: Rua Jean Emile Favre, 422 - Ipsep,

Telefone: (81) 4020-4900

Funcionamento: Todas as quintas-feiras, das 14h às 17h

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