O cultivo de uma saudável vida escolar é fruto do plantio de uma boa base educacional. Entretanto, segundo a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), promovida pelo Ministério da Educação (MEC), 15% da população que ingressa em instituições de ensino tem problemas de aprendizado e necessita de um reforço na educação. A psicóloga Maria Helena de Souza Patto, especialista em psicologia escolar, por exemplo, explica que existe uma grande dificuldade de aprendizagem para crianças em situação de vulnerabilidade social e econômica. Tais crianças que estão ingressas nessas condições não têm respaldos materiais que as auxiliem no crescimento educacional.
No artigo “A família pode e a escola pública: anotações sobre um desencontro”, Maria Helena explica que “no mundo da ‘carreira aberta ao talento’, venceriam os ‘mais aptos’, afirma o darwinismo: nessa linha de raciocínio, diferenças individuais ou grupais de capacidade estariam por trás das diferenças sociais”.
##RECOMENDA##De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM), apenas 8% das pessoas com idade propícia ao trabalho têm plenas condições de compreender e se expressar. Outro levantamento, feito em 2015, revela que 56,2% das crianças de oito anos, que estão no ensino fundamental público, não entendem o que leem. Já 26,2% não aprenderam a escrever de forma satisfatória, bem como 55% comentem erros de ortografia e concordância.
Pensando neste panorama, desde 2012, a Faculdade Boa Viagem (FBV), na Zona Sul do Recife, desenvolve um projeto de extensão que auxilia jovens carentes com reforço escolar. Os pequenos são oriundos das comunidades “Dancing Days” e “Sítio Grande”, localizadas no próximo da instituição de ensino. A coordenadora do projeto, Janaína Calazans, explica que o ComuniArt surgiu de uma ideia de integração da faculdade com a sociedade. “O principal objetivo é acelerar o desenvolvimento pedagógico de crianças e adolescentes. Então, o projeto surgiu da necessidade de firmar uma aproximação efetiva com as duas comunidades”, conta.
Para materializar a ideia, Janaína afirma que foi necessário fazer uma seleção dos alunos. “Pedimos para que as líderes comunitárias das duas comunidades circunvizinhas fossem às escolas municipais que existem nos locais e levantassem, junto à coordenação e às professoras, aquelas crianças que mais tinham deficiência de aprendizagem”, explica. No primeiro ano de realização do projeto, dez foram selecionadas. “Elas foram encaminhadas para a gente e começamos um trabalho de tentar ajudá-las a aprender de uma forma mais lúdica e tranquila”, diz.
Atualmente, o projeto de extensão ComuniArt funciona com base nas diretrizes curriculares de educação exigidas pelo MEC. Nesse contexto, apesar de as crianças receberem um reforço escolar, nem sempre o conteúdo visto pelos pequenos é, necessariamente, aquilo que se deu em sala de aula. “Às vezes, a defasagem de conteúdo na escola é grande e os professores ficam muito tempo em um determinado conteúdo, deixando de dar outros. Então, aqui a gente também trabalha com novas aprendizagens e não só com aquilo que a criança já viu em sala”, detalha a coordenadora do projeto.
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Como funciona a iniciativa
Todos os anos, novos jovens são selecionados para participar do projeto ComuniArt. Atualmente, 13 estudantes de oito a 14 anos são contemplados. Os discentes de comunicação social da FBV que participam da extensão atuam como monitores dos pequenos. No mínimo, cada criança possui um universitário que a auxilie.
Todas as quintas-feiras, por volta das 14 horas, é realizado o reforço escolar. “Resolvemos intensificar a aprendizagem de conteúdo. Isso com outras formas de aprender, com atividades lúdicas, indo para os laboratórios da faculdade. Usamos muito o laboratório de química, para fazer experiências, bem como o espaço de gastronomia, para vermos como os alimentos se comportavam”, explica Janaína.
