A seca severa que abateu a região do Matopiba nesta safra derrubou a produção de grãos e descapitalizou o produtor, comprometendo o financiamento da próxima temporada. A expressiva queda de produtividade na fronteira agrícola formada por parte do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia deve causar aos produtores da região perdas de R$ 3,9 bilhões, segundo cálculos da Agroconsult, o que pode levar a uma redução de área plantada de 560 mil hectares.
Para manter os 5,2 milhões de hectares de soja, milho e algodão plantados nos quatro Estados nesta safra, seriam necessários R$ 11,6 bilhões em financiamentos, um incremento de 10,5% em relação aos recursos da safra anterior. Os produtores, no entanto, só poderão contar com cerca de R$ 6,6 bilhões, tanto de capital próprio como de crédito rural, financiadoras e tradings, levando a um rombo da ordem de R$ 5 bilhões.
##RECOMENDA##"Esse dinheiro todo não vai aparecer", afirma Marcos Rubin, sócio e analista da Agroconsult. Com as negociações, os produtores devem conseguir cerca de R$ 3,5 bilhões dessa conta, o que vai levar a uma queda de área geral na região de 10% a 15%", explica.
O Matopiba já vem amargando alguns anos de estiagens, com safras de margens estreitas que vêm descapitalizando o produtor. Neste ano, no entanto, o prejuízo superou até as previsões mais pessimistas. Desde novembro, as projeções de produtividade de soja caíram 54% no Piauí, 43% no Maranhão, 36% no Tocantins e 35% na Bahia. Na safra 2015/16, o produtor colocou na terra R$ 4 bilhões do bolso para plantar - o que representou 38% do financiamento da safra -, e viu R$ 3,9 bilhões "irem embora".
"Na prática, o produtor empurra essa conta para frente: tenta renegociar com os fornecedores de insumos, bancos e tradings", diz Rubin. "A questão é que os problemas climáticos vêm sendo recorrentes nos últimos anos, o que dificulta trazer dinheiro novo para a região."
Como consequência, os produtores terão dificuldades para comprar insumos e financiar a próxima safra, uma vez que a inadimplência deverá levar as financeiras e os fornecedores a aumentar o rigor na concessão de crédito e os custos dos empréstimos.
No Piauí, por exemplo, os produtores estão preocupados e, como nos outros Estados, pleiteiam no Ministério da Fazenda a prorrogação do vencimento das parcelas dos financiamentos de custeio e investimento. "Se não houver medidas de alívio, vai ser uma quebradeira", diz Moyses Barjud, presidente da Aprosoja Piauí e produtor no município de Bom Jesus. "Na safra 15/16, nós retornamos ao patamar de produção de 2005 - voltamos 11 anos no tempo."
Em seus 728 hectares de soja, Barjud, que esperava colher cerca de 55 sacas por hectare, tirou apenas 20, o que não cobre nem metade dos custos do plantio, de 43 sacas por hectare. Ele financiou 80% da safra com crédito rural e 20% em vendas antecipadas com as tradings - acordo esse que não vai conseguir cumprir. "Estou tentando renegociar, pedir mais prazo, pois ainda tem a multa. Com o que conseguimos colher, só dá para pagar impostos e funcionários, não sobra nada", diz.
Na Bahia, a situação é ainda mais crítica. Segundo a Agroconsult, o Estado, que responde por cerca de dois quintos da área de soja do Matopiba, amarga 44% das perdas da região. "Estou no oeste da Bahia há 29 anos e foi o pior ano agrícola que eu já vi", afirma Júlio Cézar Busato, presidente da Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba). "Teremos uma quebra de mais de 30% na safra de soja."
Ele explica que a restrição de crédito no ano passado, quando nem sequer houve pré-custeio, levou a um índice maior de vendas antecipadas. Agora, não só o produtor não consegue cumprir os contratos por conta da quebra, mas terá de pagar mais, uma vez que houve valorização dos preços no mercado internacional. "Se não for resolvida a questão do crédito, vai haver também uma diminuição no nível de tecnologia das lavouras, principalmente nos fertilizantes, e isso é muito negativo para a próxima safra", observa.
Nacional
Se no recorte local da região a oferta de crédito é preocupante, no nacional, haverá recursos suficientes para cobrir a necessidade de financiamento da safra, de R$ 110,7 bilhões, segundo a Agroconsult. O montante representa um aumento de 8,2% em relação à safra passada, o que vai exigir dos produtores R$ 42,1 bilhões de capital próprio - mantendo praticamente estável a participação de 38% no financiamento. O crédito rural deve responder por 35%.
"Da safra 2014/15 para a 2015/16, o capital próprio do produtor cresceu R$ 8,5 bilhões, que representaram 80% do lucro da safra - ou seja, do que ele colheu teve de colocar de volta 80% na lavoura para plantar, em vez de investir", diz Rubin. "Neste ano, a situação é muito diferente: o produtor terá de colocar R$ 3,4 bilhões a mais, mas que representam apenas 16% do lucro. Isso indica uma retomada de investimentos, seja em tecnologia, máquinas ou expansão de área."
Ele pondera, porém, que apesar do bom patamar dos preços, a expansão da área de grãos será tímida, pela esperada redução no Matopiba, freada na expansão do milho e pelo endividamento de grandes produtores. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.