Apesar de a extensão ter nascido por meio dos cursos de comunicação social, universitários de outras áreas também são aceitos. “A gente já teve aqui alunos de administração, de design, mas o projeto está aberto e não há nenhum critério de diferença de voluntário. Basta ter compromisso, interesse e gostar daquilo que vai fazer”, pontua.
Os alunos voluntários atuam de forma compromissada com o projeto. De acordo com as regras, são permitidas até três faltas e que precisam ser justificadas. Embora todo o processo de ausência do tutor ocorra de maneira consensual com a coordenação da extensão, é necessário que o aluno faltante envie as atividades que iria trabalhar com a criança. “Mesmo que ele falte, deve enviar os modelos das fichas que ele iria aplicar com o estudante. O material da aula é necessário para que a gente remaneje outro tutor para cuidar daquela criança”, explica a coordenadora do projeto.
Transformação pessoal - Segundo Janaína Calazans, a mudança acontece não só na vida das crianças - que recebem uma nova oportunidade de vida por meio da educação -, como também no dia a dia dos estudantes voluntários. “Nós temos alunos que têm uma realidade muito distante da realidade das crianças que são atendidas pelo projeto. Então, o que a gente vê são alunos do ensino superior tendo contato com um contexto que era quase marginal para eles, no sentido de estar à margem da sociedade”, explica.
O prazer em contribuir
Mesmo com todos os afazeres diários pessoais e acadêmicos, o estudante Igor Luiz Almeida se dispõe a ser um dos voluntários do projeto ComuniArt. Aos 19 anos, ele está no primeiro período do curso de publicidade da FBV e vê a extensão como algo muito além do que só uma forma de ganhar horas extracurriculares. “É muito bom poder contribuir para o aprendizado dessas crianças. Eu decidi ingressar no ComuniArt porque eu acho que a educação é uma das principais coisas que devem ser apoiadas na vida e esse projeto investe muito na formação dessas crianças carentes”, comenta o estudante.
Mesmo sendo o tutor de uma das crianças atendidas, Igor não vê seu trabalho como um aprendizado unilateral. “O benefício que eu vejo desse projeto é que existe uma troca muito grande de conhecimento. Não só a gente dando para eles, como também as crianças oferecendo suas experiências de vida”, destaca o universitário.
Fila de espera
Apesar da renovação anual do projeto, nem todas as crianças deixam o ComuniArt. “Isso varia muito. Quando a gente sente que a criança está pronta para seguir com as próprias pernas, a gente dá ‘alta’ a ela”, brinca Janaína. Ainda segundo a coordenadora, o aluno que não tiver um bom rendimento continuará no projeto para aprimorar seu aprendizado. “Nós não podemos atender mais crianças porque, primeiro, temos uma infraestrutura limitada. E segundo porque não temos voluntários suficientes”, completa a coordenadora.
Pelos bons resultados da extensão, a disputa por vagas é tão grande que uma lista de espera precisou ser criada para acomodar uma maior quantidade de crianças possíveis. A organização do projeto estima que cerca de 100 alunos tiveram evolução na leitura e escrita após participarem do ComuniArt.
Perspectiva
Olhos curiosos e atentos são os das crianças que fazem parte do projeto ComuniArt. Interessadas em aprender mais e afinar o que já foi dado em sala de aula, os pequenos sentam nas cadeiras da FBV, juntamente com seus tutores, e discutem os conteúdos.
Maycon Alexandre Luiz da Silva tem 13 anos e está no oitavo ano do ensino fundamental. O menino, de aspecto tranquilo, estuda na Escola Gercino de Pontes, no bairro de Afogados, na Zona Sul do Recife. Desde o início do ano, Maycon é uma das crianças beneficiadas pelo projeto de extensão. A timidez do garoto, no entanto, não esconde a satisfação em estar no “reforço”.
Serviço
Projeto ComuniArt
Local: Faculdade Boa Viagem
Endereço: Rua Jean Emile Favre, 422 - Ipsep,
Telefone: (81) 4020-4900
Funcionamento: Todas as quintas-feiras, das 14h às 17h
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